A experiência que as
comunidades negras fazem de Deus é justamente a de um Deus que sempre se
posicionou contra toda espécie de opressão, de escravidão; um Deus, portanto,
libertador do povo oprimido. “Um Deus que anda de mãos dadas com este povo no
cotidiano de suas buscas de melhores condições de vida, de restabelecimento dos
direitos e da justiça”[1].
Em sua caminhada de escravidão-libertação, o povo negro se identifica com o
povo hebreu, que era escravo e foi libertado por Deus[2]: “Javé
disse: ‘Eu vi muito a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor
contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para
libertá-los do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma
terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel’” (Ex 3, 7-8).
A iniciativa da
libertação é de Deus. É ele quem se faz sensível, vendo, ouvindo, conhecendo,
inclinando-se e libertando. A partir desta experiência, todo povo oprimido se
sente motivado a continuar gritando, pois não clama em vão. “Um povo oprimido
que grita é porque tem esperança”. Aquele que tem poder para libertá-lo, não
permite que seu sofrimento permaneça por muito tempo. O povo negro alimenta a
sua fé na certeza de que o Deus, em quem crê, liberta e salva Sobre isso,
salienta o teólogo negro J. G. Rocha:
“A experiência do Êxodo
mostra um Deus que toma partido dos escravos. Ele é o absolutamente sublime,
santo, misterioso, fundamento último de tudo, é o arrimo do órfão e da viúva
abandonados pela sociedade; protetor dos pobres espoliados pelos poderosos;
força dos fracos contra os prepotentes. É um Deus que zela pela dignidade dos
pobres. A violência contra a dignidade dos pobres é violência contra a sua
imagem. A situação de miséria e discriminação da comunidade negra à luz da
experiência do Êxodo, certamente, é um atentado à imagem de Deus”[3].
Esta realidade permite perceber que a
comunidade negra é chamada a um processo permanente de libertação. No que
concerne a Deus, Ele faz a sua parte. Consciente de seus valores e de sua
dignidade, ela deve esforçar-se por manter-se livre, não sujeitar-se a sistemas
de exclusão, denunciar injustiças e manifestações racistas, ser uma voz profética
nos meios eclesiais e sociais, pois “libertar-se e buscar teimosamente a terra
prometida, inclui para a comunidade negra realizar a própria identidade. É
nessa identidade que o negro se situa diante de si mesmo e dos outros; sua humanidade
passa por sua negritude”[4].
Axé!
Pe. Degaaxé
[1] ROCHA, José Geraldo da. Teologia e negritude, p. 123.
[2] "O povo negro é
herdeiro de uma história de quase quatro século de escravidão - o mais longo
cativeiro na história da humanidade de que se tem notícia. Esta história o faz
sentir-se, de certo modo, identificado com o povo hebreu. Mas na história de
libertação deste povo, ele encontra luz e força para buscar se reconstituir
como povo" (Ibid., p. 141).
[3] Ibid.,
p. 142s;
[4] Ibid., p. 142; cf. também em CNBB. Ouvi
o clamor deste povo, p. 89.
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