domingo, 29 de janeiro de 2012

O PROFETISMO ONTEM E HOJE


É e sempre será tempo de profetismo. Esta realidade sempre caracterizou a experiência religiosa do povo de Israel desde o tempo de Moisés. O profetismo é o ponto de encontro do ser humano com a Palavra e a vontade de Deus. O Profeta é aquele que se dispõe à experiência da Palavra de Deus e a interpreta para o povo na sua realidade concreta.
A Sagrada Escritura apresenta Deus como alguém que se revela ao seu povo através de acontecimentos e palavras; De modo preferencial, ele se auto-comunica através da Palavra e quando fala, sua Palavra cria (Gn 1: ‘Faça-se...’); chama, elege e constitui um grande povo (Gn 12: ‘Sai da tua terra e vai...’, ‘farei de ti uma grande nação’); liberta e salva (Ex 3: ‘Eu vi a miséria do meu Povo... vai, eu te envio... deixa o meu povo ir’).  Esta experiência que era de um povo, amplia-se e recebe uma interpretação universal e definitiva na pessoa de Jesus Cristo, Palavra eterna do Pai que se encarna nas realidades humanas, de sorte que o povo vai percebendo, através de seus gestos, palavras e práticas que se trata do Filho de Deus, Aquele que fala com autoridade porque é revelador do projeto do Pai.
O ponto alto da Revelação no Antigo Testamento é a Aliança no Monte Sinai com Moisés. A partir da experiência de Deus que ele realiza, recolhe fielmente as orientações para conduzir o Povo rumo à Terra Prometida. Esta experiência vai ser determinante para a construção e identidade do povo, assim como vai ser determinante para a concepção que este povo terá de Deus. Javé é o Deus dos Ancestrais, o Deus da história, o Deus que liberta e caminha com o povo. A infidelidade à Aliança levará este povo a experimentar grandes desordens: divisão dos reinos, invasões, cativeiro. Os profetas vão interpretar esses acontecimentos, ajudando o povo a não desanimar na caminhada de adesão ao projeto de Deus e a manter firme a esperança no futuro.
Para que a atividade profética seja determinante na vida do povo e cumpra a sua finalidade, o próprio Deus põe suas Palavras na boca do profeta para que ele fale somente o que lhe for mandado, diferentemente dos falsos profetas, que são enganadores: mais transmitem palavras humanas do que Palavra de Deus. O profeta é constituído por Deus, não para estar com o poder político e religioso – com os quais sempre esteve em conflito - mas ele é chamado a ser porta-voz, instrumento de sua Palavra a fim de que sua mensagem chegue a todas as pessoas. O profeta não tem força de persuasão e convencimento por si mesmo, mas anima o povo pela força que vem da Palavra.
Quando nos referimos a Jesus, estamos falando do profeta por excelência, que comunica a novidade da Palavra de Deus pela autoridade que foi dada diretamente do Pai. Diferentemente dos escribas e fariseus, comparados aos falsos profetas, ele fala com autoridade, por ser é uma pessoa autêntica, verdadeira: aquilo que ele fala está de acordo com a sua conduta. Como ele não está preso a nenhum poder político ou religioso, torna-se ruína para os espíritos maus, símbolo das forças de morte que paralisam, alienam e exploram as pessoas. A presença de Jesus denuncia a ação de forças contrárias ao projeto de Deus. A sua ação faz a diferença no meio deste povo; daí a razão da sua autoridade. Sua autoridade é seu engajamento profético. Jesus autoriza o povo a ser também presença profética, reconhecendo os sinais do Deus que o visita e revela seus planos de amor porque quer as pessoas livres.
O profetismo hoje tem inúmeros rostos e situações. A própria comunidade cristã foi constituída profeticamente por Jesus, ao escolher dentre as inúmeras pessoas de seu tempo, aquelas rejeitadas. Esta comunidade leva adiante a missão de Jesus pelas opções que é chamada a fazer, mantendo o foco de atenção nos menos favorecidos. A profecia é, na Igreja, sinal de sua vitalidade. Numa sociedade excludente e elitista como a nossa, se a Igreja não fizer a diferença, ela deixa de ser Igreja de Jesus Cristo. Ela não pode estar amarrada a nenhuma força ou poder terreno, pois assim compromete a sua ação profética. Estando num ano de eleições, aproximam-se o período das propostas e promessas. Muitos dos que se dizem cristãos, facilmente se deixam comprar por qualquer merrequinha de quem faz jogo sujo na política (sexta básica, passagem, doação em dinheiro em troca do voto). Quem tem atitude profética, não só não aceita, mas denuncia este tipo de jogo. É preciso estar atentos, pois se não cuidarmos estaremos vendendo nossa capacidade de decisão, comprometendo nossa identidade cristã e nossa ação profética. Se ontem tínhamos Elias, Isaías, Jeremias, hoje temos Rosana, Bernadete, Valdecir, Vera, José, Maria, padres, bispos, religiosos e religiosas, inúmeros profetas e profetizas do nosso tempo, que empenham o melhor de suas vidas nos diversos lugares onde a Igreja está presente e é chamada a se posicionar pela causa da justiça e em favor dos mais necessitados. Lembramos também de outras figuras proféticas que não estão dentro da Igreja, mas que também são sinal do reino de Deus que não tem fronteiras. Peçamos a Deus a coragem e a ousadia para testemunhar incansavelmente sua Palavra, empenhando o melhor de nós para animar nossas comunidades a manterem-se firmes na esperança e na fidelidade ao Projeto de Deus. Este é o nosso profetismo hoje.

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O ESPINHO QUE CONTINUA DOENDO NA ‘PELE’ DO POVO NEGRO

Amigo/a e seguidor/a, para maior compreensão deste, gostaria que vcs consultassem o meu artigo SOMANDO FORÇAS NA LUTA CONTRA O RACISMO, neste blog, no mês de junho do ano passado. Quem não consegue blogar comentários, envie para degaaxe@gmal.com - Uma boa reflexão!

Vivemos uma época de grandes transformações e rápidas evoluções. Tudo é pra ontem e, mesmo você, concluindo algum curso, tem que se atualizar continuamente, caso contrário, não consegue acompanhar nem agir eficazmente na realidade. Em nível de sociedade brasileira, notamos o quanto esta situação se faz sentir, principalmente no lado econômico. O Brasil já ultrapassou o Reino Unido e se tornou a sexta maior economia do mundo, de acordo com dados do Centro de Economia e Pesquisa de Negócios (CEBR, na sigla em inglês). Isso parece bonito e louvável, mas não se pode esconder que, com relação a desenvolvimento humano, expectativa de vida e a situação entre os diversos seguimentos sociais, o Brasil tem envergonhado muito. No Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil foi classificado na 84ª posição entre 187 países avaliados pelo índice, ficando atrás do Chile, na 44ª; Argentina, 45ª; Uruguai, 48ª; e mesmo de Cuba, 51ª. Portanto, não  pode querer se modelo para ninguém.
Percebemos, então, que o crescimento econômico do Brasil não implicou tanto em melhoria para a vida das pessoas. A desigualdade cresce sempre mais: os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres sempre mais pobres. Estes últimos são, em sua maioria, afrodescendentes, os quais não têm as mesmas oportunidades dos demais e são vítimas de inúmeros preconceitos e discriminação. Há muita dificuldade em reconhecer e aceitar que negros e negras são pessoas de bem e que também tem capacidade como os demais. Isso nos leva a afirmar, com segurança, que ainda estamos sob o estigma da escravidão. A praga do racismo, com suas vertentes, é como um espinho insistente na vida dos afrodescendentes.  Só sabe o que isto significa quem experimentou e experimenta na própria pele. Há alguns anos atrás, indo de Campo Grande a Porto Alegre, o ônibus em que eu estava foi parado pela polícia rodoviária federal. Os policiais, todos bem armados, subiram no ônibus em busca de drogas. Passaram por todos os passageiros, mas pararam em mim, solicitando os documentos e a abertura da bolsa de mão. Então, eu ousei perguntar qual a razão de terem passado por todos e parado somente em mim. Ele afirmou que fazia parte do procedimento. Que tipo de procedimento é este que acha que todo negro é suspeito?
A praga do racismo está tão presente nos nossos relacionamentos quanto nos tempos de outrora, aumentando a dívida da sociedade com relação à população negra. As situações se repetem, principalmente em locais onde os afrodescendentes são a maioria. A meritíssima Luislinda Valois, baiana, há pouco tempo tornou-se desembargadora. Lançou um livro falando dos desafios da sua carreira, enquanto negra e sobre a situação do povo negro. Quero lembrar dois fatos ocorridos com ela e que partilhou em uma de suas entrevistas: um aconteceu quando ainda era adolescente, na escola. O seu professor lhe pediu um material de desenho. O seu pai conseguiu comprar um a muito custo e de segunda mão. O seu professor afirmou: ‘Menina, deixe de estudar e vá aprender a fazer feijoada na casa dos brancos’. Ela saiu chorando e depois tomou coragem, voltou e retrucou: ‘Eu não vou fazer feijoada para branco, não. Eu vou ser juíza e lhe prender’. E de fato, realizou seu sonho, tornando-se a primeira juíza negra do Brasil, só não foi possível mais prender o professor. Um outro fato foi quando ela estava trabalhando no juizado em Piatã (Salvador). Enquanto aguardava uma audiência, ela resolveu colocar alguns processos em ordem e avisou à secretária para não dizer que ela era a juíza. Chegou uma advogada perguntando onde estava o juiz e reclamando que juiz nunca chega na hora, entre outras coisas. Na hora da audiência, ela subiu, colocou a toga e quando a advogada a viu não sabia fazer mais nada. Ela então teve que suspender a audiência e disse para a advogada: ‘Tenha paciência, a senhora toma um chá de erva-cidreira e amanhã nós continuamos’. Luislinda foi a primeira juíza a dar primeira sentença de racismo como crime no Brasil. Só quem experimentou na própria pele o grande espinho do racismo pode ter tanta sensibilidade com relação às vítimas e pulso tão firme para com os criminosos, racistas de plantão.
Quero comentar também uma notícia que li no jornal A TARDE, da Bahia, no dia 08 de janeiro deste que me envergonha enquanto baiano e vai desmitificando a ideia de que na Bahia, com relação a população negra, a situação é tranquila. De uma coisa estamos certos: mesmo que existam muitas situações de racismo, os afrodescendentes não estão se calando. A Delegada negra Elza Bonfim estava na fila dum supermercado em Salvador, quando presenciou uma situação de racismo. A cabeleireira Edicelia Brito dos Santos, 56 anos, chamou a operadora de caixa Sidnea dos Santos Oliveira, 29, de preta e burra. E, por ironia as duas tem o sobrenome dos Santos. Lembra a delegada: “Perguntei se ela estava falando com a funcionária e ela virou para mim perguntando o que eu queria também. Me apresentei e dei a voz de prisão”. Bom, Edicelia tentou fugir, mas foi interceptada pelos seguranças, ao grito da delegada sobre sua prisão. A funcionária Sidneia procurou orientação e afirmou depois: “Me senti ofendida e discriminada. Não quero nada dela. Só quero que ela seja julgada criminalmente e tenha respeito às outras pessoas’. E continuou: ‘a cliente disse que eu a destratei, mas só informei o procedimento da empresa. Na hora de pagar ela disse ‘tome aqui a porcaria do dinheiro. Isso só poderia ser arte de preto que não estudou’”. O que eu acho estranho nesta fala é que esta mulher se diz estudada, mas não aprendeu a tratar bem as pessoas. Certamente, ela faltou a esta aula. E o que dizer daquela cena apresentada pelo jornal nacional, no dia 05 de janeiro, ocorrida numa universidade em São Paulo. Havia uma manifestação no campus universitário e um policial começou a discutir com alguns estudantes. Ao notar que havia um negro, perguntou se ele era também estudante naquele local e pediu documentos. O negro se recusou a mostrar a documentação, pois só havia pedido para ele. Então, o policial o cobriu de socos. Afinal de contas, qual é o lugar de negro? Negro tem ou não capacidade para estar numa universidade? Num Brasil onde 55% é afrodescendentes, cenas como esta causa imensa indignação.
UM RECADO AOS RACISTAS DE PLANTÃO: Se você não aprendeu a tratar bem as outras pessoas, cuidado, pois pode aparecer perto de você uma delegada como Elza ou uma juíza como Luislinda e estragar seus planos. Mas é bom levar em conta que não precisa a pessoa ter um alto encargo ou título para que a gente possa respeitá-la. O respeito vem da consciência sobre a dignidade humana.
UM RECADO AOS AFRODESCENDESTES: continuem exigindo o devido tratamento por serem pessoas e terem dignidade. É tarefa de todos e todas contribuirmos para a construção de uma sociedade menos racista, mais humana e fraterna. Assim como afirma conscientemente a delegada Elza: “Não poderia me omitir porque também sou negra e o sangue de polícia ferve nas veias”. E continua: “fico envergonhada, entristecida em ver uma atitude assim numa terra em que a maioria é negra”. Enquanto eu lia a notícia, admirava a postura de Sidneia na foto: cabeça erguida, postura decidida e cheia de esperança. Isso me motivou muito na militância e eu dizia pra mim mesmo que é por causa de situações assim que ainda vale apena lutar. Como fazer a sociedade do ‘faz de conta’ entender que a gente não está dormindo? Como fazer os amantes da democracia racial entenderem que negro\a não é besta? Como ser e viver dignamente numa sociedade onde os afrodescendentes são obrigados a carregar estereótipos que traduzem uma época de dor e sofrimento que já deveria ter passado? É preciso descolonizar as mentes e os corações para mudar as posturas nesta nossa sociedade racista e elitista. E tenho dito.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

FALA, SENHOR, QUE TEU/TUA SERVO/A ESCUTA!

Para uma maior compreensão, leia antes os textos: 1 Sm 3, 3-10.19; Jo 1, 35-42
Uma das grandes certezas que nos acompanham na caminhada é a de que Deus tem um plano de amor para cada um de nós e, por nos amar muito, nos chama a descobrir em que consiste este plano. A vocação se torna, portanto, uma relação de amor entre Deus – que toma a iniciativa de chamar – e o ser humano que, na fé, é chamado a responder com generosidade. É o que aconteceu, por exemplo, com Samuel, na Antiga Aliança e com os primeiros discípulos de Jesus.
Samuel é o último dos juízes do Povo de Israel e considerado também como profeta. Sua mãe era estéril e, portanto, tida como desgraçada por não poder gerar. Em sua prece fervorosa ao Senhor, ela pede a graça de ter um filho e, assim, poder consagrá-lo inteiramente ao seu serviço. Sua prece é atendida e o menino passa a viver no templo aos cuidados do sacerdote Eli. O menino Samuel é participativo e encontra-se no templo, mas dorme. Ele oi escolhido por Deus não para ficar dormindo. O Senhor lhe chama repetidas vezes e por lhe faltar intimidade com a Palavra do Senhor tem dificuldade de responder como o Senhor espera. Para um verdadeiro discernimento, ele precisa, então, do Sacerdote Eli que tem mais clareza e compreensão sobre os apelos do Senhor e dá as devidas orientações. Samuel pôde responder com toda disponibilidade e generosidade ao chamado que o Senhor lhe fez: “Fala, Senhor, que teu servo escuta”. Daqui surgem três aspectos fundamentais em nossa caminhada vocacional: familiaridade com a Palavra de Deus, deixar-se orientar por alguém experiente para descobrir a vontade de Deus e total disponibilidade para servir.
O Deus que toma a iniciativa em nos chamar, é caminheiro em nossa direção e caminha conosco nas estradas da vida. Mas é preciso muita atenção para percebê-lo passando. João está atento quando Jesus passa e reconhece nele a misericórdia encarnada do Pai, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Com esta indicação, ele possibilita aos seus dois discípulos uma experiência mais plena de discipulado. Quando Jesus pergunta (“o que procurais?”), deseja um seguimento não só por ouvir dizer, mas por convicção. Eles vão a Jesus, fazem a experiência de sua pessoa e projeto e se tornam testemunhas. Diante da pergunta deles (“onde moras”?) Jesus não responde; mas mostra um caminho, uma experiência. Como diz o documento de Aparecida, não seguimos uma doutrina ou uma idéia, mas uma Pessoa, que tem uma proposta de vida que fascina, transforma e compromete. É o único capaz de apresentar o melhor ideal de vida, o mais nobre: envolve entrega da própria vida pelo bem dos outros e garantia de vida eterna. O Bem-aventurado João Paulo II queria dizer justamente isso quando se dirigia aos jovens em uma das Jornadas Mundiais: “Amados jovens, em vossa busca de realização, não aceitem nada mais do que os mais nobres ideais”. E sobre a necessidade de se ser testemunha, o papa Bento XVI chamava a atenção dos jovens na Jornada Mundial de Madri: “Quem faz verdadeira experiência de Jesus Cristo não deve ficar para si; deve comunicá-la”. Experiência que deve acontecer com vibração e entusiasmo, próprias da juventude.
A vocação é um chamado pessoal e a resposta é também pessoal, mas quando respondemos, nos damos conta que pertencemos a um Povo, o Novo Povo da Aliança, a Igreja, que também é chamada a continuar a missão do seu Fundador. A nossa caminhada, enquanto batizados, vocacionados, nos compromete e nos permite perceber que não estamos sozinhos e que não podemos cruzar os braços diante de tantas necessidades na Igreja e no mundo. Sentimos ainda hoje o convite de Jesus: “Vinde e vede!”, pois assim como aos primeiros discípulos Jesus pede que tenhamos os olhos e o coração atentos ao que acontece na realidade que nos rodeia, marcada por injustiça, exclusão, miséria. Ele sabe das nossas limitações, chama-nos como somos e trabalha com o melhor de nós para que assumamos, na alegria, a mesma causa pela qual ele deu a vida. Estejamos atentos aos seus apelos e, na disponibilidade, respondamos: “Fala, Senhor, que teu servo/a escuta!”
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

domingo, 8 de janeiro de 2012

GUIADOS PELA ESTRELA DE BELÉM

Amigos e seguidores, estou na Bahia, junto aos meus pais, e estou tendo a alegria de visitar as comunidades que me viram crescer como coroinha. Em muitas comunidades, estou voltando 25 anos depois. A emoção é muito grande, principalmente porque a motivação principal é a celebração dos dez anos de sacerdócio na alegria e doação. Partilho com vcs a reflexão que realizei nas comunidades neste final de semana, celebrando a Festa da Epifania, manifestação do Senhor, chamada popularmente Festa de Reis. É uma festa que recorda que a humanidade é uma grande família que deve caminhar para a unidade. E para a realização deste objetivo contamos com a inspiração do alto, representada pela estrela, que nos enche de alegria, otimismo e esperança.
A cidade de Jerusalém é convidada a se alegrar e a se levantar como luz, pois a glória de Deus brilha sobre ela. Tendo passado pela experiência de exílio e escravidão, é chamada a sair das trevas para a luz e a partir daí, ser capaz de iluminar. O próprio livro de isaías ao refletir sobre a missão deste povo, o chama de ‘luz das nações’, devido a responsabilidade de estar sob a luz do Senhor. Muitos povos serão atraídos, mas não pela situação geográfica e econômica de Jerusalém, mas porque a glória do Senhor brilha sobre ela. Estes povos trarão ofertas e dons, que traduzem um movimento de reconhecimento e ação de graças. São povos que já vivem a dimensão de presença e ação divinas e que são atraídos para Jerusalém, não mais como lugar geográfico, mas simbólico, para proclamar a glória do Senhor. E, segundo os antigos padres da Igreja, a glória do Senhor é o ser humano vivo e vivendo com dignidade. Vida digna é motivo de louvor. No entanto, a vida humana machucada, maltratada, ameaçada em sua dignidade é atentado à imagem de Deus presente nela.
Esta realidade de unidade da família humana encontra na criança de Belém  sua concretização plena. Os magos do Oriente são atraídos para adorar o Menino, guiados pela estrela. Eles representam todos os povos, os quais são também beneficiados pelo nascimento do Salvador da humanidade. Em Deus não á discriminação de pessoas. A criança de Belém, agora numa casa com sua mãe, torna-se meta da caminhada dos magos e de todos aqueles que acreditam na força dos pequenos e buscam, pelos pequenos gestos, dar razão de sua fé e de sua esperança. Como se diz num ditado africano: ‘pessoas pequenas, realizando coisas pequenas e em lugares pequenos são capazes de mudar o mundo’. Os magos acreditaram neste processo e por isso perseguiram seu objetivo. A estrela que viram é a inspiração do alto que quer guiar a ação das pessoas para o que é essencial. O aviso para voltar por outro caminho tem a ver com o resultado do encontro com aquele que é a salvação. Não se pode continuar do mesmo jeito e fazendo as mesmas coisas, depois do encontro com Jesus. É necessário dar novo rumo para a vida.
Quando falamos de povos, nos referimos também a culturas e religiões. E como é possível uma convergência, dado as inúmeras diferenças. Tudo nos leva a crer que caminhamos para uma unidade sempre maior. Aqui lembramos da globalização (em seu sentido positivo), os meios tecnológicos que tem facilitado a vida e proporcionado encontros entre as pessoas. É que não se trata de uniformidade nem de eliminação das diferenças, mas de unidade.
Jesus é rejeitado pelos que se diziam eleitos e acolhido pelos pagãos; o seu nascimento trouxe ameaça e perturbação para grandes e poderosos, enquanto trouxe alegria e esperança para pequenos e pobres; Herodes tenta mata-lo enquanto os magos o adoram. O que tem esta criança de tão especial? Por que ela incomoda tanto? Na verdade, é o próprio Deus que se revela como próximo, pobre e desprezado, assumindo a fragilidade humana e a sorte dos menos amáveis. Questiona o nosso modo de escolher que, muitas vezes, privilegia quem tem e quem oprime. Nos convoca à valorização dos pequenos gestos e a reconhecer os seus sinais em nossa vida. É preciso que nos deixemos guiar pela estrela de Belém para viver uma vida com sentido e, uma vez iluminados, sermos capazes de iluminar a vida de outras pessoas.
Modjumba axé
Pe. Degaaxé