sábado, 1 de setembro de 2012

BÍBLIA E NEGRITUDE: Experiência de libertação à luz de Êxodo 3

            A experiência que as comunidades negras fazem de Deus é justamente a de um Deus que sempre se posicionou contra toda espécie de opressão, de escravidão; um Deus, portanto, libertador do povo oprimido. “Um Deus que anda de mãos dadas com este povo no cotidiano de suas buscas de melhores condições de vida, de restabelecimento dos direitos e da justiça”[1]. Em sua caminhada de escravidão-libertação, o povo negro se identifica com o povo hebreu, que era escravo e foi libertado por Deus[2]: “Javé disse: ‘Eu vi muito a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-los do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel’” (Ex 3, 7-8).
A iniciativa da libertação é de Deus. É ele quem se faz sensível, vendo, ouvindo, conhecendo, inclinando-se e libertando. A partir desta experiência, todo povo oprimido se sente motivado a continuar gritando, pois não clama em vão. “Um povo oprimido que grita é porque tem esperança”. Aquele que tem poder para libertá-lo, não permite que seu sofrimento permaneça por muito tempo. O povo negro alimenta a sua fé na certeza de que o Deus, em quem crê, liberta e salva Sobre isso, salienta o teólogo negro  J. G. Rocha:
“A experiência do Êxodo mostra um Deus que toma partido dos escravos. Ele é o absolutamente sublime, santo, misterioso, fundamento último de tudo, é o arrimo do órfão e da viúva abandonados pela sociedade; protetor dos pobres espoliados pelos poderosos; força dos fracos contra os prepotentes. É um Deus que zela pela dignidade dos pobres. A violência contra a dignidade dos pobres é violência contra a sua imagem. A situação de miséria e discriminação da comunidade negra à luz da experiência do Êxodo, certamente, é um atentado à imagem de Deus”[3].
 Esta realidade permite perceber que a comunidade negra é chamada a um processo permanente de libertação. No que concerne a Deus, Ele faz a sua parte. Consciente de seus valores e de sua dignidade, ela deve esforçar-se por manter-se livre, não sujeitar-se a sistemas de exclusão, denunciar injustiças e manifestações racistas, ser uma voz profética nos meios eclesiais e sociais, pois “libertar-se e buscar teimosamente a terra prometida, inclui para a comunidade negra realizar a própria identidade. É nessa identidade que o negro se situa diante de si mesmo e dos outros; sua humanidade passa por sua negritude”[4].

Axé!
Pe. Degaaxé


[1] ROCHA, José Geraldo da. Teologia e negritude, p. 123.
[2] "O povo negro é herdeiro de uma história de quase quatro século de escravidão - o mais longo cativeiro na história da humanidade de que se tem notícia. Esta história o faz sentir-se, de certo modo, identificado com o povo hebreu. Mas na história de libertação deste povo, ele encontra luz e força para buscar se reconstituir como povo" (Ibid., p. 141).
[3] Ibid., p. 142s;
[4] Ibid., p. 142; cf. também em CNBB.  Ouvi o clamor deste povo, p. 89.

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