Como já mencionei, o primeiro texto dá um destaque à figura de Salomão que, depois de ter ido a Gabaon oferecer sacrifícios a Deus, é interpelado por este em sonho. Deus toma a iniciativa de ir ao seu encontro, pois sabia de suas dificuldades, por ser tão jovem e inexperiente diante da grande responsabilidade de governar o Povo de Deus. Na verdade, Deus continua a guiar seu Povo, na pessoa dos reis que se deixam conduzir por ele. Salomão é colocado à prova e responde sabiamente: não pede riqueza, nem poder, nem prestígio político. Pede um coração sábio e inteligente para governar o povo. Este pedido agradou muito a Deus que, não somente lhe concedeu o que ele pediu, mas lhe deu muito mais: ‘riqueza, glória e vida longa’.
A sabedoria, para Salomão é o maior tesouro a ser conquistado, sem o qual não é possível ser uma boa liderança, correspondendo à vontade de Deus e sendo aprovado por todos e todas. Para africanos e afrodescendentes, a sabedoria de alguém não se mede pelo acúmulo de conhecimentos acadêmicos, mas pela experiência de vida acumulada. É por isso que, na África, a figura considerada símbolo de sabedoria é a pessoa idosa. Chega-se até a dizer que ‘um idoso sentado enxerga mais longe do que um jovem de pé’. Existe ainda outro ditado popular africano que diz: ‘um idoso que morre é uma biblioteca que se fecha’. Não é sábia a atitude de afastar idosos de suas famílias e confiná-los num asilo para morrerem à míngua. O olhar da pessoa idosa que vive com dignidade aponta para a plenitude, para Deus. Sábio realmente é quem consegue olhar além. Todos os sábios são inteligentes, mas nem todos os inteligentes são sábios.
Esta reflexão nos permite fazer um gancho com a sabedoria popular. Algumas pessoas têm um dom nato para certos conhecimentos que não depende de livros e, ao mesmo tempo, os ultrapassam. Na África, são reconhecidos os Chefes de tribo, os Curandeiros, as Benzedeiras, as Rezadeiras, tão presentes e atuantes também em nossas culturas afrobrasileiras. É preciso reconhecer o valor desta gente, pois de modo algum tira o povo de ir para a Igreja e para missa. Pelo contrário, é um incentivo. Por exemplo, minha mainha é Ministra extraordinária da comunhão eucarística e é rezadeira, muito procurada pelos vizinhos. Minha avó era católica de boa participação, mas também benzedeira, rezadeira, parteira e iniciada no Candomblé. Ela tinha lá os seus segredos e conhecimentos a respeito do poder das ervas e das rezas, o que fazia com que todo o pessoal da vila viesse ao seu encontro para consultá-la, sem deixar, é claro, de ir à missa canonicamente. Não a coloco como modelo para ninguém, mas lembro que esta situação não impediu a mim e toda a minha família de sermos dedicados à Igreja. ‘É preciso descolonizar as mentes’ e eliminar os preconceitos, pois a vida está em jogo.
A sabedoria é dom que leva ao discernimento e vai dando verdadeira identidade ao discípulo de Cristo. Agindo sabiamente, a pessoa que decidiu seguir Jesus, vive a alegria de ter encontrado um precioso tesouro escondido. Esta pessoa investe o melhor de si, renunciando a tudo por causa deste tesouro. Este tesouro é a abundância de bens e de dons que Deus concede, em sua bondade, àqueles e aquelas que se põe a servi-lo. Na verdade, poder servir o Reino de Deus com sabedoria é o maior tesouro que a gente pode ter. Mas este serviço traz suas exigências: renúncias, desapego e despojamento. Recordemos a lógica do Reino: perder para ganhar. Nada se compara à grandeza e à beleza do tesouro e da pérola que é o Reino de Deus. Quando os encontramos ou quando nos deixamos encontrar no serviço do Reino, nada mais nos interessa.
O Reino de Deus é também como uma rede lançada ao mar, que apanha de tudo. Os pescadores procuram fazer o discernimento sobre o que se deve deixar e o que se deve aproveitar. Quem é tocado pela mensagem de Jesus, não possui para si a riqueza do Reino, mas tira do seu tesouro muita riqueza para partilhar com os irmãos e irmãs. Os afrodescendentes aprenderam a trabalhar com o melhor de si e não com o que fizeram deles. Isso nos faz lembrar uma frase de um autor: não importa o que fizeram de nós o que importa é o que fazemos com o que fizeram de nós. O Povo negro não é vingativo, é criativo. Tem retribuído o mal com o bem e, diante de situações de morte, têm manifestado muita vida através de seus valores, de suas capacidades, de sua alegria, do seu gingado, de sua luta, de seu axé. Até nisso o Povo negro demonstra muita sabedoria. É sábio quem não entrega o controle do seu ser para outros.
Precisamos pedir muito a Deus o dom da sabedoria para discernirmos o que realmente vale a pena em nossos relacionamentos com as pessoas e na evangelização de um modo geral. A alegria por termos encontrado o tesouro da vocação cristã encheu a nossa vida de sentido. Devemos partilhar com coragem e criatividade a riqueza do nosso tesouro com tantas pessoas, renunciando a todo preconceito e intolerância que impedem a manifestação da riqueza do Reino de Deus.
Pe. Degaaxé
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