sábado, 16 de junho de 2012

GESTÃO COM PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES CALABRIANAS

         A partir de uma solicitação, ouso escrever, em verso, algo que nós, da Família Calabriana, temos  refletido tanto: Gestão com pessoas. A nova concepção de gestão vem superando aquela de gestão de pessoas e também a de recursos humanos, trazendo o caráter de maior humanidade nas relações. No fim, deve prevalecer sempre o espírito de família, como tanto queria São João Calábria. É isso que pretendo transmitir, nestes pobres versos, sobre o jeito calabriano de gerir. Boa reflexão!

Toda Organização vale a pena se humaniza,
se investe em formação e a todos dignifica;
se os meios oferecidos realmente desenvolvem
as potencialidades dos que nela se envolvem.
Os que com ela colaboram não são passivos funcionários,
mas seres humanos que procuram agir como aliados,
que descobriram na Instituição um lugar humanizado
e com ela querem agir para eficazes resultados.

  
A cultura organizacional da Obra calabriana
procura ter sempre presente o carisma como chama
fruto de uma experiência de abandono e fé intensa
de alguém que fez da sua vida revelação da Providência.
Dizia o Santo Fundador, o nosso amado João Calábria,
 que as pessoas nesta Obra, onde são valorizadas,
mais que fazerem um benefício, são as grandes beneficiadas
pois, quando dão o melhor de si, têm suas vidas transformadas.
 
 
Todo o empreendimento de que a organização precisa
Já se encontra em ação por meio de quem dela participa.
Se o modelo de gestão que se adota é ultrapassado,
prejudica a Instituição e os Valores são ofuscados.
O sucesso não se alcansa no acúmulo do poder,
Mas na participação e no jeito de envolver
Colaboradores e gestores, compartilhando atividades
Conscientes da missão, na alegria e gratuidade.
 
 
O nosso modo de gerir nesta organização
testemunha o carisma da nossa Congregação
em que os colaboradores participam das decisões
 Envolvendo-se com a causa da própria Instituição.
O carisma é a nossa verdadeira identidade
exige menos estruturas e muito mais humanidade
a relação que se estabelece e os ambientes oferecidos
gera clima de família e colaboradores comprometidos.

domingo, 10 de junho de 2012

DEUS, EM SUA MISERICÓRDIA, NOS CHAMA SEMPRE DE NOVO

"Onde estás? A serpente enganou-me e eu comi" (Gn 3, 9s)
"Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Jo 3, 35)

         A tradição judaico-cristã situa a origem do mal no ato de decisão livre do ser humano, desde os primeiros pais. Com o pecado – grande mal – o ser humano diz não à comunhão com Deus, recusa sentir-se amado, fugindo do compromisso de amar aos demais. A pergunta – ‘Onde estás?’ - que lhe é dirigida por Deus, traz à tona dois aspectos fundamentais: de um lado, o interesse e a preocupação de Deus a respeito da vida do ser humano. O rumo que este vem a dar à sua vida atinge, de alguma forma, o próprio Deus que o criou à sua imagem e semelhança para poder partilhar com ele os seus dons. Portanto, a expectativa de Deus para com o ser humano é sempre a melhor ‘possível’. De outro lado - por parte do ser humano - vemos alguém que perdeu o referencial sobre o verdadeiro sentido da sua vida; alguém que não consegue discernir entre bem e mal, ou seja, alguém que, por não querer encontrar mais a Deus, não consegue mais encontrar-se a si mesmo, está perdido, sente-se desnorteado, desorientado. Na verdade, não está mais onde Deus o colocou, não soube contribuir com o sonho de Deus e isto não é nada bom. Hoje, esta pergunta poderia ser dirigida da seguinte forma: Onde estás neste teu mundo? Em que situação te encontras? Por que não estás onde deverias estar? Por que te afastas do bem? Por que não percebes o mal que estás causando a ti mesmo e aos outros?  

         ‘Eu estava nu e me escondi’. Esta resposta significa o momento mais dramático da vida. Deus deve ter se entristecido bastante. A perda dos referenciais básicos para se viver chega ao ponto de desconhecer a própria ação divina, achando que de Deus pode vir algum mal. Quando perdemos a intimidade com Deus, passamos a desconfiar dele e de sua ação. Ele passa, então, a significar ameaça e por isso nos escondemos, nos protegemos. Geralmente, fugimos daquilo que nos mete medo ou nos causa pânico. Trata-se de uma situação a ser evitada, porque não nos faz bem. Este é o estado de confusão a que se chega quando tomamos a decisão de manter Deus distante da nossa vida. Diante da interpelação divina – ‘que fizeste?’ - a segunda resposta é ainda mais lamentável: ‘Eu não, foi ela! Eu não,... todos erraram, mas ninguém quis assumir a culpa. Temos dificuldade de assumir nossos limites, mas com facilidade atingimos os outros, como se somente os outros cometessem erros. Nem sempre agimos bem e não conseguimos avaliar seriamente as consequências dos nossos atos, mas estamos sempre prontos a dar lição de moral aos outros. Antes de exigir a mudança dos outros, mudemos a nós mesmos. São João Calábria nos recorda que ‘o sermão do bom exemplo é o mais eficaz’ e ainda: ‘sejamos o evangelho vivo, antes de pregar, pratiquemo-lo’.
          A maldição caiu somente sobre a serpente. Corremos o risco de pensar que se tratava da cobra dos nossos dias ou que Deus realmente amaldiçoou a criatura que ele mesmo fez. Será que Deus agiria assim? De Deus não pode vir maldição porque ele é fonte de bênçãos, bondade absoluta? Dizer que Deus pode amaldiçoar é o mesmo que dizer que ‘um círculo pode ser quadrado’. Portanto, está na hora de revermos nossos conceitos a respeito de Deus. A maldição pode estar ligada à decisão de agir como adversário de Deus; neste caso, a maldição é automática. E por que a serpente aparece nesta história e não outro animal? É que na época de conquista da terra de Canaã, o povo da Bíblia foi se acomodando às estruturas que encontrava e ao modo de vida dos habitantes que lá estavam. Pareceu bem seguir a religião deles, pois era atraente e menos comprometedora. O povo local - denominado cananeus - tinha a serpente como símbolo de sua religião. Daí se entende porque o catequista bíblico a coloca como tentadora e causadora de infidelidade, entendendo como infidelidade a renúncia da religião dos Antepassados, ou seja, ao se deixar atrair pelo deus-serpente os israelitas deixavam de lado a religião do Deus Javé. A infidelidade na Bíblia, na maioria das vezes, está ligada à questão religiosa.
         Em Jesus, Deus se mostra muito solícito para com as pessoas, pois o amor tem pressa para cuidar e salvar. A resistência às palavras de Jesus, no fundo, é resistência em fazer a vontade de Deus e viver a familiaridade com ele, situação que vem desde as origens. O fato de existir pecado, prova que somos limitados e que o nosso livre arbítrio, sem responsabilidade, pode agir contra nós. Mas, segundo Paulo, isto não deve nos desanimar, pois onde parecia abundar o pecado, superabundou a graça de Deus, que é sempre maior, não importando o tamanho do pecado. Ela não se deixa vencer. Deus, em sua misericórdia, nos chama sempre de novo a fazer experiência do seu amor que perdoa e restaura, tornando-nos instrumentos desta mesma misericórdia. A resposta adequada da nossa parte deveria ser a disposição em praticar a sua Palavra e fazer a sua vontade, critérios básicos para pertencer à família de Jesus. Estejamos atentos para não fixar o nosso olhar nas coisas visíveis, deste mundo, pois mesmo que nos faça bem e nos traga algum prazer, será sempre passageiro. A experiência cristã de Deus nos faz viver uma esperança viva, pois é uma afirmação da primazia do Reino de Deus e da sua justiça, garantindo que não é para esta vida que somos chamados investir o melhor de nós. Esta esperança não decepciona porque é fiel aquele que promete. Atentos aos seus ensinamentos e abertos à sua inspiração, certamente poderemos intervir, de modo eficaz, na realidade que nos cerca.

Axé!
Pe. Degaaxé

sábado, 2 de junho de 2012

A SOCIEDADE HUMANA VISTA À LUZ DO MISTÉRIO DO DEUS UNO E TRINO

            Dizemos e fazemos tantas vezes o sinal da cruz, pronunciando: em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo. É tão bonito pronunciar esta fórmula, mas poucos sabem o que ela realmente significa. Até mesmo os teólogos, dizem tantas coisas sobre este assunto, mas Deus vai muito além do que tais limitados conhecimentos podem abarcar. Se chegássemos a compreendê-lo totalmente, já não seria mais Deus. Mesmo revelado, permanece sempre Mistério. Conta-se que o grande Santo Agostinho estava na praia, andando de um lado para o outro, pensando sobre o mistério da Santíssima Trindade: ‘Como Deus pode ser Um e Três, ao mesmo tempo?’, questionava-se. Embora envolvido nestas suas elucubrações, conseguiu perder um pouco de seu precioso tempo para observar um menininho que havia cavado um buraco na areia e ia constantemente ao mar pegar água, com uma pazinha, para colocar dentro do buraquinho. O sábio Agostinho vai, então, ao encontro do menino e lhe pergunta: ‘Mas o que você pensa que está fazendo?’ Respondeu o menino: ‘Não vê? Eu quero que toda aquela água do mar caiba dentro deste buraquinho!’ Disse-lhe Agostinho: ‘Mas isso é praticamente impossível!’ Então, o menino exclamou: ‘É mais fácil eu colocar toda a água do mar dentro deste buraquinho, do que você conseguir que o mistério do Deus Uno e Trino caiba na sua cabecinha!’ O menino desaparece, em seguida. O grande Santo Agostinho retira-se, perguntando se este menino não seria um anjo. E é assim que a história termina. Perdoem-me pela minha ignorância, mas não sei quem inventou esta história; só sei que traz uma verdade muito profunda: Deus não é um Mistério para ser compreendido, mas para ser acolhido e vivido. Vamos buscar um pouco de ensinamento teológico sobre esta questão, para depois tirarmos conclusões para nossos relacionamentos. Vamos lá!
           Aprendemos que Deus é uma comunhão de pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Não são uma Tríade (três deuses), mas uma Trindade, pois são Três e, ao mesmo tempo, Um. Em que sentido são Três? É que, em sua individualidade e relação, são chamados de Pessoas, ou seja, Três Pessoas divinas. Mas são Um porque as Três Pessoas formam um só Deus, isto é, formam a mesma natureza divina. Portanto, Deus é único, mas não é sozinho; é uma Comunidade de relações; é uma comunhão (communio) de pessoas. A expressão grega utilizada para definir como acontece esta comunhão é perichóresis, que em latim se diz circuminsessio e circumincessio. Trata-se de expressões que originariamente tem a ver com dança: ‘um dança ao redor de outro e outro dança em torno de um”[1]. Nesta relação de comunhão, uma pessoa está nas outras e contém as outras duas; cada uma penetra as outras e é penetrada pelas outras[2]. Mas cada uma das pessoas conserva a sua identidade, de forma que o Pai não é o Filho nem o Espírito, o Filho não é o Pai nem o Espírito e o Espírito não é o Pai nem o Filho. Onde se encontra Uma, estão as outras Duas; a ação de Uma é cooperada pelas Outras. Portanto, nunca há abandono nem solidão, nem exclusão e nem isolamento. O individualismo não tem lugar na Trindade, pois só há comunhão e interpenetração. Fora os complementos teológicos, aprendemos tudo isso do próprio Jesus, que afirmava: “Eu e o Pai somos um” e ainda: “Vos enviarei, da parte do Pai, o Espírito da Verdade”. A conclusão a que se chegou, então, é que Deus é Trindade e que “a Trindade é a melhor comunidade”[3], porque as Pessoas divinas se amam intensamente. Assim, conforme a expressão de São João, “Deus é amor”. O teólogo Luiz Carlos Susin utiliza uma expressão muito profunda para falar desta relação de amor em Deus-Trindade: “Deus não existe para depois amar: ele existe porque é amor. E Deus é Trindade porque é amor”[4].
           O Deus amor é um mistério de comunhão em si mesmo e para o universo. É uma realidade que convida à participação. O universo inteiro é convidado a entrar nesta comunhão, pois o amor que há na Trindade penetra tudo e possibilita este movimento. Não é à toa que, conforme afirmou um bispo, “somos transbordamento do amor da Trindade”[5], pois o amor é tão intenso em Deus que forma uma comunhão e extravasa, transborda. Eis a razão, portanto, de penetrar tudo e tudo renovar permanentemente. A partir deste mistério, nasceu a família humana[6], as comunidades e a própria sociedade. A partir da Trindade, a sociedade pode sim retomar sua verdadeira finalidade. Quem se deixa envolver por esse mistério, integra-se internamente, tornando-se capaz de construir fraternidade e comunhão na família e comunidade, promovendo a inclusão e lutando contra toda marginalização. Todo propósito nesta direção é reflexo da relação trinitária. De um modo geral, frente a uma sociedade que tenta deixar Deus de lado em suas organizações, em que cada um (a) se preocupa com seu próprio ‘umbigo’, somos convocados a sustentar esta grande verdade: Deus é amor e só o amor produz comunhão, porque é capaz de sacrificar-se pelo outro. Eis o grande desafio para a nossa sociedade é remodelar-se a partir deste Mistério, o qual se dá - como dizia o teólogo russo P. A. Florenskij, referindo-se às recíprocas kenosis das Pessoas divinas - num constante auto-esvaziamento, em que um nunca quer ser antes do outro, mas reciprocamente se elevam e diz um para o outro: tu és[7]. O mesmo vale para nossas famílias e comunidades.
          Que cada pessoa possa dizer para si mesma: Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, porque é amor; e eu sou envolvido (a) neste Mistério, porque sou amado (a). Na verdade, Deus é um mistério que, mais do que palavras, pede silêncio. E se tivermos que dizer algo, seja em humilde adoração, como uma criança que balbucia: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...

Axé!
Pe. Degaaxé



[1] cf. GRESHAKE, Gisbert. Der dreieine Gott: eine trinitarische Theologie. Feriburg-Basel-Wien: Herder, 1977, p. 78-94. A tradução foi realizada pelo prof. Érico Hammes, doutor em teologia.

[2] Cf. BOFF, Leonardo. A Trindade, a sociedade e a libertação. Leonardo Boff, Petrópolis: Vozes, 1986.
[3] A frase é de Leonardo Boff.
[4] SUSIN, L. C. Deus: Pai, FIlho e Espírito Santo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 58.
[5] Esse bispo é D. Orlando Brandes, uma grande referência no Brasil para a transformação de grandes estruturas em pequenas comunidades. Ele não nega ter entendido algo da dinâmica trinitária.
[6] O Deus que adoramos como Santíssima Trindade ou Trindade Santa, ao longo da história, sempre se revelou aos seres humanos de todas as culturas. Como as experiências variam de cultura para cultura, variam também os nomes de Deus. Quando nos referimos ao Povo negro, muitas tribos bantu, por exemplo, utilizam a expressão Nzambi para se dirigirem a Deus e, embora seja comum chamar a Deus de Pai – Tatá Nzambi - em alguns grupos aparece como Mãe - Mama Nzambi. Os bantu dizem que Nzambi fez, num só instante, o homem, a mulher e as crianças, fazendo da comunidade o centro de suas vivências. Os da tradição Yorubá – da qual faço parte - creem num Deus único, incriado e criador que quando fez o ser humano, o fez de forma comunitária, ou seja, num só ato, fez o homem e a mulher. Todos cultivam a certeza de que se Deus os fez de forma comunitária, é porque assim é o seu ser. Na tradição judaico-cristã, Deus faz o ser humano também comunitariamente. A partir de Cristo, os cristãos e cristãs afirmam que este Deus, além de Criador e Salvador, é a comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ou seja, Santíssima Trindade. É sempre o mesmo Deus que quer ser tudo em todos e todas.
[7] “A palavra kenosis como máxima expressão do amor, dá uma resposta à realidade atual. Não ter medo de sair de si e entrar no outro. O amor vai e volta ao mesmo tempo; isso é de Deus” (afirmações do prof. Lubomir Zak, durante aulas para a turma de mestrado de teologia da Faculdade de Teologia da PUCRS).