sábado, 15 de setembro de 2012

NEGRITUDE E SEGUIMENTO DE JESUS

      

          Fomos muito agraciados por Deus com este mês em que dedicamos homenagens à bíblia ou à Palavra de Deus, especialmente presente na bíblia. Nesta reflexão, queremos acolher as provocações da Palavra de Deus para vermos como estamos e o que devemos fazer para seguir Jesus verdadeiramente.

         Jesus nos chama a segui-lo, mas não quer que o sigamos de qualquer jeito. Não podemos segui-lo a partir de um “ouvi dizer”, mas por convicção, que nasce dum encontro pessoal com ele mesmo. Segundo o documento de Aparecida, não seguimos uma ideia ou uma doutrina, mas uma pessoa: Jesus Cristo. O que sabemos sobre ele não é fruto de nossas ideias, mas acolhida daquilo que ele mesmo revelou sobre si, estando entre nós. Jesus não veio para morrer na cruz, mas para salvar-nos. O seu engajamento profético o levou à cruz. Ele a abraçou por amor, para que ela não fosse mais sinal de morte para ninguém. O seu gesto foi acolhido por Deus, que respondeu com a ressurreição. Portanto, por trás da cruz, aparentemente sinal de morte, está o gesto de amor de Cristo que conduz à vida. Ele não parou na cruz, pois parar na cruz é deixar-se dominar pelas forças de morte da sociedade injusta, mas ele simplesmente venceu a morte, conduzindo-nos à vida plena pela ressurreição. Por este motivo, a cruz passa a fazer parte de sua vida e missão.

          Acolhendo a cruz, Jesus lhe dá um novo significado e a propõe como condição para todos os que desejam segui-lo. Para segui-lo verdadeiramente, precisamos estar dispostos a carregar também a cruz. Precisamos entender a cruz como parte de um processo de amadurecimento no seguimento e como sinal da nossa entrega em vista do bem dos demais; como consequência da nossa fidelidade a Jesus e ao seu projeto. É preciso, primeiro, renunciar a si mesmo e isso exige mudança de vida e de mentalidade, ou seja, não dá para decidir por Jesus e continuar agindo do mesmo jeito de antes. Depois, deve assumir a cada dia a cruz de suas próprias dificuldades e ser solidário (a) com a cruz dos outros. Traímos nossa vocação de seguidores e seguidoras de Jesus, quando preferimos ser cruz na vida dos outros, ao invés de ajuda-los a carregar suas cruzes.

        Quando falamos em bíblia e povo negro, vemos que tem muita coisa a ver, pois parte das histórias bíblicas aconteceram na África e envolvem africanos. José, filho do patriarca Jacó foi acolhido na África (Egito) e lá foi valorizado com seu talento de intérprete de sonhos – para o povo africano, a revelação de Deus acontece também através dos sonhos. Moisés foi iniciado nos conhecimentos africanos (ciência egípcia) e tornou-se poderoso em palavras e obras. Jeremias estava preso numa cisterna, durante a invasão da Babilônia a Jerusalém e foi salvo por Ebed Melec, um africano, funcionário do rei. Jesus foi acolhido na África (Egito) para escapar da perseguição de Herodes e quando conduzia a cruz ao monte Calvário, foi ajudado por um africano, chamado Simão, da cidade de Cirene, da Líbia. Um funcionário da rainha Candace, da Etiópia, foi evangelizado e batizado por Filipe, de sorte que quando as nações europeias invadiram a Àfrica, já existia o cristianismo lá. É por isso que ainda hoje existem, na África, as Igrejas Apostólicas Tradicionais (dos primeiros séculos) e Igreja Católica Romana (dos tempos da colonização).

         Em tempos de colonização, a bíblia foi utilizada pelos colonizadores para justificar a escravidão e se insistia muito na figura melancólica de Jesus, excessivamente doce, que aceitou o sofrimento porque era vontade de Deus, de sorte que toda tentativa de fuga ou de desobediência ao senhor de escravo era agir contra os ensinamentos de Jesus e, portanto, ficavam impedidos de recebê-lo na eucaristia. Tal situação impingia à comunidade negra atitudes de conformação ao sofrimento, à escravidão. Aqueles que falavam da Bíblia e da cruz de Cristo aumentavam o peso da cruz dos oprimidos em vez de ajuda-los a carregar suas cruzes. A bíblia é usada, então, como instrumento de opressão e obstáculo à luta por dignidade e liberdade. O problema não está na Bíblia em si mesmo, mas de quem está com a Bíblia na mão e se atreve a falar dela.

       Mas ao longo de todo este período, a própria comunidade negra havia percebido que aqueles que catequisavam deixavam muito a desejar sobre o verdadeiro significado da mensagem que levavam. A partir de sua própria descoberta sobre Jesus, a comunidade negra percebeu a sua identificação e solidariedade com relação aos pobres e todos os que sofrem; e seu engajamento em vista da transformação desta realidade. Perceberam que seus senhores catequistas haviam esvaziado a bíblia de sua força profética. Redescobrem, então, a bíblia como fonte de libertação e de vida nova. A presença de afrodescendentes seguindo fielmente a Jesus Cristo, vem marcando significativamente a vida da Igreja, contribuindo, de forma dinâmica, para que ela cumpra com fidelidade a missão que recebeu. Em contrapartida, esta Igreja “mãe” tem buscado realizar um discipulado reparador, reconhecendo os limites da evangelização passada, apoiando e incentivando a comunidade negra em suas justas reivindicações em vista da vida plena, profecia do reino de Deus. Axé!

Fr Ndega

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