terça-feira, 21 de junho de 2011

EXPERIÊNCIA DE DEUS NA FACE DO OUTRO: UM MISTÉRIO QUE ME ULTRAPASSA

            Para esta reflexão utilizo um dos escritos do Pe. Waldemar, quando então Casante da Família Calabriana, o qual nos falava da paixão por Deus e pelo ser humano, tendo como ícones a Samaritana e o Bom Samaritano. Faço uso também do livro Se quiser experimentar Deus, escrito pelo monge Anselm Grüm.

Paixão por Deus: A Samaritana e a nossa experiência de Deus

Se tomarmos em mãos o texto de João 4, 1-42 e lermos atentamente, veremos que o grande momento daquela mulher samaritana, não está no texto. Seu grande momento foi a decisão de ir buscar água naquele dia, naquele horário e naquele poço. Alguém estaria lhe esperando e isto ela não sabia. De fato, não foi decisão dela (“Não fostes vós que me escolhestes...”). Como ela fez tantas vezes, embrenhou-se numa verdadeira aventura, mas diferentemente das outras vezes, esta aventura lhe trouxe verdadeiro sentido. Ela realizou uma experiência de plenitude, de vida eterna.
           Experiência tem a ver com desinstalação, com disposição. Se quero experimentar algo, tenho que estar disposto. “Não existe experiência desinteressada. Só pode experimentar alguma coisa quem deseja experimentar” (Scholl). Toda experiência exige uma abertura interior, um abrir-se para deixar que o novo entre dentro de nós e disposição para deixar-nos atingir e tocar por aquilo que vem ao nosso encontro.
Experimentar, muitas vezes, tem a ver com sofrer. Quem quiser se preservar de todos os perigos, terá que ficar em casa. Pôr-se a caminho pode ser perigoso. Quem quiser experimentar alguma coisa tem que arriscar. Aquele que sai de viagem está correndo um risco. Sem correr riscos, ninguém pode experimentar coisas novas.
A partir do Cântico dos Cânticos, sabemos que a razão de buscarmos a Deus é que Deus nos procurou e nos tocou com seu amor. Nossa busca de Deus é, portanto uma história de amor. Nosso anseio pelo amor de Deus só há de se encerrar com a morte, quando encontrarmos Deus em definitivo. No dia em que desistirmos de buscar a Deus, passaremos a nos contentar com coisas sem valor, como o filho pródigo da parábola (Lc 15, 11-32). Nesse dia procuraremos saciar nossa fome com as bolotas destinadas aos porcos. Só enquanto buscarmos a Deus é que nossa alma permanece viva.
Através desta situação (encontro com a Samaritana), Jesus nos garante que nossa vida é o verdadeiro lugar do encontro e da experiência de Deus. Se não conseguimos sentir a Deus é porque não temos coragem de nos sentirmos a nós mesmos. Falta coragem para admitirmos nossas reais limitações. O que escondo de mim mesmo, esconde de mim a face de Deus. Sendo assim, continuarei com sede, vazio. Percebamos então, que Jesus só se revelou quando a mulher se desarmou.
Deus mesmo colocou em nosso coração o desejo da eterna comunhão com ele. Queiramos ou não, em tudo quanto buscamos apaixonadamente, em última análise, estamos em busca de Deus. Esta mulher trilhou por tantos caminhos e... nada. Jesus a ajudou a descobrir que sua sede era sede de sentido, de plenitude, sede de Deus.
Todos nós conhecemos a célebre palavra de Santo Agostinho: “Inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti, ó meu Deus”. E ainda: “Não acredito que possa encontrar alguma coisa que eu deseje tanto como Deus”. Nossa vocação é manter vivos os desejos do coração, para que assim permaneça aberto para Deus, e para que este coração se abra também para as outras pessoas. Não há outro modo de experimentar plenitude de vida.
Quando me interrogo por meu desejo mais profundo, descubro como desejaria responder ao desejo que Deus tem por mim, ao amor de Deus. Meu desejo mais profundo consiste em me  fazer inteiramente transparente para o amor e a bondade de Deus, para a misericórdia e a doçura de Deus, sem deturpação alguma por meu egoísmo, sem nenhum obscurecimento por meio de minha própria necessidade de reconhecimento e de êxito. Assim estarei sempre mais aberto às necessidades alheias como um bom samaritano.
Paixão pelo ser humano: Ser Bom Samaritano para encontrar Deus

           Os discípulos viram a Deus na face de Jesus cristo. No encontro com o ser humano Jesus, Deus se manifestou a eles. Na maneira como Jesus falava, em seu jeito de olhar, de tocar, de dirigir-se aos outros, eles experimentaram a Deus. “Quem me vê, vê o Pai” (Jô 14, 9).
Não é só em Jesus que podemos ter a experiência de Deus, mas também em cada ser humano. No monaquismo primitivo, vigorava esta palavra: “Quem vê o irmão, vê a Deus”. O próprio Jesus, no discurso do juízo final em Mt 25, 31-46, identificou-se com os pobres, os doentes, os sem-roupa e sem-teto.
Na verdade, para com estes caídos à beira do caminho, devo ter as mesmas atitudes de Cristo. Este é meu lugar de encontro com o verdadeiro Deus. Tomando o texto de Lc 10, 25-37, vemos que Jesus é o Bom Samaritano, por excelencia, pois se inclinou à nossa miséria, nos ergueu e nos curou. Convida a termos suas mesmas atitudes e sentimentos. Quem reconhece o próprio Cristo no rosto de quem sofre necessidade, há de ir ao seu encontro de uma forma diferente e de tratá-lo de maneira diferente. Não podemos ver Deus diretamente no ser humano. É necessário termos olhos de fé para nesta pessoa concreta vermos mais do que os olhos vêem. Tenho que meditar profundamente no mistério do ser humano. Não posso restringir o outro àquilo que nele percebo. Em cada um está presente um mistério que o ultrapassa, um núcleo divino, e mais, Deus mesmo mora em cada ser humano. Se eu realmente meditar sobre o outro, hei de reconhecer quão pouco sei sobre ele, e como nele me deparo com algo que não sou mais capaz de descrever. É Deus, em última análise, que brilha para mim no irmão e na irmã. Para que o outro seja meu próximo, eu preciso fazer-me próximo a ele.
De muitos santos se conta que Deus veio ao seu encontro justamente na face do pobre e do enfermo. Quando São Martinho dividiu seu manto com o pobre, Cristo apareceu-lhe em sonhos e lhe revelou que aquele pobre era ele mesmo. Quando São Francisco beijou o leproso, nele reconheceu Cristo. Precisamente na pessoa que não tem nada de atraente a apresentar aos outros pode brilhar para nós o mistério de Deus. Esta realidade também não foi difícil para o Calábria que, a partir da sua descoberta sobre a paternidade de Deus, não considerava como estranhas as pessoas que lhe vinham ao encontro, mas irmãos e irmãs a serem amados e acolhidos, principalmente se passam necessidade. Podemos exercitar-nos para considerar o outro com os olhos da fé. Mas para que no outro possamos experimentar o próprio Deus, é  necessária a sua graça. Sempre é apenas por um momento que Deus brilha para nós no outro. Depois já não o vemos mais. Ocorre conosco o mesmo que ocorreu com os discípulos de Emaús. No momento de partir o pão “abriram-se os olhos deles e o reconheceram, mas ele desapareceu” (Lc 24, 31).
A experiência de Deus na face do irmão ou da irmã exige de nós total sensibilidade e atenção. Trata-se de um modo diferente de relacionar-se. Não podemos permitir que nossos encontros com as pessoas sejam tão vazios ao ponto de nos impedir de fazer a experiência do eterno, do Deus amor. Com certeza, cada encontro é uma partilha que se faz e nunca saímos mais pobres. Deus nos ajude a não perdermos um só instante que nos é dado para experimentá-lo e que estes encontros sejam verdadeiramente plenos de sentido.

Axé!
Pe. Degaaxé

Nenhum comentário: