O seguimento de Jesus tem muito disso. O chamado que Deus faz a alguém é expressão de sua bondade e generosidade, mas Jesus diz que é preciso radicalidade para corresponder, principalmente no modo de amar e servir. Ele diz que é preciso amar as pessoas, assim como citou o exemplo do Bom samaritano e deixou como testamento o amai-vos uns aos outros, como identidade dos seus discípulos e discípulas. A forma como a gente ama comprova se estamos aptos para segui-lo. Pra começar, o compromisso que assumimos com ele está acima de tudo. Aqui está a medida do nosso amor por Jesus: acima de tudo, até dos compromissos familiares. Devemos amar a família e todas as pessoas, mas não no mesmo nível de Deus. Mas Jesus lembra ainda aos seus discípulos que o amor a Deus, do qual ele fala, não pode ser abstrato, espiritual apenas. Passa pela cruz da contradição, que é a lógica do Reino: perder para ganhar, morrer para viver, ser o último pra ser o primeiro. Carregar a cruz com Cristo é reconhecer que esta cruz tem sido pesada nos ombros de tantos irmãos e irmãs que, por clamarem por justiça, respeito e dignidade são literalmente crucificados. Pensemos no drama do racismo, da discriminação, do preconceito e da intolerância religiosa... são verdadeiras cruzes nas quais são pregados muitos afrodescendentes ou são peso que a sociedade acha que devem carregar pelo resto de suas vidas. A dinâmica do seguimento de Jesus, diz que é preciso ‘descê-los da cruz’ ou, ao menos, não aumentar o peso nos seus ombros.
'Existe um princípio no judaísmo de que o mensageiro é encarnação daquele que o enviou’. Jesus se identifica com aqueles e aquelas que são enviados em seu nome e lembra que todo gesto de amor e acolhida com relação a eles não ficará sem recompensa. Portanto, acolher bem as pessoas nos leva a fazer experiência do Jesus peregrino, de pés e mãos calejadas e rosto curtido. Jesus quando se encarnou, assumiu a nossa humanidade e levou a sério esta opção. Ele dignificou o humano, nos divinizando, de sorte que não precisamos deixar o humano para encontrá-lo. Ele se faz encontrar nas experiências humanas, ou seja, o ser humano se tornou espaço de encontro com divino em Jesus. Através dele a nossa humanidade alcança o mais alto grau de dignidade. Quando esta humanidade é ferida, machucada na pessoa dos pobres e vítimas do racismo e suas vertentes, certamente Jesus é atingido. Para o Povo negro, o ser humano é sagrado por ter sido criado por Deus e por ser parte integrante do universo, Santuário de Deus, no qual a terra é o altar de sua oferenda, na oferta acolhida da vida, da riqueza e partilha de dons, enfim, na fraternidade.
Os males que ainda existem em nossa sociedade que agridem a dignidade das pessoas, revelam a nossa resistência com relação a vida nova que Jesus nos trouxe e que o batismo nos faz experimentar de uma forma sem igual. Tratar mal as pessoas é uma opção, mas é uma opção indigna do ser humano salvo por Jesus. Jesus também experimentou na própria pele o que é ser discriminado, desprezado: ‘pode vir algo de bom de Nazaré?’ ‘Quem é este que diz estas coisas? Não é ele o filho do carpinteiro?’. No entanto, Jesus prossegue o seu caminho, libertando quem é oprimido e convidando à conversão os opressores. É assim que deve agir o afrodescendente e todo o que se diz discípulo de Jesus: seguir o seu caminho, fazendo história, mesmo sem reconhecimento, mas consciente do seu papel de agente de transformação.
Além de identificar-se com quem vai, Jesus quer que acolhamos bem a quem chega. Na África, a acolhida vai além de um simples gesto. Quando as pessoas entram na amizade da família, passa a fazer parte daquela família. Aqui no Brasil, em épocas de escravidão, o povo negro, nos quilombos, acolhiam os indígenas que estavam sendo dizimados e os de outras raças que, por não concordarem com o sistema escravagista opressor, eram perseguidas. Estas pessoas eram incorporadas à família quilombola, protegidas e tratadas dignamente. Esta cultura da acolhida está muito arraigada no povo brasileiro, especialmente entre os mais pobres, que ‘fazem das tripas coração’ para acolher bem a alguém. São capazes de ficar até sem o alimento para que a visita possa comer.
De um modo geral, para acolher bem não basta ter boa vontade, é preciso espírito de fé, caso contrário, seremos dominados por interesse e segundas intenções. Nós, enviados em nome de Jesus, somos comparados aos profetas da Antiga Aliança: somos pessoas de Deus, quando tomamos consciência de ser portadores de sua mensagem de salvação para um mundo que esqueceu de amar. Carreguemos a cruz que Jesus nos concedeu, a cruz do despojamento, da fidelidade ao projeto de Deus, da vida e da salvação, por mais que estejamos em meio a situações de morte. Jesus se identifica conosco e sofre conosco as rejeições. Ao mesmo tempo, pede que multipliquemos os gestos de acolhida e hospitalidade, para humanizarmos o mundo e as relações. Acolhamos as pessoas como ‘pessoas de Deus que precisam de lugar em nossa vida, em nossa amizade, em nosso coração’.
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé
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