O autor, do qual estamos tratando, P. Florenskij, é muito realista ao analisar a questão da divisão dos cristãos, mas, em seu discurso, mostra uma capacidade muito grande de convencimento a respeito das reais possibilidades de uma unidade também real, ou seja, o seu discurso é cheio de motivação de esperança, pois ele tem presente sempre a ação divina nos corações que pode levar as pessoas a repensarem suas posturas e não mais dificultarem as coisas.
“Diante da crise iminente do cristianismo, todos os que se definem cristãos devem pôr-se um ultimatum e arrepender-se ‘com uma só alma e uma só voz’, proclamando: Senhor, ‘ajuda-me na minha incredulidade’. Então a questão da unidade do mundo cristão deixará finalmente o espaço fechado dos escritórios e das chancelarias para sair ao aberto, e aquilo que se mostra difícil e impossível para os homens se mostrará totalmente possível para Deus”[1].
Esta posição do nosso autor é confirmada na encíclica Ut unum sint que diz que o empenho ecuménico deve fundar-se na conversão dos corações e na oração, ambas induzindo depois à necessária purificação da memória histórica. Em outras palavras, recorda que o passado é doloroso para o cristianismo e ainda continua a produzir feridas entre os cristãos, mas que todos, motivados pelo amor, pela coragem da verdade e pela graça do Espírito, devem se perdoar mutuamente e a se reconciliarem (Cf. UUS, 1). E assim continua Florenskij: “A unidade do mundo cristão é possível somente mediante uma ‘mudança do modo de pensar’ (metavoia – metanoia) e um profundo exame de consciência – em primeiro lugar – no âmbito da própria confissão”[2]. Ele vai insistir no respeito como atitude que revela autenticidade no seguimento de Jesus e na resolução dos conflitos:
“Quem não respeita as formas concretas da vida religiosa da própria confissão não aprenderá nunca a respeitar as formas de outra confissão, e então a unidade seria de qualquer modo falaz e deletéria justamente para a vida religiosa, para a plenitude da qual ela tinha sido pensada”[3].
É em vista desta plenitude que o Concílio Vaticano II, entre outros apelos, vai provocar os cristãos, especialmente os católicos, para que reconheçam, com alegria, e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nas outras denominações: “É justo e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de virtude na vida dos que testemunham em favor de Cristo, às vezes até à efusão de sangue: Deus é sempre admirável e digno de admiração em suas obras" (UR 4/772). Isto nos faz perceber que, em relação a Igreja católica, foi dado um passo muito significativo nesta direção. Inclusive, o foco da Ut Unum Sint é recordar a toda a Igreja que a busca da unidade e da plena comunhão entre os cristãos não é uma atividade facultativa, mas faz parte de sua missão como serva de Cristo (UUS, 20). Cabe também uma referência ao documento de Aparecida[4] que, de modo muito provocador, afirma que é preciso “recomeçar a partir de Jesus Cristo” (DAp 12, 41 e 549), que nada mais é do que reassumir a nossa missão segundo o desejo daquele que nos constituiu seus discípulos e rezou ao Pai, pedindo “que todos sejam um” (Jo 17, 21).
É preciso investir todos os esforços e acreditar que a unidade é possível. Segundo Florenskij, é preciso descartar a necessidade de apologética, insistindo na necessidade do diálogo para o conhecimento e compreensão mútuos[5]. Quando se fala em diálogo é necessário ter disposição para mudar e crescer, e não ficar exigindo a mudança do outro. O verdadeiro diálogo acontece quando ninguém precisar renunciar à sua fé por causa do encontro com outra fé[6]. É na procura da verdade que o diálogo encontra seu sentido. Só dialoga quem busca a verdade; mas quem se considera dono dela não tem porque dialogar. “É hora de ressoar um apelo ao arrependimento do mundo cristão, um apelo que de uma fé pela metade nos leve a uma fé plena e da torre de Babel à Cidade de Deus”[7].
[1] FLORENSKIJ, Cristianismo e cultura, p. 4.
[2] Id., Ibid., p. 7.
[3] Id., Ibid., p. 5.
[4] V Conferência do Episcopado Latinoamericano e Caribenho, acontecida na cidade de Aparecida, no Brasil, em 2007.
[5] Cf. FLORENSKIJ, Op. cit., p. 7
[6] Cf. SWIDLER, L. Cristãos e não-cristãos em diálogo., p. 18s.
[7] FLORENSKIJ, Op. cit., p. 7
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