terça-feira, 5 de julho de 2011

A REVELAÇÃO DE DEUS NAS CULTURAS AFROBRASILEIRAS

           Tomando como referência do teólogo e autor Torres Queiruga, consideramos que não há uma relação de dependência entre cristianismo e as demais religiões e sim uma relação dialética. Isso não significa que todas as religiões são igualmente reveladoras, embora  que ‘todas as religiões são verdadeiras’. Também se tomarmos a tradição bíblica, perceberemos que muitos elementos são reveladores, mas outros não exercem este papel, pelo contrário, são ‘encobridores’. Assim como precisaram se purificar de muitas posturas para discernir a vontade de Deus, devem considerar que outras tradições religiosas, de diferentes modos, também o fazem. Neste sentido, o autor Volney J. Berkenbrock recorda que “a ação do Espírito que prepara e realiza a obra salvadora de Jesus Cristo, não se limita apenas à Igreja. Ele age na história de toda a humanidade”.

É nesta ótica que precisamos analisar as tradições religiosas afrobrasileiras, as quais cultivam uma compreensão diferenciada de Deus. Ele é o Ser supremo, incriado e criador, que se revela na vida, na natureza e age através de intermediários, para fazer-se próximo dos seus filhos e filhas, como sabiamente descreve o autor A. A. SILVA, de saudosa memória:

“As experiências banto e nagô eram exatamente de um Deus supremo criador. Não prestavam cultos em templos ou santuários. Para bantos e nagôs, a natureza é o santuário de Deus, e a terra, o altar da sua oferenda. Possuem uma experiência mística de profunda comunhão com a divindade. Através dos Orixás, Deus se faz presente em cada pessoa”.

Neste sentido, o universo visível e a realidade transcendente formam uma só unidade. Não há uma separação entre o sagrado e a vida real. O sagrado está no cotidiano e se expressa através deste. Assim, o horizonte último não pára no mundo visível, mas mergulha no universo sagrado. O próprio mundo visível – Aiyê -  é visto de uma maneira espiritual, como um prolongamento do universo invisível - Órum... Deus se revela como um Deus comunitário, que salva, não somente o indivíduo, mas todo o povo. A família, neste processo, é fundamental como base para construção e compreensão comunitária. A experiência familiar vai se intensificando na própria celebração, na qual o Deus da vida é experimentado de modo muito pessoal e, ao mesmo tempo, comunitária. Na alegria dos que preparam a festa e na solidariedade do trabalho, Deus se revela como Deus-amor. Neste sentido, Torres Queiruga vai ainda mais além, ao considerar que:

“A Revelação é tudo: desde o rito no qual se presencializa a ação primordial divina, até o mito, no qual a experiência do Sagrado se converte em expressão fabuladora, desde a oração, onde o Divino se faz presença dialogante, até a ação moral, onde é simples presença que manda, ampara ou julga, desde o templo e os lugares onde a presença se configura, até as mil modalidades de hierofanias, nos quais aparece a infinita riqueza de seu rosto, ou inclusive até o tabu, onde se manifesta o aspecto negativo de seu poder”.

Isso quer dizer que a revelação não pode ser reduzida à sua manifestação, formalizada só no ato divino, mas deve-se considerar também a contribuição humana no processo revelador. A revelação – seja lá o que for, em sua essência mais íntima – não apareceu como palavra feita, como oráculo de uma divindade escutado por um vidente ou adivinho, ou como se fosse um ditado divino (concepção tradicional), “mas como experiência viva, como ‘dar-se conta’ a partir das sugestões e necessidades do que estava em volta e apoiada no contato misterioso com o sagrado. É vontade de Deus revelar-se nas e através das religiões para que seus bilhões de filhos de filhas experimentem, na fé, seus constantes auxílios. Por isso que, acima de tudo, é preciso ter respeito e diálogo para não pretendermos fechar em nossas concepções limitadas o jeito ilimitado e criativo de Deus se revelar.

Modjumbá axé!

Pe. Degaaxé

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