segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A UNIDADE NO ESSENCIAL, A LIBERDADE NA DÚVIDA, MAS, EM TUDO, CARIDADE

Chegamos então, ao final do nosso estudo sobre a questão ecumênica no pensamento do teólogo russo P. A. FLORENSKIJ.O caminho ao qual nos propusemos, com esta reflexão, foi de resgatar a sensibilidade de pensamento deste autor a respeito da originalidade da caminhada eclesial. Aquilo que ele reconheceu, juntamente com o foco do decreto conciliar Unitatis Redintegratio e a encíclica Ut Unum Sint, já é fato notável, ou seja, o passo caracterizado pela fraterna superação das divisões entre as diferentes Igrejas cristãs, já foi dado. O que resta agora é que todos contribuam para vencer as dificuldades, que impedem o avanço ecumênico. O Espírito agiu, fazendo com que diminuíssemos as tensões. Ele continuará agindo para que assumamos a grande responsabilidade da fidelidade à verdade e à justiça enquanto buscamos superar as divergências e trabalhar em conjunto. Sabemos também que o caminho ecumênico tem que ser trilhado com caridade, humildade, prudência, boa formação e amor ao Cristianismo. Se ainda há impasses no entendimento, é por que algumas lideranças das diferentes partes se fecham, acompanhando o processo com certo indiferentismo a respeito da riqueza que esta caminhada pode trazer. Muitos estão com o receio de ficar menos católico, menos protestante, etc. A verdade é que deixamos de pensar como Jesus, que se preocupava com os que precisavam crer a partir do testemunho de união das comunidades cristãs. Esquecemos de que precisamos, como cristãos, estar unidos para que o mundo creia (Cf. Jo17).
Não é conveniente continuarmos chocando as pessoas com um Jesus dividido, um Jesus que só serve para um grupo e não serve para outro. Está mais do que na hora de sermos evangelhos vivos, colocarmos no centro de nossas buscas e aspirações, a pessoa e a proposta de Jesus Cristo. A atitude de Jesus diante do diferente era de escuta e de acolhida; precisamos reaprender dele. Se de fato somos cristãos e acreditamos na possibilidade de unidade rezada por Cristo, realizaremos o que diz Santo Agostinho: "nas coisas essenciais, a unidade; nas coisas duvidosas, a liberdade; em tudo, a caridade". Esta expressão é retomada pelo Concílio Vaticano II, que a propõe como compromisso aos católicos e cristãos de todo o mundo: "Resguardando a unidade nas coisas necessárias, todos na Igreja, segundo o múnus dado a cada um, conservem a devida liberdade, tanto nas várias formas de vida espiritual e de disciplina, quanto na diversidade de ritos litúrgicos, e até mesmo na elaboração teológica da verdade revelada. Mas em tudo cultivem a caridade. Agindo assim, manifestarão, sempre mais plenamente, a verdadeira catolicidade e apostolicidade" (UR 4).

Referências bibliográficas
CELAM. Texto conclusivo da Quinta Conferência do Episcopado latino-americano e do Caribe. São Paulo: Paulinas, 2007.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Unitatis Redintegratio. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 307-332.
_______. Lumen Gentium. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 37-117.
FLORENSKY, Pavel A. Cristianismo e cultura. Artigo traduzido para o português.
JOÃO PAULO II. Ut unum sint. Sobre o empenho ecumênico. Roma, 1995. Disponível também em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25051995_ut-unum-sint_po.html. Acesso em: 16 de set. de 2011.
SUSIN, Luis Carlos. Deus: Pai, FIlho e Espírito Santo. São Paulo: Paulinas, 2003.
SWIDLER, Leonard. Cristãos e não-cristãos em diálogo. São Paulo: Paulinas, 1988.
ZAK, Lubomir. Kenosi di Cristo e mistero della chiesa. Articulo Corso 10218, Roma 2008-2009.

domingo, 30 de outubro de 2011

PASSOS A SEREM DADOS EM VISTA DA PLENA COMUNHÃO ENTRE OS CRISTÃOS

            O autor, do qual estamos tratando, P. Florenskij, é muito realista ao analisar a questão da divisão dos cristãos, mas, em seu discurso, mostra uma capacidade muito grande de convencimento a respeito das reais possibilidades de uma unidade também real, ou seja, o seu discurso é cheio de motivação de esperança, pois ele tem presente sempre a ação divina nos corações que pode levar as pessoas a repensarem suas posturas e não mais dificultarem as coisas.
“Diante da crise iminente do cristianismo, todos os que se definem cristãos devem pôr-se um ultimatum e arrepender-se ‘com uma só alma e uma só voz’, proclamando: Senhor, ‘ajuda-me na minha incredulidade’. Então a questão da unidade do mundo cristão deixará finalmente o espaço fechado dos escritórios e das chancelarias para sair ao aberto, e aquilo que se mostra difícil e impossível para os homens se mostrará totalmente possível para Deus”[1].
Esta posição do nosso autor é confirmada na encíclica Ut unum sint que diz que o empenho ecuménico deve fundar-se na conversão dos corações e na oração, ambas induzindo depois à necessária purificação da memória histórica. Em outras palavras, recorda que o passado é doloroso para o cristianismo e ainda continua a produzir feridas entre os cristãos, mas que todos, motivados pelo amor, pela coragem da verdade e pela graça do Espírito, devem se perdoar mutuamente e a se reconciliarem (Cf. UUS, 1). E assim continua Florenskij: “A unidade do mundo cristão é possível somente mediante uma ‘mudança do modo de pensar’ (metavoia – metanoia) e um profundo exame de consciência – em primeiro lugar – no âmbito da própria confissão”[2]. Ele vai insistir no respeito como atitude que revela autenticidade no seguimento de Jesus e na resolução dos conflitos:
“Quem não respeita as formas concretas da vida religiosa da própria confissão não aprenderá nunca a respeitar as formas de outra confissão, e então a unidade seria de qualquer modo falaz e deletéria justamente para a vida religiosa, para a plenitude da qual ela tinha sido pensada”[3].
É em vista desta plenitude que o Concílio Vaticano II, entre outros apelos, vai provocar os cristãos, especialmente os católicos, para que reconheçam, com alegria, e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nas outras denominações: “É justo e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de virtude na vida dos que testemunham em favor de Cristo, às vezes até à efusão de sangue: Deus é sempre admirável e digno de admiração em suas obras" (UR 4/772). Isto nos faz perceber que, em relação a Igreja católica, foi dado um passo muito significativo nesta direção. Inclusive, o foco da Ut Unum Sint é recordar a toda a Igreja que a busca da unidade e da plena comunhão entre os cristãos não é uma atividade facultativa, mas faz parte de sua missão como serva de Cristo (UUS, 20). Cabe também uma referência ao documento de Aparecida[4] que, de modo muito provocador, afirma que é preciso “recomeçar a partir de Jesus Cristo” (DAp 12, 41 e 549), que nada mais é do que reassumir a nossa missão segundo o desejo daquele que nos constituiu seus discípulos e rezou ao Pai, pedindo “que todos sejam um” (Jo 17, 21).
É preciso investir todos os esforços e acreditar que a unidade é possível. Segundo Florenskij, é preciso descartar a necessidade de apologética, insistindo na necessidade do diálogo para o conhecimento e compreensão mútuos[5]. Quando se fala em diálogo é necessário ter disposição para mudar e crescer, e não ficar exigindo a mudança do outro. O verdadeiro diálogo acontece quando ninguém precisar renunciar à sua fé por causa do encontro com outra fé[6]. É na procura da verdade que o diálogo encontra seu sentido. Só dialoga quem busca a verdade; mas quem se considera dono dela não tem porque dialogar. “É hora de ressoar um apelo ao arrependimento do mundo cristão, um apelo que de uma fé pela metade nos leve a uma fé plena e da torre de Babel à Cidade de Deus”[7].



[1] FLORENSKIJ, Cristianismo e cultura, p. 4.
[2] Id., Ibid., p. 7.
[3] Id., Ibid., p. 5.
[4] V Conferência do Episcopado Latinoamericano e Caribenho, acontecida na cidade de Aparecida, no Brasil, em 2007.
[5] Cf. FLORENSKIJ, Op. cit., p. 7
[6] Cf. SWIDLER, L. Cristãos e não-cristãos em diálogo., p. 18s.
[7] FLORENSKIJ, Op. cit., p. 7  

sábado, 29 de outubro de 2011

O ANSEIO PELA UNIDADE EXPRESSO NA BUSCA DA VERDADE

Penetrar um pouco no cerne do pensamento deste autor, Florenskij, está sendo uma aventura e tanta! Neste quarto artigo queremos nos deixar convencer sobre os verdadeiros motivos que nos levam a buscar a verdade. E de que verdade estamos falando? É sabido que o anseio pela unidade existe no coração dos fiéis seguidores de Cristo desde os primórdios do Cristianismo, quando o próprio Cristo rezava ao Pai: “que todos sejam um” (Jo 17, 21). Mesmo divididos, em toda parte, pequenas iniciativas sempre manifestaram este anseio latente nos corações. O discurso sobre a unidade não se refere à uniformidade ou anulação das diferenças, mas em acolher o diferente, respeitando-o no seu modo de ser e refletir, descobrindo sempre mais o que causa aproximação. Esta busca não impede que se pense diferente, mas empurra, ambas as partes, à verdade que os une. Quando Jesus diz que é a verdade e quem é da verdade ouve a sua voz, não se refere a ritos, fórmulas ou modos de fazer as coisas, características acidentais. Ele chama a atenção para o que é essencial: a verdade que Ele é. Sobre isso isso, Florenskij estava muito convencido, pois “em si a humanidade, porém, não tem necessidade de unidade enquanto tal e a qualquer preço, mas de uma vida na verdade e no amor”[1]. Esta vida na verdade e no amor faz referência ao próprio Jesus que se faz presente onde dois ou mais estiverem reunidos em seu nome (Cf. Mt 18, 20).
Em questões de fé, eu não devo impor a ninguém as formas concretas de vida religiosa que cultivo, ou seja, aquilo que creio e aceito como verdade. Seria muita pretensão da minha parte e violaria o mandamento do amor se impusesse  a pessoas de outra confissão aquilo que é razão e sentido para mim. Aquilo que é significativo para mim, para outros pode não ter significado algum. Esta sensibilidade deveria me aproximar mais das pessoas que pensam e rezam diferente de mim, pois “discordâncias e diferenças serão, de qualquer maneira, inevitáveis”[2], mas o importante é saber o que fazer com elas.
“As diferenças entre as confissões não devem ser ‘polidas’ em nome da unidade; ao contrário, é muito importante estabelecê-las com precisão. Se formos movidos por autêntico amor e confiança (...) tais diferenças não serão motivo de hostilidade, mas, ao contrário, criarão um senso de partilha do mundo cristão e de devoção diante dos caminhos da Providência”[3].
Este modo Florenskijano de pensar nos recorda a postura do bispo D. Hélder Câmara, de saudosa memória, quando alguém discordava dele. Assim ele dizia: “se você discorda de mim, você não é meu adversário, mas você me enriquece”[4]. Sobre a situação da diversidade e da divisão, o nosso autor não é pessimista e consegue tirar grandes lições:
“É necessário de fato que aconteça divisão entre vós’, o olho não se assemelha à mão, e a sua estrutura lhe é de todo estranha. Não por isso, porém, pode dizer à mão: ‘Não preciso de ti’, como, vice-versa, nem a mão pode dizer ao olho que não compreende: ‘Não preciso de ti’. Num organismo sadio, todavia, os órgãos – cada um com uma própria função diversa das funções alheias – vivem em concórdia e tem necessidade um do outro e todos servem o único organismo”[5].
Esta analogia com o corpo humano, em sua dinâmica de funcionamento, permite que o nosso autor, Florenskij, admita uma “divisão necessária”. São Paulo, realmente foi brilhante quando escreveu isso em seu tempo e, para o assunto em questão, continua sendo uma verdade muito atual. Os cristãos são o Corpo de Cristo e este corpo precisa funcionar devidamente para cumprir sua verdadeira finalidade. As pessoas não precisam só ouvir coisas boas sobre Jesus, mas experimentarem, junto aos cristãos, a verdade deste anúncio, através do testemunho de comunhão.

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé


[1] FLORENSKIJ, Op. Cit., p. 5.
[2] Id., Ibd., p 5.
[3] Id., Ibid., p. 6.
[4] D. Hélder Câmara, bispo brasileiro,  nascido em Fortaleza, a 7 de fevereiro de 1909, e falece a 27 de agosto de 1999. Na época foi duramente criticado e perseguido por causa de sua postura profética junto aos pobres.
[5] FLORENSKIJ, Op. Cit., p. 5.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

IDENTIFICANDO AS CAUSAS DA DIVISÃO ENTRE OS CRISTÃOS

Neste terceiro artigo sobre o autor teólogo Florenskij, somos levados a identificar as causas da divisão dos cristãos. Em seu texto, intitulado Cristianismo e cultura, Florenskij fala, entre outros aspectos, sobre esta tão dolorosa e escandalosa situação. Como não se pode analisar de forma superficial, o nosso autor vai a fundo no problema, manifestando bastante segurança naquilo que diz e identificando inquietantes causas:
"Se os cristãos de uma confissão cressem na sinceridade da orientação para Cristo dos cristãos das outras confissões, é verossímil que não haveria divisões entre eles, sem que isso, todavia, implique uma eliminação das diversidades (...) Se os cristãos estão divididos e em luta entre si é, sim, porque colocam em dúvida a autenticidade das respectivas orientações (...) O mundo cristão está saturado de recíproca desconfiança, de sentimentos malévolos e de hostilidade"[1]
Segundo o nosso autor, existe uma situação de hostilidade, falta estima e confiança entre as pessoas que professam a mesma fé. Esta situação é razão de escândalos, dificultando a fé dos que são ‘de fora’. O que se experimenta, na verdade, é uma realidade totalmente contrária ao que se dizia das primeiras comunidades cristãs que eram “um só coração e uma só alma” (At 4, 32). Isso não significa que não tinham dificuldades, mas não permitiam que estas ofuscassem o amor entre eles. Para Florenskij, o que mais dificulta o testemunho de unidade cristão é o fato de que a fé está corrompida em seus alicerces por faltar coragem e honestidade em reconhecer isso[2]. Sobre esta realidade, ele parece ser ainda mais incisivo, indo à raiz do problema: “É mister reconhecer que a verdadeira causa da divisão que atinge o mundo cristão não são as diferenças de doutrina, de rito ou de estrutura eclesial, mas  a profunda e recíproca difidência nos fundamentos, isto é, na fé em Cristo Filho de Deus que se fez carne”[3].
A esta situação salientada pelo nosso autor, juntam-se as dificuldades da própria caminhada ecumênica, em que setores cristãos armavam-se com muitos argumentos para defenderem sua verdade sobre Jesus, criticando os outros, considerando-se donos da verdade, fixando-se mais em suas diferenças, naquilo que causava ainda mais divisão. Uma realidade que a encíclica Ut unum sint retrata muito bem: “Os cristãos não podem ignorar o peso das atávicas incompreensões que herdaram do passado, dos equívocos e preconceitos de uns relativamente aos outros. Não raro, depois, a inércia, a indiferença e um conhecimento recíproco insuficiente agravam tal situação” (UUS 1). Continuaremos no próximo artigo.

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé


[1] FLORENSKIJ, P. A. Cristianismo e cultura, p. 4
[2] Id., Ibd., p. 4.
[3] Id., Ibd., p. 4

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SÓ O AMOR PRODUZ COMUNHÃO

Para compreensão deste artigo, sugiro a leitura do artigo anterior com o qual iniciamos uma reflexão sobre o teólogo P. A. Florenskij. Natural da Rússia e que fala com paixão sobre a realidade eclesial, incentivando a todos os cristãos a investirem o máximo de si em vista de recuperar a unidade desejada por Cristo ao rezar ao Pai: Ut unum sint (Que todos sejam um).
O autor P. Florenskij, ao nos fazer refletir sobre a vida ecumênica da Igreja, chama a atenção para o que ela é em sua originalidade e profundidade, enquanto querida por Cristo e chamada a testemunhar a verdade de Deus amor. “Esta verdade é o centro de sua mensagem e deve iluminar a vida de cada cristão”[1]. Em sua reflexão, Florenskij  fala a partir da Igreja Ortodoxa, mas amplia para o Cristianismo de um modo geral, o qual está passando por uma crise eminente[2] e que esta crise estaria ligada ao fato de que seus membros, nas inúmeras confissões, tenham perdido de vista o essencial, passando a preocupar-se mais com posições e interesses particulares. Ao comentar Florenskij, o professor Lubomir Zak recorda que é preciso resgatar o que é essencial e que é razão de ser da Igreja: “La Consustanzialità della Chiesa (...) è una dinamica rivelativa del mistero dela vita trinitaria di Dio”[3]. Este Deus não é somente um que ama, mas é amor. O amor constitui a essência, a sua identidade. Reforçando esta idéia, assim reflete o autor Luis Carlos Susin: “Deus não existe para depois amar: ele existe porque é amor. E Deus é Trindade porque é amor”[4].
Deus, em seu mistério trinitário, portanto, é o fundamento para que a Igreja alcance a plena comunhão tão desejada. Deus é amor e só o amor produz comunhão, porque é capaz de sacrificar-se pelo outro. Florenskij fala deste mistério, referindo-se às recíprocas kenosis eterna, ao auto-esvaziamento, em não querer ser antes do outro, mas na recíproca glorificação. Reciprocamente se elevam e diz um para o outro: tu és[5]. “Florenskij è convinto che la SS.ma Trinità sia la vera patria dell’amicizia”[6]. E a verdadeira amizade é resultado de um processo kenótico, ao mesmo tempo que conduz a ele. A nível de realidade eclesial, isto é bem enfatizado por Florenskij, segundo Lubomir Zak: “Il concetto florenskijano di amicizia è um sinônimo della kenosi ecclesiale”[7]. A partir daí se pode dizer, sem fingimento, ‘você é meu irmão’ e ‘você é minha irmã’, entrando assim, no espaço de uma verdadeira amizade. Esse deve ser o primeiro testemunho para que as pessoas creiam no Deus revelado por Jesus Cristo, pois se existe uma coisa que especifica o cristão é a reciprocidade do amor, a amizade (Jo 13, 35). Nesta reciprocidade, é explicitado concretamente o amor de Deus pela humanidade. Todos os cristãos são convidados a este movimento.  

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé


[1] Lubomir Zak, ao comentar a encíclica do atual papa Bento XVI, em conferência proferida na PUCRS, Porto Alegre, no dia 02 de setembro de 2011.
[2] P. A. FLORENSKIJ. Cristianismo e cultura. p. 4.
[3] L. ZAK, Kenosi di Cristo e mistero della chiesa, p. 18.
[4] L. C. SUSIN. Deus: Pai, FIlho e Espírito Santo. p. 58)
[5] “A palavra kenosis como máxima expressão do amor, dá uma resposta à realidade atual. Não ter medo de sair de si e entrar no outro. O amor vai e volta ao mesmo tempo; isso é de Deus” (afirmações do prof. Lubomir Zak, durante aulas para a turma de mestrado de teologia da Faculdade de Teologia da PUCRS).
[6] L. ZAK. Op. Cit., p. 21.
[7] Id., Ibid., p. 19.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

PENSAMENTO IMORTAL: UM TEÓLOGO ORIENTAL ENTRE NÓS

Eu tive a graça de participar de algumas aulas sobre o teólogo russo Pavel A. Florenskij e, juntamente com meus colegas do mestrado, fiquei encantado com esta preciosidade, tão desconhecida em nossos meios acadêmicos. Dentre os muitos assuntos que este autor trabalha, eu me interessei pela questão ecumênica e resolvi aprofundar a pesquisa, relacionando com outras leituras que já fiz.
Pavel A. Florenskij, nasceu na Rússia, em 1882. Estamos falando de alguém que possuía grande sensibilidade para questões de fé e que conseguia ver nas coisas aquilo que nós, pessoas comuns, geralmente não vemos. Sentia-se muito atraído pela natureza e considerava a água do mar parente de sua lágrima. Falava da Trindade como comunhão do amor, na qual tudo é quenótico. É a partir desta realidade que ele resgata o essencial na Igreja e analisa, com muita propriedade, a sua caminhada ecumênica. O seu contexto é o da Igreja Ortodoxa, mas com grandes contribuições para a Igreja universal.
Seu pensamento a respeito da caminhada ecumênica das Igrejas cristãs está muito em sintonia com o conteúdo do decreto conciliar Unitatis Redintegratio  e com a encíclica papal Ut Unun Sint, do papa João Paulo II. O que mais impressiona é que suas intuições anteciparam em muito aquilo que o concílio Vaticano II vai afirmar, sendo confirmado, quarenta anos depois, pela referida encíclica sobre o empenho ecumênico: “A divisão contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo, como também prejudica a santíssima causa da pregação do evangelho a toda criatura” (UUS 6). De fato, a grande vítima tem sido a evangelização, pois é difícil acreditar quando os que pregam o evangelho se comportam como inimigos.
Em sintonia com estes documentos, Florenskij reconhece os muitos empecilhos que têm dificultado a unidade das diferentes Igrejas e Comunidades eclesiais, mas, por outro lado, há um esforço incansável de aproximação, compreensão e diálogo para que se alcance a comunhão tão almejada. Tudo isso nos faz perceber a dinâmica do Espírito Santo, para o qual não existem fronteiras que não possam ser derrubadas. Em meio a tantas diversidades, ele vem suscitando a unidade. É justamente esta a intensão do ecumenismo, segundo a Ut Unum Sint, o qual “busca precisamente fazer crescer a comunhão parcial existente entre os cristãos até à plena comunhão na verdade e na caridade” (UUS 14). O mesmo Florenskij, que reconhece as dificuldades neste processo, vai nos ajudar a dar um passo adiante, respondendo algumas questões que considero fundamentais no nosso estudo: quais as razões da busca da unidade entre os cristãos e quais as maiores dificuldades encontradas neste campo? Há realmente possibilidade de unidade entre as diferentes confissões? Então, que passos devem ser dados para que alcancemos a plena comunhão na verdade? Estas e outras perguntas, tentarei responder nos próximos artigos, a partir da teologia de Pavel A. Florenskij.

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

sábado, 15 de outubro de 2011

MARIA, MÃE DA MISERICÓRDIA, MODELO DE TODOS OS VOCACIONADOS

Estamos no mês do Rosário e Rosário lembra Maria, Mãe de Deus e nossa também. Ela é a maior representante que temos junto a Deus. Ela soube responder como ninguém; Ela é feliz, somos felizes também. Vamos refletir juntos, então!
O presente tema quer nos fazer refletir sobre duas realidades muito fortes em Maria: misericórdia e vocação. Ela é mãe da misericórdia porque é mãe de Jesus, misericórdia encarnada do Pai. Desde o início de sua vida pública, os pecadores perceberam em Jesus o refúgio e a acolhida que esperavam para que suas vidas pudessem recobrar o sentido: de rejeitados e excluídos para dignos filhos de Deus – ‘não vim chamar os justos, mas os pecadores’; ‘quem está com saúde não precisa de médico, mas sim os doentes’. A misericórdia de Deus para com os pecadores é como um pai que espera o seu filho voltar para dar-lhe um abraço carinhoso; é como um pastor que vai em busca da ovelha perdida, deixando as noventa e nove a salvo. A acolhida de Jesus para com os pecadores aponta para um novo tempo, tempo de graça e salvação, que Maria conseguiu antecipar com a sua vida e decisão. O seu canto é um transbordamento de feitos misericordiosos de Deus. E é assim que ele quer ser lembrado para sempre.
A vocação de Maria está marcada por uma escuta atenta, silenciosa e fecunda da Palavra de Deus e de uma sensibilidade enorme para com os sinais de sua misericórdia ao longo da caminhada do seu povo. Soube amar de verdade e encontrar espaço em seu coração também para José que Deus coloca ao seu lado como mediação de sua presença protetora. A presença de José muito contribuiu para que Maria concretizasse, em segurança, o seu sim a Deus. Maria não somente canta a misericórdia de Deus, mas a sua vida é parte deste processo.  O anúncio do anjo é o momento decisivo de sua resposta aos apelos do Senhor. Por sua resposta Jesus vem a nós e se encarna em nossa realidade. Deus nos salva por Jesus, mas também pelo sim de Maria.
Por que Maria é modelo dos vocacionados? Maria, como membro ativo na comunidade, cultivou com ela a expectativa messiânica. Sempre esteve presente nela o espírito de disponibilidade e de serviço. Alguns textos o revelam muito bem. O Messias devia nascer de uma jovem, assim como foi profetizado. A visita do anjo encontra a jovem Maria disponível e atenta, e por isso lhe convida a experimentar intensa alegria pela escolha que o Senhor lhe fez. Na sua resposta está sua intensidade de vida e sua verdadeira identidade: serva. Para Maria, vocação é serviço total e generoso, em vista do bem das pessoas. Maria não pensa em si, em suas forças, mas no bem que a sua decisão vai causar para o mundo e para a vida de tanta gente. A sua alegria contagia todos os que se achegam a ela. Assim foi com sua prima Isabel e seu sobrinho João.
Este é, portanto, o itinerário de sua vocação: 1- escuta atenta da Palavra de Deus, que a fez gerar Jesus primeiro no coração e depois no ventre; 2- acolhida da vontade Deus em sua vida, revelando total disponibilidade aos seus planos, mesmo sem entender tudo. Maria era alguém que não tinha as coisas muito bem claras a respeito de sua vocação, mas não esperou entender para depois responder. Ela acreditava que não se pode deixar Deus esperando, enquanto se pensa no porquê da escolha e como se daria? Se de Deus só vem coisa boa, então é bom dizer sim. 3- serviço solidário aos necessitados, revelando assim a verdade do seu ser e da sua resposta; 4- a solicitude na participação comunitária, acreditando ser ela reveladora da presença e da ação do Deus misericordioso; 5- seguimento a seu Filho na realização de sua missão e fidelidade até as últimas consequências; 6- encontramos a vocacionada Maria ainda marcando presença na comunidade nascente, animando e intercedendo, apontando para uma realidade totalmente nova, plena de sentido e de realização, na qual o Reino de Deus é de fato assumido e vivido.
Queremos olhar para Maria assim como uma servidora atenta que responde ao chamado de Deus na simplicidade do seu ser e na generosidade de sua vida. Ela participou intima e ativamente nos mistérios da vida de seu Filho. As maravilhas que Deus opera em sua vida é em vista da vida das pessoas. Desde o início da encarnação de Jesus, Deus intervém providencialmente para que seus planos se realizassem e a Maria não lhe faltasse o necessário para levar adiante a sua resposta. Deus permanece fiel no cuidado e Maria responde a seu chamado na fidelidade. Assim deve ser todo vocacionado e vocacionada, não importa a que vocação pertença; seja ela sacerdotal, religiosa, leiga ou matrimonial, Maria será sempre modelo. Olhamos para ela, como num espelho, e assim vemos a nossa vocação plenamente realizada.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

SEMINÁRIO LABORATORIAL SOBRE LITURGIA INCULTURADA

PROGRAMA

Objetivos
Geral
Tendo presente que “a Igreja precisa das culturas para evangelizar, pois sem as culturas não há evangelização”, buscamos, com este seminário, conhecer melhor a liturgia da Igreja e sua abertura às culturas, fortalecer a caminhada da Pastoral afro no vicariato de Porto Alegre, despertando as comunidades para encontros periódicos de reflexão sobre a realidade cultural afro dentro e fora da Igreja, resgatando esta mesma realidade na liturgia que celebramos.
Específicos
1- Possibilitar uma maior compreensão do Mistério Pascal e suas consequências para a vida das pessoas que celebram;
2- Descobrir e explorar os espaços para a criatividade oferecidos pela liturgia oficial da Igreja;
3- Conhecer elementos da cultura negra que são resgatados na liturgia;
4- Aprofundar o tema da inculturação como aproximação, diálogo, anúncio, intercâmbio de dons, e transformação das ‘estruturas’;
5- Partilhar experiências litúrgicas a caminho da inculturação em meios afro-brasileiros, buscando um maior enriquecimento mútuo, aprofundando o sentido daquilo que fazemos para darmos razão da nossa fé e da nossa esperança.

Espírito:
O povo negro canta rezando e reza dançando, uma oração que se faz envolvendo o corpo por inteiro, com cantos ritmados e muita dança, ao som dos atabaques, partilhando o alimento que fortalece o nosso corpo e anima nossa luta. O gingado e a alegria, num ambiente festivo e bem ornamentado, integrados com a toda natureza, nos fazem sentir a presença de Deus e a força dos Ancestrais. Dizia o Papa João Paulo II, aos afrodescendentes: “Encorajo-vos a defenderem a vossa identidade, a serem conscientes dos vossos valores e fazê-los frutificar. A fé não destrói, mas respeita e dignifica as culturas, mesmo com as diferenças”.

Justificativa:
A liturgia cristã é rica pelo Mistério que se celebra, mas também por possibilitar espaços para a criatividade. Ela se tornou ainda mais rica em contato com as culturas. Deve-se reconhecer que “a Igreja precisa das culturas para evangelizar, pois sem as culturas não há evangelização”. A idéia de inculturação nasce, então, a partir destes pressupostos: aproximação, diálogo, intercâmbio de dons, serviço. Da evangelização imposta surge uma releitura e um resgate. Queremos, então, celebrar com um novo jeito, com um novo rosto, mesmo que isto venha causando resistências em alguns setores eclesiais, devido à dificuldade de compreensão da riqueza que é a diversidade. O respeito e  a valorização das diferenças revela o rosto da verdadeira Igreja de Jesus Cristo, uma Igreja Peregrina e Mãe, que sabe acolher a todos como filhos e filhas. Levando em conta a contribuição que os (as) afrodescendentes vêm dando para a caminhada evangelizadora da Igreja, aceitamos o desafio de aprofundar o sentido da liturgia a caminho da enculturação em meios afro-brasileiros.
Modjumbá axé!

Pe. Degaaxé