Se usarmos as Sagradas Escrituras, mesmo que no Antigo
Testamento se fale de um povo que se dizia “eleito” e, portanto, se achava no
direito de desprezar os demais, encontramos muitos sinais de reconhecimento do
modo livre de Deus agir. Encontramos muitos testemunhos nos profetas, mas
queremos refletir um pouco sobre a figura de Moisés, considerado ‘libertador’
para os Israelitas. Aos poucos Moisés vai se acomodando à tarefa de ser guia do
povo e se queixa de não ter força para carregar o povo sozinho e Deus reconhece,
concedendo seu Espírito também a outras pessoas para que possam colaborar com
ele em seu ministério pastoral (Nm 11, 25-29). Enquanto Moisés sentia que podia
tudo sozinho, apenas houve esgotamento e stress, pois o povo continuava sempre
insatisfeito, reclamando de mau atendimento. Deus somente intervém quando Moisés
reconhece as próprias fraquezas e limitações. Não é a primeira vez que isso
acontece, pois em Êxodo 18 também Moisés se apresenta como centralizador, com
acúmulo de atividade, desnecessariamente. A situação se torna dramática:
esgotamento dele e insatisfação do povo. Deus inspirou Jetro, sogro de Moisés,
a dar-lhe um conselho: “distribuindo as atividades, tu não te esgotarás e o povo
ficará satisfeito”. E assim aconteceu para o bem de todos e todas.
Se tomamos o Novo Testamento, os casos se multiplicam, pois
Jesus traz uma mensagem universal, diferente do exclusivismo judaico. Em um dos
trechos do Evangelho de Marcos (Mc 9, 38-48), os discípulos haviam proibido
alguém de fazer o bem em nome de Jesus, dizendo: “Ele não nos segue e por isso
nós o proibimos”. Existe aqui um grande equívoco, pois a proposta de seguimento
é a Jesus e não aos discípulos. A predominância do exclusivismo que mantemos sobre
Jesus pode nos tornar fanáticos e o fanatismo não admite alteridade nem
diferença. O outros serão sempre uma ameaça e devem ser eliminados. Jesus
reconheceu fé e ações boas em pessoas que vinham ao seu encontro e que não eram
do grupo dos escolhidos. Há pessoas que se dizem seguidoras de Cristo, mas não
admitem que membros de outras igrejas e religiões possam dar lição de amor, de
honestidade, de não violência, de serviço, de generosidade, de dedicação aos
demais. O papa Bento XVI alerta: “devemos ser amigos de Jesus e não donos”.
O Espirito de Jesus sopra onde quer, tornando-nos
instrumentos da Palavra de Deus, juntamente com outras tantas pessoas.
Demoramos muito para perceber isso e entramos em crise quando descobrimos que
outras pessoas, de fora do nosso grupo, também recebem o mesmo dom que nós
recebemos. Deus não se deixa prender nas cercas de nossas igrejas, paróquias ou
grupos. Também não tem sentido qualquer monopólio de serviços e ministérios dentro
da Igreja. Fazemos um bem imenso, mas devemos entender que outros também fazem.
Isso, às vezes, nos deixa inquietos e preocupados. Por que será que isso
acontece? Certamente, porque, por trás do bem que fazemos nem sempre tem uma
reta intenção. Muitas vezes é fruto de orgulho e vaidade acumulados. Preocupamo-nos
porque tememos perder o prestígio, que é nossa grande segurança. Se de fato for
santa a intenção pela qual fazemos as coisas, devemos nos alegrar quando outros
também despertam para fazer o bem como nós.
Há pessoas que gostariam de esperar o melhor de nós, mas
muitas vezes se sentem tão escandalizadas que até deixam de crer. Jesus insiste
que não devemos escandalizar os pequenos que creem, ou seja, a nossa conduta,
de modo algum, deve dificultar a fé dos outros. Colocar obstáculos àqueles que
ainda não desenvolveram uma fé amadurecida, nos trás graves responsabilidades. Longe
de querer eliminar os outros, devemos é eliminar as ocasiões que nos levam a
pensar que somos melhores que os outros. A nossa vida precisa de alguns cortes
profundos: hábitos, mentalidade, posturas. Cortes superficiais apenas nos
deixam equivocados, iludidos e ainda mais pretenciosos. Nos falta coragem para
admitir que somos limitados e que não estamos atingindo as pessoas no que elas
mais precisam, porque perdemos de vista o essencial. Mais do que nunca,
precisamos de uma conversão interior profunda para enxergarmos a existência do
bem além do que os limites de nossas instituições e de nossas capacidades nos
fazem perceber.
Axé
Pe. Degaaxé
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