quarta-feira, 30 de novembro de 2011

5 A CONCEPÇÃO AFRO-AMERICANA DE DEUS

Neste item, mereceria alguns acenos à experiência herdada dos africanos a respeito de Deus[1], mas receio que se tornaria demasiadamente longo. Por isso me detenho apenas na releitura feita pelos afrodescendentes cristãos a partir do que receberam nestas terras latino-americanas. Isto não quer dizer que não se deixaram condicionar, de certa forma, ao que traziam enquanto elementos fundamentais[2]. Aos negros e negras, foi imposta uma imagem de Deus que não correspondia à sua essência. As comunidades negras, no entanto, conseguem fazer uma releitura da mensagem cristã a partir do confronto com a própria Sagrada Escritura e de suas experiências solidárias, sem depender mais da 'casa grande'. A partir daí surgem novas concepções a respeito de Deus, abrindo caminho para uma nova reflexão teológica[3], conforme afirma J. Cone:
O povo negro não forjou vários argumentos filosóficos para provar a existência de Deus, porque o Deus da experiência dos negros não era uma ideia metafísica. Ele era o Deus da história, o libertador dos oprimidos da escravidão. Jesus não era uma abstrata Palavra de Deus, mas a Palavra de Deus feita carne, que veio dar liberdade ao prisioneiro[4].

            Este trecho deixa claro que há um jeito diferente de conceber o mistério do Deus revelado por Jesus e da ação de Jesus mesmo, o que permite uma releitura da caminhada e novas descobertas, numa perspectiva libertadora e escatológica. Enquanto a teologia oficial vai definir “Jesus Cristo como Salvador espiritual, o libertador das pessoas do pecado e da culpa”, fazendo com que o povo negro permanecesse na mesma situação[5], a reflexão teológica na ótica do negro vai considerar Deus como “Libertador na história”[6], Alguém muito presente na caminhada. Esta descoberta não é recente, pois, conforme A. A. Silva: “Desde cedo, os negros perceberam a singularidade de Jesus, a sua mística divino-humana, a sua solidariedade com os pobres, e o seu projeto de libertação-salvação”[7]. Isto vai leva-los a uma releitura de trechos da Sagrada Escritura que muito contribuíram num processo de conscientização-libertação. É o que veremos, então, no próximo artigo. Até lá!
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé



[1] "As experiências banto e nagô eram exatamente de um Deus supremo criador. Não prestavam cultos em templos ou santuários. Para bantos e nagôs, a natureza é o santuário de Deus, e a terra, o altar da sua oferenda. Possuem uma experiência mística de profunda comunhão com a divindade. Através dos Orixás, Deus se faz presente em cada pessoa. A pessoa faz a experiência de ser carregadora (animal) de Deus. Portanto, Deus não é o inefável grego, mas o Deus presente” (SILVA, A. A. da.  In: SILVA, A. A. da (Org.).  Existe um pensar teológico negro?, p. 53.
[2] “(...) para eles o Deus da vida é um Deus comunitário. Deus chama e salva não somente o indivíduo, mas todo o povo. Neste caso, o papel fundamental continua sendo da família, como base para construção e compreensão comunitária" (SILVA, M. R. da. In: SILVA, A. A. da (Org.).  Existe um pensar teológico negro?  p. 223).
[3] Cf. ROCHA, J. G., p. 83s; Cf. também CONE, J. H. Op. cit., p. 123.
[4] CONE, J. H., Op. cit., p. 66.
[5] "Muitas vezes, pastoralmente, insistiu-se numa figura de Jesus Cristo melancólica, excessivamente doce, que acabava por impingir à Comunidade Negra atitudes de conformação com sua situação de escravidão. Em certos ambientes católicos, dizia-se que os negros refugiados nos quilombos, pelo fato de terem fugido do domínio dos seus senhores, estavam em oposição aos ensinamentos de Jesus Cristo, por isso mesmo impedidos de recebê-lo na Eucaristia" (SILVA, A. A. da. In: SILVA, A. A. da (Org.). Existe um pensar teológico negro?  p. 38).
[6] Id. Ibid., p. 66.
[7] Id., Ibid.,  p. 39.

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