sábado, 24 de setembro de 2011

AFRODESCENDENTES: “EXPRESSIVIDADE CORPORAL, ENRAIZAMENTO FAMILIAR E SENTIDO DE DEUS” (DAp., 56)

Precisamos partir do princípio de que o povo negro tem contribuído muito com relação à sociedade, para que se torne mais humana e fraterna; e, com relação a evangelização da Igreja, para que se torne mais dinâmica e comprometida. Neste sentido, dizemos com o documento de Aparecida que os afrodescendentes se caracterizam, entre outros elementos, “pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus” (Cf. DAp., 56).
Uma das coisas que me fazem feliz é poder pertencer a um povo que sempre viveu em plena liberdade em terras de Mãe África e que, mesmo sendo deportado, nunca perdeu de vista o sonho de fazer de cada lugar um pedaço da África livre. Este povo, por ser tão rico de valores e incansável em sua luta, supera com muita ginga e muito axé, cada dia de novo, o peso do racismo e suas diversas manifestações. Reconheço as maravilhas que o Deus Libertador realizou através dos nossos Ancestrais e continua realizando em nosso meio, mostrando-se solícito ao que se passa conosco. Isto nos estimula a caminhar e a dizer sem medo de ser feliz: “sou negro (a) e daí. Teremos uma nova civilização quando cada negro ou negra assumir sua identidade e ajudar os não-negros a perceberem que a vida é bela e se torna ainda mais bela quando acolhemos o diferente e nos enriquecemos mutuamente.
Às vezes dói muito, ao perceber que muitos irmãos e irmãs ainda não conseguem assumir a própria identidade, indiferente a toda luta dos nossos Antepassados e à vivência da negritude. Esta situação é geradora de conflitos entre as próprias lideranças e compromete o crédito das reais finalidades de nossa luta. Mesmo assim, quero ser profeta da esperança, contribuindo com o que está ao meu alcance para afervorar a militância, animar as lideranças e seguir cantando a vida, pois quem tem Deus, não se cansa.
A caminhada dos grupos e Comunidades negras tem me ajudado a entender a dinamicidade da experiência de Deus que realizam e a resposta deste Deus ao longo da história. Isto me leva a aprofundar o processo de inculturação do Evangelho na cultura e religiosidade afro-brasileira. A minha pesquisa vem também atender a uma solicitação  da Conferência de Aparecida, no que se refere aesforços para inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro-americanos(DAp., n. 99). Sabe-se, por experiência, que este é um caminho tenso, por vezes conflitivo, contudo, rico e necessário. A inculturação é vista, por Aparecida, como uma riqueza, pela presença de novas expressões e valores, manifestando e celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir fé e vida e assim contribuindo para uma catolicidade mais plena (DAp., n. 479) e mais consciente.
O engajamento dos afrodescendentes dentro da Igreja e assumido por ela, torna-se uma ação pastoral efetiva em vista da vida e dignidade desta parcela da população, trazendo ao seio das nossas comunidades eclesiais reflexões sobre o racismo e a necessidade de uma postura mais acordo com o evangelho, ajudando seus membros a se enveredarem num contínuo processo de “descolonizar as mentes, o conhecimento, a recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais”. Todas estas “são condições para a afirmação da plena cidadania desses povos” (DAp., n. 96). Estes negros e negras, agentes de pastoral, cultivam uma fé comprometida com a transformação da realidade, solidária com os anseios dos oprimidos de todos os tempos.
“A Igreja, com a sua pregação, vida sacramental e pastoral, precisará ajudar para que as feridas culturais injustamente sofridas na história dos afro-americanos, não absorvam nem paralisem, a partir do seu interior, o dinamismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica, de sua memória cultural, de seu desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam” (n. 533). Essa ajuda pode vir da busca de um maior conhecimento e respeito com relação aos valores e tradições dos afrodescendentes, acolhendo o processo de inculturação, principalmente da liturgia, não com desconfiança e ceticismo, mas como parte fundamental do processo evangelizador. Esta possibilidade já tinha sido levada em conta pelo concílio Vaticano II quando afirma que “salvando a unidade substancial do rito romano dê-se lugar a legítimas variações e adaptações para os diferentes grupos, regiões e povos  (SC, 37-40). Com esta postura, a Igreja se dá conta de que não pode haver verdadeira e sólida evangelização se se distancia das culturas dos homens e das mulheres locais. Neste intuito é que, como Povo Negro, buscamos celebrar com um novo rosto, resgatando no Mistério Pascal de Cristo, valores que sempre estiveram na base de nossa experiência existencial.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

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