domingo, 23 de setembro de 2012

COMPAIXÃO: A OUTRA MARGEM DO DISCIPULADO


Jesus subiu à montanha e sentou-se com seus discípulos. Há aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes, mas o que é isso para tanta gente? (Jo 6, 1-15).

          Não poucas vezes os evangelhos narram que Jesus passa para a ‘outra margem’ ou para o ‘outro lado’ do lago. Se não fosse significativo e até determinante, os evangelistas não salientariam tanto. Este movimento traduz um estilo de vida próprio de Jesus e aqueles que estão com ele automaticamente sentem-se convidados a fazer o mesmo. É por isso que se diz que estar com Jesus é andar na contramão do que se pensa na sociedade. Esta reflexão quer, portanto, aprofundar os desafios desta travessia e as surpresas encontradas nessa outra margem.
          Antes de tudo, nessa outra margem ele se depara com numerosa multidão - os pobres - que já tem feito a experiência de sua misericórdia em favor dos seus doentes e que percebeu nele uma característica singular de humanidade que só pode vir de Deus. Jesus toma a opção pela outra margem ou pelo outro lado porque lá estão os pobres, os doentes, os explorados, os famintos. Jesus não foge deles, mas vai ao seu encontro, possibilitando também o movimento dos pobres até ele.
          Jesus sobe o monte com os seus discípulos. O monte, Sagrada Escritura, quase sempre traz um significado teofânico, ou seja, está relacionado a experiência da manifestação divina. O projeto de vida e libertação de Jesus parte sempre de uma sintonia com o Pai. A partir do monte e do encontro com Deus ele enxerga melhor as necessidades das pessoas que estão à sua volta. O povo sente fome e isso atrai a compaixão de Jesus. Ele não fica só para si, mas partilha com seus discípulos, pois isso faz parte da formação para o discipulado. Tudo o que Jesus realiza em favor das pessoas é também parte de um aprendizado para os seus discípulos.
          Na escola de Jesus, encontramos diversos tipos de discípulos e cada um de nós encontra aí o seu próprio estilo de seguir Jesus. Há discípulos que como Filipe acha que precisa estar primeiro estabilizado economicamente para depois ajudar a quem necessita. Há discípulos que como André, acreditam que os pequenos gestos, as pequenas iniciativas são bem-vindos, mas não tem força suficiente para dar nova vida a quem não vê mais horizontes para as suas vidas. Há discípulos que seguindo fielmente o mestre pede o povo para sentar, ou seja, aprendeu que o povo não é escravo de ninguém e que merece vida digna, sinal da plenitude escatológica. Este tipo de discípulo aprendeu a servir verdadeiramente e contribui com algo muito valioso para outra sociedade possível.
          A partilha parece ser central em todo este processo, pois sacia a todos e todas, evitando acúmulo e desperdício. Anuncia uma grande verdade: os bens da criação fazem parte da generosidade divina; foram feitos para todos e devem estar à disposição de todos. Se há gente passando fome é porque há gente que acumula. Todos nós temos um dedo no sofrimento do pobre, do faminto. A solução da crise econômica, em muitos lugares do mundo, não está em comprar ou vender mais ou menos, mas em distribuir mais. Alguns exemplos entre países pobres testemunha que é possível uma melhor situação quando cada um dá de sua pobreza. O documento de Puebla, chamando a atenção sobre a perversidade das estruturas injustas, denuncia o modelo de desenvolvimento adotado na América latina e Caribe, que vem gerando “ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres” (Puebla n. 30).   
          Neste contexto, como comunidade cristã, temos a tarefa de um testemunho mais autêntico, que esteja de acordo com as opções de Jesus, ou seja, o nosso testemunho deve ser uma denúncia profética, reveladora da realidade, tantas vezes escondida e mascarada. O medo de perder a amizade e privilégios, muitas vezes, nos deixa de mãos atadas e voz abafada. Se não conseguimos mais ser voz dos que não tem voz e nem vez, para que serve a vida cristã, então! Um terço da humanidade passa fome; milhares de crianças morrem de fome no Brasil, por ano. Se isso não nos leva a sentir compaixão-indignação, qual o sentido da nossa missão? O centro da nossa vida cristã é a eucaristia, em que recebemos Jesus, o Pão da vida. Através dela, saciamos nossa fome de Deus e nos responsabilizamos com a fome das pessoas. O grande questionamento que brota desta situação é: Que sentido tem a eucaristia partilhada na Igreja se não conseguimos partilhar o que temos com quem mais precisa? Enquanto houver, ao menos, uma pessoa que passe fome, não estará realizado o ideal da eucaristia. Hoje, mais do que nunca, é preciso, passar para a outra margem, se quisermos andar com Jesus na contramão da sociedade.

Axé!

Pe. Degaaxé

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