sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O ESPINHO QUE CONTINUA DOENDO NA ‘PELE’ DO POVO NEGRO

Amigo/a e seguidor/a, para maior compreensão deste, gostaria que vcs consultassem o meu artigo SOMANDO FORÇAS NA LUTA CONTRA O RACISMO, neste blog, no mês de junho do ano passado. Quem não consegue blogar comentários, envie para degaaxe@gmal.com - Uma boa reflexão!

Vivemos uma época de grandes transformações e rápidas evoluções. Tudo é pra ontem e, mesmo você, concluindo algum curso, tem que se atualizar continuamente, caso contrário, não consegue acompanhar nem agir eficazmente na realidade. Em nível de sociedade brasileira, notamos o quanto esta situação se faz sentir, principalmente no lado econômico. O Brasil já ultrapassou o Reino Unido e se tornou a sexta maior economia do mundo, de acordo com dados do Centro de Economia e Pesquisa de Negócios (CEBR, na sigla em inglês). Isso parece bonito e louvável, mas não se pode esconder que, com relação a desenvolvimento humano, expectativa de vida e a situação entre os diversos seguimentos sociais, o Brasil tem envergonhado muito. No Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil foi classificado na 84ª posição entre 187 países avaliados pelo índice, ficando atrás do Chile, na 44ª; Argentina, 45ª; Uruguai, 48ª; e mesmo de Cuba, 51ª. Portanto, não  pode querer se modelo para ninguém.
Percebemos, então, que o crescimento econômico do Brasil não implicou tanto em melhoria para a vida das pessoas. A desigualdade cresce sempre mais: os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres sempre mais pobres. Estes últimos são, em sua maioria, afrodescendentes, os quais não têm as mesmas oportunidades dos demais e são vítimas de inúmeros preconceitos e discriminação. Há muita dificuldade em reconhecer e aceitar que negros e negras são pessoas de bem e que também tem capacidade como os demais. Isso nos leva a afirmar, com segurança, que ainda estamos sob o estigma da escravidão. A praga do racismo, com suas vertentes, é como um espinho insistente na vida dos afrodescendentes.  Só sabe o que isto significa quem experimentou e experimenta na própria pele. Há alguns anos atrás, indo de Campo Grande a Porto Alegre, o ônibus em que eu estava foi parado pela polícia rodoviária federal. Os policiais, todos bem armados, subiram no ônibus em busca de drogas. Passaram por todos os passageiros, mas pararam em mim, solicitando os documentos e a abertura da bolsa de mão. Então, eu ousei perguntar qual a razão de terem passado por todos e parado somente em mim. Ele afirmou que fazia parte do procedimento. Que tipo de procedimento é este que acha que todo negro é suspeito?
A praga do racismo está tão presente nos nossos relacionamentos quanto nos tempos de outrora, aumentando a dívida da sociedade com relação à população negra. As situações se repetem, principalmente em locais onde os afrodescendentes são a maioria. A meritíssima Luislinda Valois, baiana, há pouco tempo tornou-se desembargadora. Lançou um livro falando dos desafios da sua carreira, enquanto negra e sobre a situação do povo negro. Quero lembrar dois fatos ocorridos com ela e que partilhou em uma de suas entrevistas: um aconteceu quando ainda era adolescente, na escola. O seu professor lhe pediu um material de desenho. O seu pai conseguiu comprar um a muito custo e de segunda mão. O seu professor afirmou: ‘Menina, deixe de estudar e vá aprender a fazer feijoada na casa dos brancos’. Ela saiu chorando e depois tomou coragem, voltou e retrucou: ‘Eu não vou fazer feijoada para branco, não. Eu vou ser juíza e lhe prender’. E de fato, realizou seu sonho, tornando-se a primeira juíza negra do Brasil, só não foi possível mais prender o professor. Um outro fato foi quando ela estava trabalhando no juizado em Piatã (Salvador). Enquanto aguardava uma audiência, ela resolveu colocar alguns processos em ordem e avisou à secretária para não dizer que ela era a juíza. Chegou uma advogada perguntando onde estava o juiz e reclamando que juiz nunca chega na hora, entre outras coisas. Na hora da audiência, ela subiu, colocou a toga e quando a advogada a viu não sabia fazer mais nada. Ela então teve que suspender a audiência e disse para a advogada: ‘Tenha paciência, a senhora toma um chá de erva-cidreira e amanhã nós continuamos’. Luislinda foi a primeira juíza a dar primeira sentença de racismo como crime no Brasil. Só quem experimentou na própria pele o grande espinho do racismo pode ter tanta sensibilidade com relação às vítimas e pulso tão firme para com os criminosos, racistas de plantão.
Quero comentar também uma notícia que li no jornal A TARDE, da Bahia, no dia 08 de janeiro deste que me envergonha enquanto baiano e vai desmitificando a ideia de que na Bahia, com relação a população negra, a situação é tranquila. De uma coisa estamos certos: mesmo que existam muitas situações de racismo, os afrodescendentes não estão se calando. A Delegada negra Elza Bonfim estava na fila dum supermercado em Salvador, quando presenciou uma situação de racismo. A cabeleireira Edicelia Brito dos Santos, 56 anos, chamou a operadora de caixa Sidnea dos Santos Oliveira, 29, de preta e burra. E, por ironia as duas tem o sobrenome dos Santos. Lembra a delegada: “Perguntei se ela estava falando com a funcionária e ela virou para mim perguntando o que eu queria também. Me apresentei e dei a voz de prisão”. Bom, Edicelia tentou fugir, mas foi interceptada pelos seguranças, ao grito da delegada sobre sua prisão. A funcionária Sidneia procurou orientação e afirmou depois: “Me senti ofendida e discriminada. Não quero nada dela. Só quero que ela seja julgada criminalmente e tenha respeito às outras pessoas’. E continuou: ‘a cliente disse que eu a destratei, mas só informei o procedimento da empresa. Na hora de pagar ela disse ‘tome aqui a porcaria do dinheiro. Isso só poderia ser arte de preto que não estudou’”. O que eu acho estranho nesta fala é que esta mulher se diz estudada, mas não aprendeu a tratar bem as pessoas. Certamente, ela faltou a esta aula. E o que dizer daquela cena apresentada pelo jornal nacional, no dia 05 de janeiro, ocorrida numa universidade em São Paulo. Havia uma manifestação no campus universitário e um policial começou a discutir com alguns estudantes. Ao notar que havia um negro, perguntou se ele era também estudante naquele local e pediu documentos. O negro se recusou a mostrar a documentação, pois só havia pedido para ele. Então, o policial o cobriu de socos. Afinal de contas, qual é o lugar de negro? Negro tem ou não capacidade para estar numa universidade? Num Brasil onde 55% é afrodescendentes, cenas como esta causa imensa indignação.
UM RECADO AOS RACISTAS DE PLANTÃO: Se você não aprendeu a tratar bem as outras pessoas, cuidado, pois pode aparecer perto de você uma delegada como Elza ou uma juíza como Luislinda e estragar seus planos. Mas é bom levar em conta que não precisa a pessoa ter um alto encargo ou título para que a gente possa respeitá-la. O respeito vem da consciência sobre a dignidade humana.
UM RECADO AOS AFRODESCENDESTES: continuem exigindo o devido tratamento por serem pessoas e terem dignidade. É tarefa de todos e todas contribuirmos para a construção de uma sociedade menos racista, mais humana e fraterna. Assim como afirma conscientemente a delegada Elza: “Não poderia me omitir porque também sou negra e o sangue de polícia ferve nas veias”. E continua: “fico envergonhada, entristecida em ver uma atitude assim numa terra em que a maioria é negra”. Enquanto eu lia a notícia, admirava a postura de Sidneia na foto: cabeça erguida, postura decidida e cheia de esperança. Isso me motivou muito na militância e eu dizia pra mim mesmo que é por causa de situações assim que ainda vale apena lutar. Como fazer a sociedade do ‘faz de conta’ entender que a gente não está dormindo? Como fazer os amantes da democracia racial entenderem que negro\a não é besta? Como ser e viver dignamente numa sociedade onde os afrodescendentes são obrigados a carregar estereótipos que traduzem uma época de dor e sofrimento que já deveria ter passado? É preciso descolonizar as mentes e os corações para mudar as posturas nesta nossa sociedade racista e elitista. E tenho dito.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

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