quarta-feira, 31 de agosto de 2011

POVOS AFRICANOS VINDOS AO BRASIL E SUAS CARACTERÍSTICAS

            Através de dados históricos destes autores que estamos trabalhando, vamos descobrindo que foram inúmeras as culturas e povos retirados à força de suas terras para serem submetidos à situação de escravidão aqui, no Brasil. No artigo anterior eu mencionei a estimativa em números. Neste artigo, quero trabalhar brevemente os tipos de culturas africanas, com suas principais características. O autor R. Cintra, costuma dividi-los em três grandes grupos, que correspondem aos diversos ciclos do tráfico escravagista. Veja na íntegra[1]:
1)      Culturas sudanesas, representadas principalmente pelos povos Iorubás da Nigéria (Nagô, Ijêcha, Egbá, Ketu, Ibadon, Ijebú) e do Daomé (grupo Gêge ou Ewe, Fon ou Egon) pelo grupo Mina, da Costa de Malagueta, da Costa do Marfim ( Krumano, Agni, Zema, Teminí, Gós, Tehis, etc.)
2)      Culturas Guineano-sudaneses islamizados, representados em primeiro lugar pelos Peuhl (Fulah, Fula), depois pelos Mandinga (Solmke, Bombara), pelos Haussá do norte da Nigéria e por grupos menores, como os Tapa, Bornu, Gurunsi, Komusis e outros.
3)      Culturas bantos, constituídas por numerosas tribos do Congo, de Angola e da Contra-Costa (Cabindas, Benguelas, Macuas, Angicos, Caçanges, Rebolos, Muxincongos).
 
            “Os bantos do Congo e da Angola parecem ser os mais primitivos. Viviam nas florestas ou nas planícies perto da costa, em pequenas aglomerações ou tribos. As habitações eram choças em colmo ou cabanas redondas de teto cônico. O vestuário era rudimentar. Não conheciam tecidos, andavam seminus ou usavam tangas de fibras de palmeiras ou cascas de árvores. Havia uma grande variedade de raças e línguas, conforme os grupos localizados ao Norte, ao Sul ou ao Centro. Dedicavam-se ao pastoreio ou à agricultura rudimentar com enxadas de pau (Artur Ramos). Os mais civilizados eram os sudaneses, iorubás, nigerianos ou daomeanos. Eram altos, corpulentos e ativos. Viviam em cidades, possuíam postos com embarcações. Seus chefes eram tratados pelos portugueses como reis. Conheciam a tecelagem e negociavam com os estrangeiros “panos da costa”. Tinham ferreiros e artistas em cobre, ouro e madeira. Criavam animais de grande e médio porte: cavalos, gados, cabras, carneiro. Tinham habitações e adobe e construíam fortificações. Os sudaneses islamizados haussás, malês conheciam os progressos da cultura árabe. Possuíam armas mais aperfeiçoadas. Os fanti e ashanti, bem como os habitantes da Costa do Ouro e do Golfo da Guiné, participavam do adiantamento da cultura. Negociavam o ouro com os portugueses e sabiam trabalhar metais. Os mais poderosos, particularmente os regulos do Daomé e de Lagos, (...) praticavam o escambo com os portugueses ou baianos, trocando escravos por rolo de fumo (12 rolos de fumo a troco de um escravo). Aguardente, açúcar, farinha de mandioca, fazenda grosseiras, quinqüilharias orientais, pólvoras e armas eram também mercadorias usadas no escambo”.[2]
            A essas alturas, é importante perceber que, sem se dar por conta, os portugueses estavam introduzindo, nesta terra, pessoas de tradições muito diferentes umas das outras, de religiosidade totalmente diversas; alguns com uma capacidade enorme de organização, outros, nem tanto; alguns vindos de reinos, outros de apenas uma organização tribal. Enfim, trouxeram pessoas que, ao se encontrarem - pela rivalidade existentes entre elas - poderiam ter se destruído mutuamente[3]. Mas isso não aconteceu, pois agora, diante de toda a destruição causada em suas terras e em suas vidas, restava somar forças contra um inimigo comum, buscando uma melhor maneira de se reorganizar a fim de manter vivas, as raízes da Mãe-África, resgatando valores e tradições. Na verdade, o projeto português deu efeito contrário, pois, assim como o tráfico não cessava, também não cessava a contínua renovação das fontes de vida, “estabelecendo um contato permanente entre os antigos escravos ou seus filhos e os recém-chegados em cujas fileiras vinham, com freqüência, sacerdotes, adivinhos, médicos-feiticeiros, o que fez com que houvesse durante todo o período escravista um rejuvenescimento dos valores religiosos”[4].
          Quanto à prática religiosa, já acontecia algo significativo nas senzalas, embora sem uma organização estrutural como casas de culto, terreiros, etc. Aconteciam verdadeiras celebrações, sem que seus senhores notassem. Em se tratando de Candomblés, Xangôs e Batuques, como temos hoje, tratam-se de organizações muito recentes, que datam seu início no final do século XVIII e o início do século XIX[5]. O nosso estudo, portanto, vai tentar aprofundar estas práticas religiosas, buscando seu verdadeiro significado ontem e hoje na África e no Brasil, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas aprofundar os elementos comuns de diálogo e de encontro cultural, a fim de que, em nossa síntese teológica, descubramos a ação do Deus da vida, presente nas diversas manifestações do Povo Negro.



[1]  CINTRA, R.. Op. cit. p. 32; Veja dados correspondentes e complementares em BASTIDE, R, Op. cit., p. 67.  Quanto ao destino de toda esta gente, é significativa a colocação que CINTRA faz: "(...) Os sudaneses, particularmente os Iorubás ficaram mais na Bahia e no Nordeste, os daomeanos, particularmente os Gêges, foram para o Maranhão. Há também representantes na Bahia e em Pernambuco. Os Haussas, malês e mandingas, espalhados pelo Nordeste, foram os principais responsáveis pelos Quilombos; os bantos espalhados um pouco pelo Brasil inteiro, são mais numerosos no Rio De Janeiro, em Minas Gerais e nos Estados do Sul".
[2] Idem, Ibidem, p. 32

[3] Cf. BASTIDE, R. Op. cit.,  p. 68.
[4] Id. Ibid., p. 69.
[5] Cf. Id. Ibid., p. 69; nos parece interessante apresentar algumas datas de fundação. O nosso autor, fundamentando-se nas pesquisas feitas por P. VERGER, mostra que a casa da Minas de São Luís do Maranhão tenha sido provavelmente fundada em 1796 por membros perseguidos da família real do Daomé; e Nunes Pereira soube por Mãe Andréia que sua “casa” havia sido fundada por “contrabandos”, isto é, por negros trazidos clandestinamente depois de 1815 e que tinham sido libertados quando de sua chegada ao Brasil. Sabemos, de outro lado, que o Candomblé de Engenho Velho em Salvador foi fundado por duas sacerdotisas da família de Xangô, trazidas como escravas para esta cidade no começo do século XlX.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

AFRICANOS E EUROPEUS: UM ENCONTRO DRMÁTICO

No meu artigo anterior, eu havia afirmado que a campanha do colonizador pela escravização dos indígenas foi algo que não deu muito certo. Os fatores para isso estão no referido artigo. Em continuidade, vamos perceber que o colonizador vai apelar para a escravidão de africanos. A própria experiência em Portugal confirma a eficácia no trabalho desejado, por ter invadido a África desde 1400[1].  O autor D. Freitas faz uma pequena comparação entre estes dois tipos de escravos: o indígena e o africano:
          "Os índios se mostravam incorrigivelmente inadaptáveis ao trabalho escravo. Quando não escapavam para viver de novo no mato à lei de seus instintos naturais, morriam em massa, ceifados pelo mortífero contágio com as doenças européias. Já o africano, como era fisicamente robusto, possuía uma tradição de vida sedentária (...)  configurando por isto a solução prática e necessária do problema da força-de-trabalho para a empresa colonizadora"[2].
            Por volta dos séculos XIV e XV, encontramos uma África dividida em tribos - alguns livros utilizam o termo reinos - que competiam entre si, em busca de maiores espaços territoriais. Algumas tribos eram  de cultura primitiva, outras de cultura mais avançada; destas, algumas eram formadas culturalmente sob influência do islamismo. Uma das vantagens indiscutíveis que os negros do século XV tinham sobre os europeus era a superioridade técnica no uso dos metais. Os africanos possuíam sociedades baseadas na posse comunal da terra e praticavam com intensidade o trabalho coletivo[3].
          “Os povos do oeste africano tinham indubitavelmente, sistemas agrícolas bem desenvolvidos. Os Daomés tinham até mesmo um sistema de plantation; Todos esses povos – Daomés, Ashante, Yoruba, para mencionar alguns de comércio cuidadosamente regulamentado; existia grande número de ligas artesanais, e começava a surgir uma estrutura de classe”[4].
           Segundo J. Chiavenato, esses povos, em particular, os do oeste africano, tinham uma agricultura mais avançada em suas técnicas que Portugal. O autor continua ainda destacando a capacidade cultural dos yoruba e sua religião muçulmana, lembrando, porém, que estes povos se desenvolveram independente do contato com os muçulmanos[5].
           A chegada das poderosas nações européias, bem armadas e ávidas de lucro, contribuiu para aumentar as algumas rivalidades, alimentou as guerras tribais, sobretudo, abalou fortemente esses conjuntos sociais e culturais e fez desaparecer certas tradições. Até a família ampliada, que era composta da esposa ou das esposas, o pai, os filhos, os primos e que resistiu até os primeiros tempos da colonização, por ora, teve que romper-se[6]. Em vista da dilatação da fé e do império, não importava o que se fazia. Neste sentido, a execução do programa foi bem maquiavélico. Diante dos abusos e crueldades, alguns papas até que tentaram protestar. Entre eles encontramos o Papa Pio II, em 1462 e Paulo III, na Bula Sublimis Deum, de 1537[7]. No entanto, no Brasil, a realidade era outra, pois de tão estrutural que estava a escravidão por aqui, o Pe. Manuel da Nóbrega chega a "escrever ao rei pedindo entre outras coisas necessárias (vacas, instrumentos de ferro e uma dotação), também ... alguns escravos da Guiné... para fazerem mantimentos..."[8]
           Um grande questionamento ao qual não se têm resposta exata é: quantos negros foram trazidos ao Brasil? A dificuldade em afirmar, com certeza, é devido à queima dos documentos oficiais sobre o trafico negreiro[9],  a fim de apagar da história esta página que, para o Brasil representa uma vergonha, e que simplesmente é preciso esquecer, pois fomos o último país a suprimir a escravidão. Mesmo assim, tem-se a estimativa de mais de quatro milhões de negros, o que corresponde a 40% do total da Américas[10].  Calmon vai falar de 6 milhões, enquanto Taunay reduz para 3.600.000[11]. Já Pandira Calógeras, citado por R. Cintra, avalia em mais de 15 milhões, baseando-se em cálculos sobre a capacidade dos navios e das viagens marítimas. Não se sabe, na verdade, quantos foram; o que se sabe é que nem todos chegavam vivos[12]. Continuaremos este assunto no próximo artigo.
Modjumbá axé!



[1] Cf.  CINTRA, R. Candomblé e Umbanda. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 27.
[2] FREITAS, D. O escravismo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2. ed. 1982, p. 23.
[3] Cf. Id. Ibid., p. 49.
[4] Id. Ibid. , p. 49.
[5] Id. Ibid. p. 20.
[6] Cf.  MATTOSO, K. Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 3ª ed., 1990, p. 27.
[7]  Cf. em CINTRA R.. Op. cit., p. 23);  R. BASTIDE, vai dizer que a Igreja lutou contra a escravidão do índio, mas aceitou a do negro.  (Cf. BASTIDE, R. As religiões africanas no Brasil. 3 ed., São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1989,  p. 77).
[8] BEOZZO, J. O. A escravidão que fez e explica o Brasil. Revista Vida Pastoral, São Paulo: Paulinos, ano XXIX - n. 138, janeiro-fevereiro de 1988, p.18.
[9] Cf.  CINTRA, R. Op. cit.,  p. 23); Cf. também  BASTIDE, R., Op. cit., p. 50.
[10]  Cf. TOLEDO, R. P de.  Á sombra da escravidão. Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed 1444, Ano 29 – n20, 15 de maio de 1996 p. 53.
[11] Cf. BASTIDE, R. Religiões africanas no Brasil., p. 50-52.
[12] Cf. CINTRA. R. Candomblé e Umbanda., p. 24;

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

ESCRAVIDÃO INDÍGENA NO BRASIL COLÔNIA, PRELÚDIO DA ESCRAVIDÃO DE POVOS NEGROS

Quero apresentar, neste blog, diversos artigos, a partir da minha pesquisa NEGRITUDE E EXPERIÊNICA DE DEUS. Desejo iniciar trazendo a questão indígena que, ad experimentum, não teve o resultado esperado, ficando aos negros e negras,  a responsabilidade involuntária, da manutenção do estado de ‘preguicite’ do colonizador desumano.
É sabido, num sentido geral, que a experiência de Deus na vida de diferentes pessoas e povos é determinante para um crescimento mais humano, em que alteridade não é uma possibilidade, mas realidade. Em se tratando de comunidades afro, esta experiência possui uma evidência notável por assumir características culturais, sem as quais não teria sentido a sua existência. Sobre esta relação, muito já foi escrito, discutido e muitas perguntas ainda estão sem respostas. O objetivo aqui é descobrir e aprofundar algumas manifestações afro, buscando relacionar a caminhada das diferentes comunidades que encontram, na experiência do Sagrado, uma maneira de manter viva suas raízes. A minha referência são as culturas mais influentes: bantu e nagô (yoruba).
           Tendo sido invadida a América, no final do século XV (1492) e, em particular, o Brasil, no início do século XVI (1500), a sede de riquezas, a ganância econômica e o desrespeito cultural vão levar os colonizadores a explorar o vasto interior brasileiro, organizando expedições, entradas ou bandeiras, à procura de metais preciosos. O que num primeiro momento, esta terra lhes podia oferecer eram poucas mercadorias, algumas plantas medicinais, o pau-brasil, papagaios multicores e macaquinhos divertidos; nativos sem roupa, havia aos milhares, mas nada disso despertou, logo, grande interesse de exploração. Alguns o definiam como terra estranha, inóspita, coberta de vastas florestas e povoada por índios antropófagos. Com o avanço de outras nações européias e temendo perder tudo isso, Portugal inicia, a partir de 1530, uma tal devastação, que tem os seus resquícios até os dias de  hoje[1].
           Era preciso, além do que a terra oferecia, introduzir novas culturas como a do açúcar, cujo consumo começava a crescer na Europa, e a agricultura comercial. Para desenvolver esta atividade, era preciso mão-de-obra e povoamento local. Devido a guerras, pestes e epidemias anteriores que causaram muitas perdas de pessoal, Portugal não dispunha de gente, "quase sem cultura", que viesse para trabalhar nesta terra, sem saber o que lhe poderia acontecer neste Novo Mundo. Ele apela, então para a escravidão do nativo (indígena). Já era hábito em Portugal, a escravidão, pois assim aconteceu aos descendentes de árabes conquistados e aos prisioneiros de guerra, feitos na África do Norte. Estima-se que em 1550, 10% da população de Lisboa era de escravos negros. Quanto ao povoamento, era preciso que a coroa portuguesa oferecesse consideráveis privilégios para atrair colonos brancos. Por isso a costa do Brasil foi dividida em doze setores, por linhas paralelas, e toda a extensão do país, a partir do litoral até o mistério do seu interior, foi dada, a título hereditário, a capitães que, em troca das despesas de transporte e de instalação, recebiam direito de soberania[2] sobre o território outorgado.
           Necessitando de mão-de-obra para seus projetos gananciosos e vendo tanta “gente da terra” à disposição, parecia muito fácil ao colonizador português implantar a escravidão no Brasil. De início, trazia até bons resultados[3], mas não os esperados, pois, ávidos de lucro como eram, queriam sempre mais. Aí então, começaram a surgir algumas dificuldades:
          “A primeira e a mais importante delas foi o estado de civilização aborígenes, habituado ao nomandismo e uma cultura itinerante que não podia se submeter ao trabalho sedentário do mesmo modo que a disciplina, ao método e ao rigor de uma vida organizada.  A segunda foi a reação da Igreja Católica contra a escravidão do índio que impedia a sua cristianização”.[4]
            Mesmo assim, o desfecho de tudo isso já é do nosso conhecimento. Dados revelam que, de milhões de indígenas, temos pouco mais de cento e cinquenta mil. |Estes que restam estão acuados, esperando que façam algo por eles. Projetos como este sempre fizeram parte da história da nossa Nação Brasil, em que alguns têm que pagar, da forma mais maquiavélica possível, pelas mordomias e ganância de outros. Os quadros se repetem, principalmente em setores empresariais e governamentais da nossa sociedade. Até quando?
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé



[1] Cf. BASTIDE, R. Op. cit., ps. 47-50;
[2] Cf. Id. Ibid. p. 48;
[3] Cf. Id. Ibid., p. 49.
[4] Id. Ibid., ps. 49s.

domingo, 7 de agosto de 2011

A "OUTRA MARGEM" NO SEGUIMENTO DE JESUS

Uma reflexão a partir dos textos bíblicos 1Rs 19,9-13 e Mt 14, 22-33

O texto do livro dos Reis, destacando a figura de Elias, convida-nos a refletir sobre o jeito particular de Deus se revelar. Embora a perspectiva de Elias fosse que Deus se revelasse no vento, na tempestade ou no terremoto, enfim, em fenômenos extraordinários, Deus contraria e se revela na brisa suave.
Elias está fugindo de uma situação violenta que ele mesmo havia causado ao propor o desafio sobre o verdadeiro Deus a ser seguido e manda matar os profetas de Baal. A rainha Jesabel o persegue, querendo mata-lo. Caminhando para o monte Horeb, frustrado e desiludido, Deus vem ao seu encontro de uma forma simples, discreta, bem diferente do que ele havia feito os outros pensarem.  Esta situação nos desafia a cultivarmos momentos de serenidade, de silêncio, de escuta e deixar que Deus se faça perceber do seu jeito e não como bem entendermos.
Bem diferente é a situação apresentada no evangelho, em que é em meio a tempestades e ventos que Deus se manifesta. Percebamos, num primeiro momento, que Jesus convida a passar para a outra margem, enquanto ele despede as multidões. Para ser verdadeiro discípulo de Jesus, é preciso mudar de margem, deixar as seguranças, as estruturas, certas mentalidades, lançar-se numa aventura, a aventura da fé. Mudar de margem tem muito a ver com desinstalação, com conversão e aí vai acontecer a ruptura, uma das marcas registradas do seguimento de Jesus. Não se pode seguir Jesus e permanecer do mesmo jeito de antes. Se fosse para deixar tudo do mesmo jeito, não haveria necessidade de Jesus nem de sua mensagem. Encontrar-se com Cristo é experiência que provoca decisão.
Jesus dá um grande testemunho a respeito da vida de oração. Revela ser fundamental a intimidade com Deus, de uma forma profunda e constante. Esta atitude a encontraremos durante todo o evangelho: ora estava com o Povo, ora com o Pai. Jesus consegue realizar a mais perfeita síntese entre ser todo do povo e ser todo de Deus.
Seus discípulos enfrentam a noite, ameaçados pelas ondas e pelos ventos contrários. Eles estão preocupados, com medo e angustiados. A noite sempre está ligada a este tipo de sensação. A confusão é tamanha que até impede de reconhecer aquele que vem ao encontro, pois não abandona a quem o segue. A dificuldade de reconhecer Jesus pode também estar ligada à resistência em romper com certas estruturas e seguranças nas quais ainda estamos apegados. Jesus sempre vem ao nosso encontro porque é um Deus peregrino. Coloca-nos à prova para testar nossa fé e levar-nos a segui-lo com maior convicção.
Muitas vezes damos mais atenção àquilo que nos causa medo e pavor do que à certeza de que Jesus está sempre conosco. Não reconhecê-lo quer dizer que não o amamos verdadeiramente, pois “só se ama a quem se conhece”. Onde há amor não há medo, pois o amor joga fora todo medo, toda insegurança. O amor nos abre à fé. Quando nos falta uma verdadeira intimidade com Deus, facilmente nos assustamos com o seu modo de intervir na nossa vida. Ele será sempre um estranho e jamais perceberemos a sua verdadeira intensão a nosso respeito. Será ele um fantasma? Jesus logo gritou: sou eu, não tenhais medo!
O medo faz afundar. A confiança na ajuda divina sustenta e faz caminhar. No exercício da missão não posso contar apenas com minhas forças e boa vontade. Precisamos nos convencer de que é a graça de Deus e a plena confiança em sua providência que podem nos sustentar na caminhada. Que a lição da barca nos leve assumir com coragem a missão que nos é confiada, deixando que Jesus faça parte da barca da nossa vida para vencermos todos os medos e adversidades. O nosso testemunho deve levar as pessoas a acreditarem que Deus não abandona a quem nele se confia.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé