SOMANDO ESFORÇOS NA LUTA CONTRA O RACISMO E SUAS VERTENTES
Como sociedade brasileira, o fato de termos alcançado um bom desenvolvimento econômico, modernização das indústrias e outros avanços, não significa ainda diminuição das diferenças entre diversos segmentos raciais da população. As mudanças e modernização da sociedade jamais poderão ocultar o processo permanente de discriminação sistemática vivido pela comunidade negra. A conclusão que tiramos de tudo isso é que ainda vivemos sob o estigma da escravidão, vítimas do racismo e discriminação veladas.
Em 2005, Kofi Annan, quando ainda era Secretário-Geral da ONU, salientou que, “apesar de décadas de esforços para erradicação deste problema, o vírus do racismo continua a infectar as relações e as instituições humanas, em todo o mundo. Hoje, as velhas estirpes do vírus, como a discriminação institucionalizada, as desvantagens indiretas, a violência racial, os crimes inspirados pelo ódio, o assédio e a perseguição conjugam-se com novas formas de discriminação, desafiando aparentemente muitos dos avanços já alcançados” (Revista Mundo e Missão Pág. 19).
Existem pessoas que insistem em dizer que não existe racismo e que isso é uma espécie de “forçar a barra” por parte dos afrodescendentes. Dizem ainda que “ estes negros estão querendo chamar atenção” ou que “estamos numa democracia racial”. Com certeza, o pior cego é aquele que não quer enxergar. Só sabe o que tudo isso significa quem sofre na própria pele. Quantas pessoas ainda acham que o sistema de cotas trata-se de um “racismo ao contrário” ou que, assim como muitos conseguem entrar na faculdade com o próprio esforço, também deve acontecer com os negros. Antes de mais nada, os afrodescendentes não têm as mesmas oportunidades que os demais (situação que vem de muitos séculos atrás) e, depois, não se está pedindo favor a ninguém. As cotas são uma espécie de reparação, pois a própria sociedade tem uma dívida histórica com o povo negro. A militância está apenas exigindo os direitos que foram historicamente negados, desde a falsa “abolição da escravatura”.
Diz Carlos Moura, que o “preconceito racial é a negação do ser humano”. É que temos dificuldade de conviver com quem pensa e age diferente de nós e aceitar que ele possar nos enriquecer. Então o negamos, impedindo que ele seja quem deve ser. O cultivo de uma alteridade equilibrada vai fazer com que eu me coloque no lugar do outro. Refletindo com Emanuel Lévinas, aprendemos a colocar o outro no lugar do ser. Nesta visão, o outro não é um objeto para um sujeito. "... Tudo começa pelo direito do outro e por sua obrigação infinita a este respeito. O humano está acima das forças humanas." Ao invés do indivíduo agir frente ao outro como gostaria de ser tratado e que isto deveria ser uma norma universal, é a descoberta do outro que impõe a conduta adequada. Cada um é constantemente confrontado com um próximo. Não sou Eu frente ao Próximo (Outro), mas sim os Outros continuamente frente a Mim. Deixa de ter sentido a máxima "A minha liberdade termina quando começa a dos outros", sendo substituída pela proposta de que a minha liberdade é garantida pela liberdade dos outros. Se perguntarmos a Jesus, como faziam os “justos” do seu tempo: ‘e quem é o meu próximo?’ A resposta seria: é todo aquele que tem o direito de esperar algo de você (Segundo, teólogo latino-americano).
Um estudioso dizia que a desigualdade racial é fruto da desigualdade social. Quer dizer que, se resolvermos o problema da desigualdade social é possível resolver a desigualdade racial. Isto é algo a ser levado muito em conta em nossas reflexões e militância. A sociedade não precisa temer a ascensão do povo negro, pois não existe espírito de vingança e sim a busca de uma outra realidade possível, caracterizada pela igualdade de direitos, dignidade e oportunidades. Precisamos reconhecer, com o documento de Aparecida, que a história dos afro-americanos tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política, sobretudo racial onde a identidade étnica é fator de subordinação social. São várias as situações de discriminação: trabalho, qualidade da educação, relações cotidianas. Existe também o ocultamento sistemático de seus valores, história, cultura e expressões religiosas (DAp, n. 96).
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, preconiza, como objetivos essenciais da República Federativa do Brasil, “a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem comum e diz que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Em 1989, foi promulgada a Lei n° 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, tipificando condutas que obstem acesso a serviços, cargos e empregos em razão dos tipos de preconceitos citados. Em 1997, ela foi complementada pela Lei n° 9.459, que incluiu novos tipos penais, visando principalmente combater os crimes resultantes de discriminação ou preconceito. Apesar da legislação avançada, a coibição da discriminação racial no Brasil não tem sido muito eficaz, pois além de ser velada, em geral é praticada por pessoas de classes sociais elevadas, dificilmente punidas criminalmente (Cf. Rev. Mundo e Missão, p. 19).
Concluimos, dizendo que, o racismo é crime e a denúncia é um passo muito importante a ser dado. No entanto, para assegurar o respeito incondicional à dignidade humana não são suficientes medidas repressivas e punitivas: é essencial educar e conscientizar, desde a infância, para os valores da igualdade, do pluralismo, da inserção e da inclusão social (Cf. Revista Mundo e Missão, p. 19). O documento de Aparecida também nos ajuda neste sentido, pois para ele, os afrodescendentes só poderão experimentar afirmação plena de sua cidadania, se houver uma mudança de atitude na Igreja e na sociedade, caracterizada pela descolonização das mentes, do conhecimento, recuperação da memória histórica, fortalecimento dos espaços e relacionamentos inter-culturais (Cf. DAp, n. 96). Acolhamos, portanto, estes desafios.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé
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