terça-feira, 27 de setembro de 2011

SOB A AÇÃO DA PROVIDÊNCIA A VOCAÇÃO SE REALIZA

Como alguns de vocês já estão sabendo, há dois meses eu lancei meu primeiro cd solo e gostaria de comentar algo sobre o significado deste acontecimento, que marca a minha vida e a vida de tanta gente. Chegará um tempo em que algumas canções cairão no esquecimento, mas valeu a pena ter vivido este momento realmente ‘mágico’. Enquanto pobre servo, acredito que não teria uma época melhor para o surgimento e lançamento deste cd, do que durante os festejos do ano jubilar de cinquenta anos de presença e missão da nossa Família Calabriana no Brasil. Por isso, antes de tudo, quero bendizer ao Bom Deus - que é Pai, Mãe, Tudo - por ter sido fonte de inspiração para a realização deste projeto, que contempla muitos aspectos da nossa espiritualidade. De fato, o fio condutor de todas estas canções é o que nos caracteriza, enquanto Família Calabriana, chamada, assim como o próprio Calábria, a fazer e comunicar uma experiência diferente de Deus.
Este cd, entre outros aspectos, aborda a temática vocacional, enfatizando a iniciativa divina em nos chamar por nos amar sem medida. Esta é a experiência fundante e fundamental da nossa existência e, portanto, não encontramos outra razão de ser e de viver a não ser amar e servir. Para tanto, contamos com os constantes auxílios da graça de Deus e, por isso dizemos que é SOB A AÇÃO DA PROVIDÊNCIA QUE A NOSSA VOCAÇÃO SE REALIZA.
O alvo principal deste cd é a juventude – que, segundo São João Calábria, carrega escrito na fronte: sou de quem me conquistar. Queremos desafiá-la a deixar-se conquistar por aquilo que realmente vale a pena. A nossa proposta é a pessoa e projeto de Jesus Cristo sem restrições. Este Jesus, com todas as suas exigências, continua exercendo um fascínio muito grande na vida do jovem, por causa de seu engajamento profético. Reconhecemos também - e a vida tem nos ensinado – que devemos não só trabalhar para os jovens, mas com os jovens, levando em conta que eles, melhor do que ninguém, sabem o que é melhor para as suas vidas. De fato, suas decisões tem sido significativas em vista de uma outra sociedade possível. É o que nos faz pensar o professor Marcos Sandrini, ao dizer que os jovens nascem porque a sociedade precisa de mudança; se tudo estivesse arrumadinho e organizadinho, não haveria necessidade de jovens. Cantamos a vida desta juventude que sonha, que luta, que faz, que quer dizer sim, mas às vezes diz não...
Este cd convida a agir, fazendo da vida entrega e serviço em favor dos irmãos e irmãs. O nosso agir não é um agir qualquer. Devemos nos sentir carregados nas mãos maternais de Deus que é amor e presença. Agir sob a ação da Providência é reconhecer que o Deus da História tomou partido dos pobres e oprimidos e, em meio aos faraós atuais, continua contando com novas e novos Moisés, que empenhem o melhor de suas vidas em defesa da vida. É reconhecer que, na resposta de Maria, Mãe da Divina Providência, a nossa resposta foi contemplada e, por isso, partilhamos da sua grande alegria. Convido a todos a, simplesmente, cantarem comigo o chamado que nos faz o Deus da vida por nos amar sem medida.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

EMENTA DO SEMINÁRIO LABORATORIAL SOBRE LITURGIA INCULTURADA

EMENTA DO SEMINÁRIO LABORATORIAL SOBRE LITURGIA INCULTURADA
Dia 06 de novembro - Gravataí

A liturgia cristã é rica pelo Mistério que celebra, mas também por possibilitar espaços para a criatividade. Ela se tornou ainda mais rica em contato com as culturas. Deve-se reconhecer que “a Igreja precisa das culturas para evangelizar, pois sem as culturas não há evangelização”. A idéia de inculturação nasce, então, a partir deste pressuposto: aproximação, diálogo, intercâmbio de dons, serviço. Da evangelização imposta surge uma releitura e um resgate. Celebramos, então, com um novo jeito, com um novo rosto, mas ainda longe do ideal. Chamou-se ‘Missa dos Quilombos’, ‘Missa afro’, ‘Missa inculturada’, mas, por causa dos excessos, tensões e conflitos, convém dizer: liturgia a caminho da enculturação em meios afro-brasileiros. E como estamos? Vale a pena continuar tentando? É o que se propõe o SEMINÁRIO LABORATORIAL SOBRE LITURGIA INCULTURADA.
Como é do conhecimento de todos e todas, o rito romano é o mesmo em todo lugar (mundo ocidental), mas em suas particularidades - as “celebrações inculturadas afro”, como adaptação do rito romano (cf. SC 37-40) -  diferem das celebrações tradicionais,oficiais: é uma liturgia que envolve canto e muita dança, ao som dos atabaques e outros elementos da cultura negra; com muito gingado, o ato de celebrar torna-se assim rico e diversificado, abrindo espaço para a criatividade do gesto e das expressões litúrgicas, inovando-as de forma notável; a característica principal das celebrações inculturadas é a alegria e a descontração devido à dinâmica canto-dança, porque é assim que o negro e a negra manifestam a sua fé: na alegria; o povo negro canta rezando e reza dançando, uma oração que se faz envolvendo o corpo por inteiro. Desta forma, o canto, a dança, o toque dos atabaques, a natureza, os Ancestrais, a comida e as vestes de tradição africana são parte integrante e importante de nossas celebrações.
Sem grandes pretensões, esperamos alcançar nossos objetivos, levando os (as) integrantes a uma maior compreensão de todo o processo celebrativo, na ótica do Povo negro, partilhando experiências e se fortalecendo em vista de ‘dar razões da nossa fé e da nossa esperança’. Aguardamos você e seu grupo com aquela alegria e gingado, plenos do axé, dom do Deus da Vida, do Deus Comunitário. Viva o Povo Negro, viva os Mártires da nossa História, História de lutas, desafios e vitória. Viva Zumbi dos Palmares, viva o Povo que faz seus Palmares e que ainda fará Palmares de novo, Palmares, Palmares, Palmares do Povo!
Proponho que sejam feitas algumas consultas nas bibliografias abaixo:
BOAVENTURA, Josuel dos Santos (DEGAAXÉ). Negritude e experiência de Deus. Disponível em:
___________. Comunidades afro e experiência cristã. Disponível em:   http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/teo/article/viewFile/1774/1307
___________. Liturgia a caminho da enculturação em meios afro-brasileiros, parte 1. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/site/afro-brasileira/1970-questoes-em-torno-da-liturgia-a-caminho-da-inculturacao-meios-afrobrasileiros
­­­­­­­­­___________. Liturgia a caminho da enculturação em meios afro-brasileiros, parte 2. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/site/afro-brasileira/1971-questoes-em-torno-da-liturgia-a-caminho-da-inculturacao-em-meios-afrobrasileiros--parte-2

CELAM. Texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latinoamericano e caribenho, São Paulo: Paulinas, 2008.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. A fraternidade e o negro. Texto-base da Campanha da Fraternidade 1988, Brasília, 1987.
_______. Pastoral afro-brasileira: princípios de orientação. Brasília: Ed. CNBB, 2008.
_______. Nova Evangelização, promoção humana e cultura cristã.  Petrópolis: Vozes, 1993.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Nostra Aetate. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 617-625.
_______. Sacrosanctum Concilium. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 257-306.
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. A liturgia romana e a inculturação. São Paulo: Paulinas, 1994.
PASTORAL AFRO-BRASILEIRA - VI Congresso das Entidades Negras Católicas, Refletindo o Rosto Negro da Igreja, de Medellín a Aparecida.Texto Base. São Luís, 2009.
PIRES, José Maria. O Deus da Vida nas comunidades afro-americanas e caribenhas. Palestra de Abertura da II Consulta de Teologia e culturas afroamericanas e caribenhas. São Paulo, 07 a 11 de novembro de 1994. Disponível em: http://atabaque-cultura-negra-e-teologia.blogspot.com/2009_12_01_archive.html. Acesso em: 02 de jun. de 2011.
REIS, Ari Antônio dos. Sugestões para a inculturação litúrgica em meios afro-brasileiros. Disponível em:
SOUZA, Marcelo de Barros. Celebrar o Deus da vida: tradição litúrgica e enculturação. São Paulo: Loyola, 1992.

Modjumbá axé!
Núcleo da Pastoral afro do Vicariato de Porto Alegre

domingo, 25 de setembro de 2011

DEUS ACOLHE NOSSA RESPOSTA, RESPEITANDO A NOSSA LIBERDADE

DEUS ACOLHE NOSSA RESPOSTA, RESPEITANDO A NOSSA LIBERDADE[1]

Falando a um povo que está em exílio, Ezequiel convoca à fidelidade a Deus. Estamos lidando aqui com questões de conduta moral, fruto de escolhas e que pouco a pouco vão definindo o rumo da existência. Da parte de Deus não faltam critérios de julgamento para se tomar decisões e rever certas escolhas que se faz. Não podemos achar que Deus é vilão de nossos infortúnios, de que não pensa em nós e de que quer nossa ruína. Deus é amor e quer que todas as pessoas se salvem. Faz festa quando alguém retoma o caminho por ele proposto. Está à nossa porta para que, ao bater, nós possamos acolhê-lo.
O mal, o sofrimento e a morte não são queridos por ele, mas ele jamais nos abandona, principalmente nestes momentos. Quando alguém está numa pior e diz: “vivo como Deus quer” ou “estou carregando a cruz que Deus me deu” ou ainda “meu Deus, por que fizeste isso comigo?” Estas são questões injustas e sem fundamento dirigidas à pessoa errada, como se Deus fosse injusto ou culpado. Ao invés de acusa-lo de injusto é preciso mudar de mentalidade. “Deus tem para conosco uma única intenção: ajudar o pecador a entrar no caminho da vida e da verdade. O mal não pode vir dele; depende da finitude do mundo e dos atos humanos. Mas ele nos convoca e nos apóia na luta contra o mal. Assim, por exemplo: Deus não está na enfermidade, está no enfermo contra a enfermidade”[2]. Portanto, devemos rever as imagens de Deus que cultivamos e vejamos se elas não têm sido prejudiciais na descoberta do verdadeiro rosto de Deus.
Na parábola do pai que tinha dois filhos, Jesus nos convida a fazer a experiência de um Deus que é um Pai bom, que dispensa generosa e gratuitamente os seus dons a todas as pessoas. Convoca-nos a trabalhar na sua vinha. Há um sim inconsistente e infiel; e há um não que depois se transforma em sim generoso. Na verdade, ele não nos obriga a uma resposta à altura porque também jamais conseguiríamos. A ação de graças é a atitude mais conveniente. Um coração generoso e agradecido é mais sensível para perceber que Deus está sempre surpreendendo com novos sinais de sua bondade. Portanto, segundo a parábola, Deus tem muitos filhos que nem sempre correspondem ao que ele espera, mas acolhe suas respostas, respeitando a liberdade de cada um.
Deus não nos cobra nada, não nos pede nada, só ama e, por amar, nos dá tudo. O seu amor em nós nos leva a uma atitude de busca e correspondência. É preciso uma fé amadurecida para responder, levando em conta a vontade de Deus e não apenas interesses pessoais. O documento de Aparecida nos convida a recomeçar a partir de Jesus Cristo (DA 12, 41 e 549), tendo em nós os mesmos sentimentos que havia nele, tema trabalhado por São Paulo, na segunda leitura. É preciso uma kenosis (esvaziamento) em cada cristão. Este valor é o diferencial numa sociedade em que predominam os contra-valores do egoísmo e do individualismo. “Importa mostrar que Jesus Cristo não viveu fechado em si mesmo, mas, esvaziando-se, veio ao encontro da humanidade. Não vivia para si. Vivia para o Pai e para os demais”[3]. São Paulo continua dizendo “nada façais por vanglória, considerando os outros mais importantes que a si”. O diferencial do ser cristão está justamente aqui: na disponibilidade para servir, fazendo-se tudo para todos, mas na humildade e simplicidade, que tornam qualitativo o nosso serviço. Não sou melhor do que ninguém, mas devo ser diferente, por princípios, por convicção.  Trata-se de uma vida cristã acentuadamente kenótica, a exemplo do próprio Jesus que veio, não para ser servido, mas para servir.


[1] Esta reflexão está baseada nos seguintes textos: Ez 18, 25-28; Mt 21, 28-32 e Fl 2, 1-11.
[2] Teólogo galego Andrés Torres Queiruga.
[3] Teólogo carioca Joel Portella.

sábado, 24 de setembro de 2011

AFRODESCENDENTES: “EXPRESSIVIDADE CORPORAL, ENRAIZAMENTO FAMILIAR E SENTIDO DE DEUS” (DAp., 56)

Precisamos partir do princípio de que o povo negro tem contribuído muito com relação à sociedade, para que se torne mais humana e fraterna; e, com relação a evangelização da Igreja, para que se torne mais dinâmica e comprometida. Neste sentido, dizemos com o documento de Aparecida que os afrodescendentes se caracterizam, entre outros elementos, “pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus” (Cf. DAp., 56).
Uma das coisas que me fazem feliz é poder pertencer a um povo que sempre viveu em plena liberdade em terras de Mãe África e que, mesmo sendo deportado, nunca perdeu de vista o sonho de fazer de cada lugar um pedaço da África livre. Este povo, por ser tão rico de valores e incansável em sua luta, supera com muita ginga e muito axé, cada dia de novo, o peso do racismo e suas diversas manifestações. Reconheço as maravilhas que o Deus Libertador realizou através dos nossos Ancestrais e continua realizando em nosso meio, mostrando-se solícito ao que se passa conosco. Isto nos estimula a caminhar e a dizer sem medo de ser feliz: “sou negro (a) e daí. Teremos uma nova civilização quando cada negro ou negra assumir sua identidade e ajudar os não-negros a perceberem que a vida é bela e se torna ainda mais bela quando acolhemos o diferente e nos enriquecemos mutuamente.
Às vezes dói muito, ao perceber que muitos irmãos e irmãs ainda não conseguem assumir a própria identidade, indiferente a toda luta dos nossos Antepassados e à vivência da negritude. Esta situação é geradora de conflitos entre as próprias lideranças e compromete o crédito das reais finalidades de nossa luta. Mesmo assim, quero ser profeta da esperança, contribuindo com o que está ao meu alcance para afervorar a militância, animar as lideranças e seguir cantando a vida, pois quem tem Deus, não se cansa.
A caminhada dos grupos e Comunidades negras tem me ajudado a entender a dinamicidade da experiência de Deus que realizam e a resposta deste Deus ao longo da história. Isto me leva a aprofundar o processo de inculturação do Evangelho na cultura e religiosidade afro-brasileira. A minha pesquisa vem também atender a uma solicitação  da Conferência de Aparecida, no que se refere aesforços para inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro-americanos(DAp., n. 99). Sabe-se, por experiência, que este é um caminho tenso, por vezes conflitivo, contudo, rico e necessário. A inculturação é vista, por Aparecida, como uma riqueza, pela presença de novas expressões e valores, manifestando e celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir fé e vida e assim contribuindo para uma catolicidade mais plena (DAp., n. 479) e mais consciente.
O engajamento dos afrodescendentes dentro da Igreja e assumido por ela, torna-se uma ação pastoral efetiva em vista da vida e dignidade desta parcela da população, trazendo ao seio das nossas comunidades eclesiais reflexões sobre o racismo e a necessidade de uma postura mais acordo com o evangelho, ajudando seus membros a se enveredarem num contínuo processo de “descolonizar as mentes, o conhecimento, a recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais”. Todas estas “são condições para a afirmação da plena cidadania desses povos” (DAp., n. 96). Estes negros e negras, agentes de pastoral, cultivam uma fé comprometida com a transformação da realidade, solidária com os anseios dos oprimidos de todos os tempos.
“A Igreja, com a sua pregação, vida sacramental e pastoral, precisará ajudar para que as feridas culturais injustamente sofridas na história dos afro-americanos, não absorvam nem paralisem, a partir do seu interior, o dinamismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica, de sua memória cultural, de seu desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam” (n. 533). Essa ajuda pode vir da busca de um maior conhecimento e respeito com relação aos valores e tradições dos afrodescendentes, acolhendo o processo de inculturação, principalmente da liturgia, não com desconfiança e ceticismo, mas como parte fundamental do processo evangelizador. Esta possibilidade já tinha sido levada em conta pelo concílio Vaticano II quando afirma que “salvando a unidade substancial do rito romano dê-se lugar a legítimas variações e adaptações para os diferentes grupos, regiões e povos  (SC, 37-40). Com esta postura, a Igreja se dá conta de que não pode haver verdadeira e sólida evangelização se se distancia das culturas dos homens e das mulheres locais. Neste intuito é que, como Povo Negro, buscamos celebrar com um novo rosto, resgatando no Mistério Pascal de Cristo, valores que sempre estiveram na base de nossa experiência existencial.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

domingo, 4 de setembro de 2011

SER PROFETA E DISCÍPULO É DEIXAR-SE SEDUZIR, RENUNCIAR E SERVIR

SER PROFETA E DISCÍPULO É DEIXAR-SE SEDUZIR, RENUNCIAR E SERVIR
Uma reflexão a partir dos textos: Jr 20, 7-9; Mt 16, 21-27

Quero partilhar com os visitadores do blog uma reflexão elaborada a poucos dias a partir de dois textos que para mim, são centrais na experiência do Povo da Bíblia e grandes referências para quem deseja servir o Reino de Deus do jeito certo.
Começando por Jeremias, percebemos que ele narra sua experiência de ser seduzido por Deus de forma apaixonante. Confessa que tentou fugir, mas não conseguiu, pois Deus foi mais forte do que ele. Jeremias é o profeta fiel, mas que sofre por causa de sua fidelidade a Deus e à sua Palavra. Lá pelas tantas ele vai dizer: ‘quando tuas Palavras se apresentavam eu as devorava; eram para mim contentamento e alegria do meu coração, pois era vosso nome que eu levava, Senhor, nosso Deus’. Ser profeta é deixar-se seduzir por Deus para se tornar mensageiro (a) de sua Palavra. A sedução na vida do profeta é caracterizada pelo esforço constante de conversão e de total abandono à vontade daquele que chama.
Jesus, enquanto caminha, ensina seus discípulos a segui-lo. Primeiro ele quer saber o que as pessoas dizem a seu respeito e testa as convicções dos seus discípulos. Pedro, em nome do grupo e por inspiração do Pai, confessa que Jesus é o Messias. Jesus reconhece a escolha divina e lhe confere a missão de responsável da comunidade dos discípulos. No texto desta nossa reflexão, o mesmo Pedro está falando contra Jesus e Jesus rejeita Pedro. Como isto é possível, se antes o tinha acolhido? Está em jogo aqui a idéia de messianismo. Na verdade, Jesus não rejeita Pedro, mas critica o seu modo de pensar. Como sabemos, os judeus esperavam um messias político, poderoso, que pudesse dominar na base da força. Tal expectativa estava presente na mente dos discípulos quando Jesus os questiona. Jesus aceita a profissão de fé, mas procura explicar o seu verdadeiro messianismo. Jesus fala que deve sofrer, ser rejeitado, morrer e ressuscitar, ou seja, fala de morte para ter a vida. E isso Jesus falava abertamente, mas Pedro o chama no escondido e começa a repreendê-lo para que desista de sua missão. Ora, se nos recordarmos daquelas tentações de Jesus no deserto, o texto afirmava, no final, que satanás havia deixado Jesus para se manifestar numa hora oportuna e esta é uma das tantas horas usadas por satanás para desviar Jesus de sua missão. Jesus se mostra bem atento: fala de si e fala de como deve ser quem deseja segui-lo. Se não tomarmos cuidado, com as nossas dificuldades em seguir Jesus, podemos querer adaptar o Projeto de Deus ao nosso modo de ser e de pensar ou querer um Deus à nossa imagem e semelhança. É preciso, portanto, fazermos algumas considerações sobre as condições apresentadas por Jesus para segui-lo:
1. É preciso convicção: não podemos seguir Jesus só porque nos disseram que é bom. É preciso sedução e isso só é possível com o que diz Aparecida: experiência de encontro pessoal com Cristo;
2. Contar mais com a graça de Deus do que com as próprias capacidades. É tomar consciência das próprias limitações e tomar cuidado para que elas não sejam causa de escândalo ou tropeço na vida daqueles que querem ser fiéis. São Paulo diz: se pensa estar de pé, cuidado pra não cair. Estamos prontos para a graça quando tomamos consciência das nossas reais condições: ‘sem Deus não somos nada e não podemos fazer nada’. Diz São João Calábria: ‘zero e miséria: boas condições’.
3. Renunciar a si mesmo: tem a ver com assumir uma nova postura, uma nova mentalidade, uma nova identidade. É preciso romper com as estruturas de domínio, romper com a mentalidade preconceituosa que considera os outros sempre como ameaça e impede a fraternidade;
4. Tomar a cruz: Jesus lembra que para ser verdadeiro discípulo tem que estar disposto ao sacrifício, quando for necessário. Não devemos viver resmungando, o que revela que de fato não servimos para a missão que assumimos. É a gratuidade e a generosidade que devem ser a marca registrada daqueles que seguem Jesus. Na forma como assumimos os sacrifícios diários revela se estamos aptos para servi-lo.
5. Seguir Jesus: para servir e carregar a cruz tem que ser como Jesus que não ficou medindo esforços para servir nem fez da cruz o fim de tudo. Muitas vezes nos fixamos por demais na cruz e esquecemos que Jesus ressuscitou. Não seguimos Jesus até a cruz, mas passando também pela cruz. Ele não nos chama à cruz e ao sofrimento. Nos chama à verdadeira vida, mas não nos ilude, pois deixa claro que se quisermos ganhar a vida teremos que perder esta, se quisermos ser o primeiro teremos que ser o último. Esta é a lógica do Reino. Optando por Jesus, optamos pela vida eterna, mas vem no pacote: as dificuldades, incompreensões, as tentações, perseguições, etc.
Que o Deus da vida nos conceda a graça da fidelidade no seguimento de Jesus, não obstante nossas limitações e que, através de nós, a sua Palavra leve as pessoas a se tornarem verdadeiras discípulas de Jesus.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé