segunda-feira, 20 de junho de 2011

CONSCIÊNCIA NEGRA E MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO

CONSCIÊNCIA NEGRA E MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO




 “Como verdadeira missa, a missa afro é pascal: celebra a morte e a  ressurreição do povo negro, na morte e ressurreição de Cristo”
                                                                                            Dom Pedro Casaldáligas



Consciência negra

Antes de mais nada, é necessário esclarecer que a consciência de que vamos falar, não é a consciência moral, aquela que, como um juiz, pois julga nossos atos e atitudes. Nem tampouco consciencia negra traz o carater negativo que havia no passado: consciência pesada ou consciência carregada de culpabilidade. A nossa reflexão não segue esta linha.

Consciência negra para os afrodescendentes é convicção, tomada de posição, sentido de pertença. Longe de ser culpabilidade, trata-se do cultivo de uma auto-estima sadia, caracterizado pelo reconhecimento, na propria vida, dos valores e características pertencentes ao povo negro. É o processo que chamamos vivência da negritude - um jeito de ser e de viver de cada negro ou negra que assume com coragem e ousadia a pròpria identidade negra. Este processo tem sua origem no século XVII, quando muitos negros e negras, descontentes com a situação de escravidão, se rebelaram, assumindo sua própria história, criando uma sociedade alternativa (quilombos), onde pudiam ser eles mesmos, cultivando o valores de liberdade, de solidariedade, de fraternidade. Aqui damos um grande destaque a figura de Zumbi, um dos líderes do Quilombo dos Palmares. Este quilombo foi atacado, em 1695, pelas tropas do governo da época e, em 20 de novembro do mesmo ano, Zumbi é assassinado. Sua cabeça é exposta numa praça em Recife (Pernambuco), para inibir os negros/as revoltosos. Em resposta, aumentou-se o numero de quilombos em todo o território nacional e este tornou-se um dia para jamais ser esquecido. Em memória a Zumbi dos Palmares, se celebra, neste dia, o Dia Nacional da Consciência Negra.



A Pascoa de Cristo nas páscoas da Comunidade Negra

Tendo presente que Páscoa é a passagem de uma situação de escravidão para a liberdade, Jesus realiza a nova Páscoa no seu Sangue derramado, trazendo a toda a humanidade, a libertação do pecado, da morte e de tudo aquilo que atenta contra a vida. Jesus é aquele que morreu, mas ressuscitou, identificando-se com todos os crucificados da nossa história, não para que deixá-los do mesmo jeito, mas para trazer-lhes um novo sentido de viver. O povo negro se identificou muito com este processo e começou a celebrar a sua história sofrida, mas cheia de esperança, no Mistério da Páscoa de Cristo, encontrando aí um sentido novo. A partir daí, nasce a Missa dos Quilombos (1981), com os Bispos Don Hélder Camara, Dom José Maria Pires (Dom Zumbi), e Dom Pedro Casaldáligas. Atualmente, a terminologia usada é Liturgia a caminho da inculturação em meios afrobrasileiros, pois é feito um resgate dos valores afros na liturgia, celebrando, portanto, com um novo rosto, tomando consciência da riqueza do Reino de Deus, que acontece na diversidade de valores e culturas. Sobre estas celebrações, o teólogo Pe. Toninho, de saudosa memória, vai dizer: "São fortemente marcadas pela experiência de uma espiritualidade que nasce da vida. E também centrada nas dimensões escatológicas e libertadoras".

Na verdade, não se tem a pretenção de impor nada a ninguém mas de reconhecer a contribuição do povo negro na formação da sociedade brasileira, com toda a sua beleza e esplendor, e também no dinamismo evangelizador da Igreja, pela criatividade dos gestos, da alegria, da dança, da acolhida, da comida, dos símbolos. Vem nos chamar a atenção sobre a riqueza e beleza da Liturgia que, segundo o Vaticano II, deve acontecer sempre “segundo a mentalidade de povos e culturas”. É Jesus Cristo se fazendo entender e acolher no jeito de ser negro, negra e, como diz a nossa reflexão teológica inculturada: O Deus dos oprimidos em nosso meio assume o nosso rosto, nossa cor, nossa cultura, nosso jeito.  Cristo realmente entra em nosso mundo, onde os pobres, os desprezados e os negros estão, revelando que está com eles, sofrendo a humilhação e a dor deles e transformando a sua realidade". Acredito que quem não consegue sentir Jesus numa celebração assim, jamais entenderá o porquê da sua encarnação e nem tampouco o Mistério de sua Paixão, Morte e Ressurreição.

No sangue de Cristo, encontramos o sangue de Zumbi dos Palmares e de todos os mártires da causa negra de todos os tempos e lugares. Portanto, não é momento de se lamentar, mas de bendizer a Deus e continuar cultivando a fraternidade, a solidariedade e a luta, para fazer acontecer o seu Reino na vida de tantas pessoas, afrodescendentes ou não. É bom lembrar também que, inspirados no gesto solidário de Cristo, a nossa é  também uma luta solidária, pois nos sentimos unidos a todos aqueles e aquelas que em nossa sociedade lutam por justiça, dignidade e vida. Muitos destes completam na própria carne aquilo que falta à paixão de Cristo. Mas sabemos que Deus se faz ser humano em Jesus para libertar o ser humano de tudo daquilo que não o deixa ser humano. É por isso que lutamos. Acreditamos que uma outra realidade ainda é possível. Dizemos mais uma vez com Dom Pedro Casaldàligas que “quem celebra a paixão e morte do Senhor, acredita na libertação de todas as pessoas e povos. A sua Páscoa é a nossa páscoa. Na sua morte entram todas as mortes, na sua Ressurreição vivem, sobrevivem, todas as esperanças”.



Modjumbá axé!




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