Torres Queiruga recorda algo fundamental, que não teve, ao longo da história, uma interpretação justa: “Deus escolhera um povo, ao qual somente entregara a revelação sobrenatural, deixando todos os outros no estado de uma religião natural”. Esta concepção talvez tenha dado o direito de desprezar os demais, considerando que, fora do povo eleito, era tudo trevas. Uma frase que ilustra muito bem isso é: “Eu te farei luz das nações”, que aparece não somente uma vez, reforçando ainda mais a compreensão (Is 42, 6; 49, 6; At 13, 47). Este particularismo salvífico, segundo o nosso autor, se apoiava em uma visão de mundo muito limitado e que até justifica, num certo sentido, a visão unilateral de salvação, levada adiante pela Igreja, por certo período. Esta visão, por sorte foi superada quando o concílio vaticano II reconheceu a verdade e a eficácia salvadora das outras religiões.
Torres Queiruga reconhece que a revelação de Deus não tem fronteiras, ou seja, Deus é livre para se revelar em outros espaços, porque justamente o seu amor é sem fronteiras. As religiões, no fundo, buscam configurar de forma visível esta descoberta e por isso se consideram reveladas. “E é preciso sempre partir, portanto, do princípio de que todas as religiões são verdadeiras e constituem, por isso mesmo, caminhos reais de salvação para os que honestamente os praticam”.
Como, então, interpretar o privilégio da eleição de um povo por parte de Deus? O nosso autor nos responde sinteticamente com duas idéias:
“A primeira é a ‘presença real’ – salvadora e reveladora – de Deus no coração de toda a história dos homens, traduzida mais concretamente nas religiões. Isto deve eliminar pela raiz todo esquema subconsciente que tenda a manter a equação cristianismo/religiões = revelação/não-revelação.
A segunda se refere ao fato de que a ‘eleição’ é uma necessidade histórica que não consiste em privilegiar para separar, e sim em ‘intensificar’ a uns para chegar melhor a todos. Aqui o esquema subconsciente a eliminar é o de ‘nós sim’/’os outros não’, normalmente traduzido em ‘nós verdadeiros’/’os outros falsos’”.Estas duas formulações nos permite considerar que há duas dimensões: crística e cristã. A dimensão crística acena para as ‘sementes do Verbo’ espalhadas, desde o princípio, no seio das culturas, tendo a religião como seu coração. A dimensão cristã tem como centralidade o evento Jesus Cristo e a reformulação de seus ensinamentos e práxis pelas Primeiras comunidades. O nosso autor continua:
“Quando se examinam de perto as riquezas do budismo ou da tradição hinduísta, quando se admira a grandeza de Zaratustra e também, em tantos aspectos, a Mahoma, já não se pode continuar crendo, sem ferir o senso comum, que fora da Bíblia tudo são trevas ou que as outras práticas religiosas têm sua origem no diabo (...) As religiões, cada uma delas, são totalidades complexas de resposta ao divino, 'com suas diferentes formas de experiência religiosa, seus próprios mitos e símbolos, seus sistemas teológicos, suas liturgias e sua arte, suas éticas e estilos de vida, suas escrituras e tradições - todos elementos que interagem e se reforçam mutuamente. E estas totalidades diferentes constituem diversas respostas humanas, no contexto das diferentes culturas ou formas de vida humana, à mesma realidade divina, infinita e transcendente'”.
Esta reflexão, certamente deve nos levar a repensar nossas posturas com relação à alteridade, à diferença. Já sabemos a que desastres podem levar certas posturas preconceituosas (confira no artigo deste blog sobre racismo). No relacionamento com pessoas de outras religiões, procuremos usar o melhor de nós para possibilitar a mesma atitude da outra parte e nos enriqueceremos mutuamente. Nisto consiste a verdadeira sabedoria. Que Deus nos ajude!
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé
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