Os afro-brasileiros
sempre fizeram a experiência de Deus como Libertador, e esta concepção se aprofunda
a cada dia. Eles sentem que há uma identificação concreta na agonia e na dor e
não simplesmente simpatia. “A dor dos oprimidos é a dor de Deus, pois ele
assume o sofrimento deles como se fosse seu, libertando-os do controle final do
sofrimento em suas vidas”[1]. E
a ressurreição comprova esta verdade: Deus irrompe na história e encaminha a
humanidade a uma “realização divina além da história”, devolvendo aos oprimidos
a dignidade e liberdade outrora perdidas. A teologia afro-americana faz
refletir a realidade do Deus que, além de libertar e salvar, se faz negro com
os negros e negras, numa total identificação com sua realidade[2]. O
teólogo negro, J. G. Rocha, nos fala um pouco deste novo encontro:
“O povo negro faz uma
experiência própria de Deus. O Deus dos oprimidos em nosso meio assume o nosso
rosto, nossa cor, nossa cultura, nosso jeito. Uma nova reflexão teológica, não
poderá jamais admitir que se professe a fé em Deus que semeie espanto, terror,
morte e em meio ao povo negro como o Deus proclamado no período da conquista e
colonização. Ela exige que professemos a fé no Deus libertador”[3].
Esta conclusão - sem
apelar para o exclusivismo - brota a partir da vivência de fé profunda que as
comunidades negras realizam. Deus, em Jesus Cristo se identifica com os pobres
e oprimidos - sem se limitar à particularidade de sua condição de judeu, mas
aplicável a todos os que lutam a favor da libertação - logo, ele também é negro, identificando-se
com todos negros e negras, em sua luta contra o racismo e toda espécie de
discriminação, dos quais, ainda hoje, são vítimas.
“Portanto, Cristo é
negro não por causa de alguma necessidade cultural ou psicológica do povo
negro, mas por causa e somente porque Cristo realmente entra em nosso mundo,
onde os pobres, os desprezados e os negros estão, revelando que está com eles,
sofrendo a humilhação e a dor deles e transformando os escravos oprimidos em
servos libertados”[4].
Dizer que Deus é negro
ou que Cristo é negro, não estamos nos referindo à cor da pele[5],
mas ao simples fato de que ele não abandona nem nunca abandonou os oprimidos na
luta. “A negritude de Cristo é tanto literal quanto simbólica. Sua negritude é
literal no sentido de que ele verdadeiramente se tornou um com os negros
oprimidos, tomando o sofrimento deles como o seu sofrimento e revelando que ele
é encontrado na história de nossa luta, na estória de nossa dor e no ritmo de
nossos corpos”[6], assumindo
nosso rosto, nossa cor, nossa cultura, assim como aconteceu com os judeus; sem,
portanto, limitar-se somente a este aspecto. “Ele é negro porque foi judeu”[7].
Axé!Pe. Degaaxé
[1] CONE, James H. O Deus dos oprimidos, p. 190.
[2] Neste sentido, é admirável a conclusão a que chega,
H. Frisotti, ao falar do rosto de Deus, resultante da vivência ecumênica das
comunidades negras: "O rosto negro de Deus que é vida, próximo, Pai e Mãe,
o mesmo e o outro; a revelação de Deus através da natureza e dos Orixás; a
presença dos antepassados; a tradição, os símbolos e os ritos a ela ligados; a
comunidade ampla e verdadeiramente fraterna; a presença e o papel da mulher na
vivência de fé; a recuperação de uma história verdadeiramente ecumênica do povo
negro" (FRISOTTI, Heitor. APNs e Ecumenismo - Oh! Que coisa bonita! O
Espírito, a fé, a força, o axé! In: ATABAQUE-ASETT, Op. Cit., p. 60).
[3] ROCHA, José Geraldo da. Teologia e negritude, p. 69.
[4] CONE, James H. Op. cit., p. 150.
[5] "Chamar
Cristo de Messias negro não significa dizer que ele tinha de Ter os mesmos
traços físicos de um africano. Embora esta possibilidade possa ser bastante
viável, considerando a semelhança da mistura genética judaica com o povo da
parte superior do norte da África: Núbia e Etiópia. Ao chamá-lo de Messias
negro, não temos nenhuma objeção a que outros o vejam como Messias branco, ou
Messias amarelo, ou Messias vermelho etc" (GRANT, J. Elementos e
pressupostos da reflexão teológica a partir das comunidades negras. In: ATABAQUE-ASETT Teologia afro-americana, p. 88).
[6] CONE, James H. Op. cit., p. 150.
[7] Ibid., p. 148.
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