quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O BEM QUE AS OUTRAS PESSOAS SÃO CAPAZES DE FAZER

       Diante da pluralidade religiosa, que busca responder à única e mesma realidade divina que se revela, a atitude mais sensata é o diálogo sincero, pois só temos a ganhar e crescer. O diálogo inter-religioso é resultado de uma consciência amadurecida entre os fiéis das diversas religiões a respeito do que Deus está revelando a todos e todas. Não podemos imaginar que Deus seja como um pai que tem muitos filhos, mas que escolhe alguns e aos outros despreza. A sua luz alcança a todas as pessoas. Ele se revela salvando porque ama e salva amando. Cada religião possui aspectos da mesma revelação que podem complementar o que é recebido pelas outras. As pessoas que participam das diversas religiões buscam, por diversos meios, o verdadeiro sentido para as suas vidas e são salvas não apesar de suas religiões, mas sim através delas.  
         Se usarmos as Sagradas Escrituras, mesmo que no Antigo Testamento se fale de um povo que se dizia “eleito” e, portanto, se achava no direito de desprezar os demais, encontramos muitos sinais de reconhecimento do modo livre de Deus agir. Encontramos muitos testemunhos nos profetas, mas queremos refletir um pouco sobre a figura de Moisés, considerado ‘libertador’ para os Israelitas. Aos poucos Moisés vai se acomodando à tarefa de ser guia do povo e se queixa de não ter força para carregar o povo sozinho e Deus reconhece, concedendo seu Espírito também a outras pessoas para que possam colaborar com ele em seu ministério pastoral (Nm 11, 25-29). Enquanto Moisés sentia que podia tudo sozinho, apenas houve esgotamento e stress, pois o povo continuava sempre insatisfeito, reclamando de mau atendimento. Deus somente intervém quando Moisés reconhece as próprias fraquezas e limitações. Não é a primeira vez que isso acontece, pois em Êxodo 18 também Moisés se apresenta como centralizador, com acúmulo de atividade, desnecessariamente. A situação se torna dramática: esgotamento dele e insatisfação do povo. Deus inspirou Jetro, sogro de Moisés, a dar-lhe um conselho: “distribuindo as atividades, tu não te esgotarás e o povo ficará satisfeito”. E assim aconteceu para o bem de todos e todas.
         Se tomamos o Novo Testamento, os casos se multiplicam, pois Jesus traz uma mensagem universal, diferente do exclusivismo judaico. Em um dos trechos do Evangelho de Marcos (Mc 9, 38-48), os discípulos haviam proibido alguém de fazer o bem em nome de Jesus, dizendo: “Ele não nos segue e por isso nós o proibimos”. Existe aqui um grande equívoco, pois a proposta de seguimento é a Jesus e não aos discípulos. A predominância do exclusivismo que mantemos sobre Jesus pode nos tornar fanáticos e o fanatismo não admite alteridade nem diferença. O outros serão sempre uma ameaça e devem ser eliminados. Jesus reconheceu fé e ações boas em pessoas que vinham ao seu encontro e que não eram do grupo dos escolhidos. Há pessoas que se dizem seguidoras de Cristo, mas não admitem que membros de outras igrejas e religiões possam dar lição de amor, de honestidade, de não violência, de serviço, de generosidade, de dedicação aos demais. O papa Bento XVI alerta: “devemos ser amigos de Jesus e não donos”.
        O Espirito de Jesus sopra onde quer, tornando-nos instrumentos da Palavra de Deus, juntamente com outras tantas pessoas. Demoramos muito para perceber isso e entramos em crise quando descobrimos que outras pessoas, de fora do nosso grupo, também recebem o mesmo dom que nós recebemos. Deus não se deixa prender nas cercas de nossas igrejas, paróquias ou grupos. Também não tem sentido qualquer monopólio de serviços e ministérios dentro da Igreja. Fazemos um bem imenso, mas devemos entender que outros também fazem. Isso, às vezes, nos deixa inquietos e preocupados. Por que será que isso acontece? Certamente, porque, por trás do bem que fazemos nem sempre tem uma reta intenção. Muitas vezes é fruto de orgulho e vaidade acumulados. Preocupamo-nos porque tememos perder o prestígio, que é nossa grande segurança. Se de fato for santa a intenção pela qual fazemos as coisas, devemos nos alegrar quando outros também despertam para fazer o bem como nós.
        Há pessoas que gostariam de esperar o melhor de nós, mas muitas vezes se sentem tão escandalizadas que até deixam de crer. Jesus insiste que não devemos escandalizar os pequenos que creem, ou seja, a nossa conduta, de modo algum, deve dificultar a fé dos outros. Colocar obstáculos àqueles que ainda não desenvolveram uma fé amadurecida, nos trás graves responsabilidades. Longe de querer eliminar os outros, devemos é eliminar as ocasiões que nos levam a pensar que somos melhores que os outros. A nossa vida precisa de alguns cortes profundos: hábitos, mentalidade, posturas. Cortes superficiais apenas nos deixam equivocados, iludidos e ainda mais pretenciosos. Nos falta coragem para admitir que somos limitados e que não estamos atingindo as pessoas no que elas mais precisam, porque perdemos de vista o essencial. Mais do que nunca, precisamos de uma conversão interior profunda para enxergarmos a existência do bem além do que os limites de nossas instituições e de nossas capacidades nos fazem perceber.

Axé
Pe. Degaaxé

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