quinta-feira, 21 de julho de 2011

NOVAS CRISTOLOGIAS: ONTEM E HOJE

RESENHA



HURTADO, Manuel. Novas cristologias: ontem e hoje – algumas tarefas da cristologia contemporânea. In Persp. Teol. ano 40, n. 112, set/dez, 2008, p. 315-341.

O autor Manuel Hurtado SJ é doutor em teologia pelas Faculdades Jesuítas de Paris, (Paris, França), onde defendeu a tese intitulada La doctrine de l’Incarnation em théologie chrétienne des religions: Ses enjeux pour Le débat contemporain. É professor de teologia sistemática na Universidade Católica Boliviana (Cochabamba) e na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (Belo Horizonte, MG). Trabalha no Departamento de Planejamento Acadêmico do Instituto Superior de Filosofia e Humanidades “Luis Espinal” (Cochabamba, Bolívia). Tem experiência no ensino da cristologia, antropologia teológica, teologia trinitária e teologia cristã das religiões.

O presente texto é um dos muitos artigos do nosso autor. Está distribuído didaticamente em três partes, com uma série de itens que favorece o interesse de quem lê. A primeira parte é uma análise breve sobre teologia do século XX, que, no início tinha um cunho apologético, dissociando cruz e ressurreição. Com o passar do tempo, essa unidade é recuperada e a própria cristologia, remete-se às suas origens bíblicas. A segunda parte fala das novas cristologias de hoje como caminhos dos seres humanos abertos à interpelação do Espírito de Cristo. Na terceira e última parte, temos as tarefas da cristologia contemporânea, com a reflexão de títulos já cultivados pelas comunidades cristãs para falar do mistério de Jesus Cristo: o Jesus Mediador, Caminho, Verdade e Vida e o Filho do Homem. A conclusão apresenta a identificação de Deus, em Jesus, com os pobres, manifestando a sua solidariedade e provocando uma nova práxis para a cristologia.

O autor Manuel Hurtado inicia seu artigo dizendo que o centro de nossa fé é a pessoa de Jesus de Nazaré que nos leva à comunhão de vida com o Pai e nos entrega seu Espírito. A reflexão teológica no principio do século XX, era de cunho neo escolástico, na qual estava praticamente ausente o tratado do Verbo encarnado da área da cristologia e o tratado da Redenção centralizava a salvação na cruz, dissociada da ressurreição. A nova cristologia terá uma visão integral do evento pascal compreendido como a unidade da passagem da morte à ressurreição. Cristologia e soteriologia, portanto, podem ser concebidas como dois aspectos de uma mesma realidade teológica. A própria cristologia terá que dar razões da fé, remetendo às origens, passando pelas Escrituras e assim enfrentar os problemas próprios ligados à história.

O nosso autor faz uma bonita consideração da vasta reflexão cristológica fora do contexto europeu, apontando, dentre as novas cristologias, algumas orientações: a primeira delas é Cristo e a libertação, que reforça a idéia da identificação de Cristo com a pessoa dos pobres, destacando a corrente feminista e afro-americana. A segunda orientação é Cristo e as culturas que refere-se às cristologias africanas na linha da inculturação: atribuir a Cristo certos aspectos e funções que têm grande importância em muitas culturas do contexto africano e asiático. A terceira orientação e a mais desafiante é Cristo e as religiões. A partir de teólogos como Raimon Panikkar, Aloysius Pieris e John Hick, o nosso autor apresenta as diferentes tendências na relação de Cristo com as demais religiões.

Diante disso, Hurtado propõe algumas tarefas para a cristologia contemporânea, privilegiando três títulos cristológicos para chegar a uma sistematização. Apresenta os títulos de Mediador, diferenciando de intermediário, o que o torna único, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; o de Caminho, Verdade e Vida, e o de ‘Filho do Homem’. Quer com isso resgatar unicidade de Jesus Cristo, sua Kenosis e a solidariedade com a humanidade, identificando-se com a sua realidade

Do ponto de vista didático, é inegável o esforço do nosso autor, apresentando em tão poucas páginas um conteúdo tão rico. Ele se revela muito seguro naquilo que diz, com uma linguagem muito clara e sintética, permitindo ao leitor, ter uma visão geral da caminhada e desenvolvimento da cristologia, especialmente com os seus novos rostos. Causou-me grande impressão o fato de ele ter destacado na primeira e última página a centralidade de Jesus. Assim como ele mesmo diz, na primeira página, que “o centro de nossa fé é a pessoa de Jesus de Nazaré” e “no coração desta teologia só pode estar a ‘figura’ de Jesus Cristo, ícone da revelação do mistério de Deus”, ele encerra afirmando: “o conhecimento pessoal de Jesus Cristo deve ser situado no coração mesmo da reflexão cristológica”. Esta mesma impressão prevalece no desenvolvimento de todo o texto. Trata-se de uma recentralização da pessoa de Jesus como nos é revelado nas Sagradas Escrituras, para um discurso consistente sobre ele.

É de se levar também em consideração o tema da humanidade de Deus quando o nosso autor destaca a identificação deste Deus com a humanidade ferida e desfigurada, colocando a pessoa dos pobres como o principal referencial. É a própria imagem de Deus que é atingida, pois, em Jesus, Deus quis ir até o mais desfigurado do ser humano e do humano, os pobres. Esta descida e identificação não foi para deixá-los do mesmo jeito, mas para ajudá-los a superar a realidade que os marginaliza, fruto de um modelo de sociedade  injusta, marcada por privilégios. Percebo uma forte proximidade com a reflexão realizada pela cristologia na América Latina, que tem o pobre como lugar teológico, “lugar privilegiado da cristologia”. Jesus experimentou na própria pele o que significa a pobreza por ter nascido pobre entre os pobres, sendo mais pobre que eles. É assim, portanto, em solidariedade para com estes, que ele manifesta a sua verdadeira humanidade. A verdadeira humanização passa pela libertação e dignidade dos pobres, os preferidos de Jesus.

            No seu conjunto, a “obra” traz valiosos elementos para estudo e debate na área da cristologia. Por isso a recomendo a professores e estudantes de teologia a fim de que deixem arder o coração, como é proposta final do nosso autor e façam a experiência do conhecimento e do encontro pessoal com este Deus-Homem que se faz caminho para que a cristologia, indo atrás dele, seja feita em caminho e tenha verdadeira consistência em seu discurso.



Modjumbá axé!

Pe. Degaaxé


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