quarta-feira, 12 de setembro de 2012

NEGRITUDE E BÍBLIA: Experiência de libertação a partir do engajamento profético de Jesus de Nazaré

             “O povo negro não forjou vários argumentos filosóficos para provar a existência de Deus, porque o Deus da experiência dos negros não era uma ideia metafísica. Ele era o Deus da história, o libertador dos oprimidos da escravidão. Jesus não era uma abstrata Palavra de Deus, mas a Palavra de Deus feita carne, que veio dar liberdade ao prisioneiro”[1].
            Com desenrolar da reflexão, a experiência do Deus da vida, do Deus que liberta e salva, anteriormente descrita, encontra em Jesus Cristo o seu ponto culminante. O trecho acima explicita o jeito particular do povo negro conceber o mistério do Deus revelado em Jesus, o que permite uma releitura da caminhada e novas descobertas, numa perspectiva libertadora e escatológica. Enquanto nas pregações e catequese se insistia somente em definir Jesus como Salvador espiritual e libertador das pessoas do pecado e da culpa, nada mudava na vida dos negros e negras escravizados, pois toda tentativa de fuga e desobediência era agir contra os ensinamentos de Jesus[2]. Mas quando acontece a descoberta de Jesus como Libertador na história, aliado daqueles que lutam contra as forças de morte e contra as estruturas injustas que escravizam as pessoas, tudo muda:
“Desde cedo, os negros perceberam a singularidade de Jesus, a sua mística divino-humana, a sua solidariedade com os pobres, e o seu projeto de libertação-salvação. Em outros termos, os negros perceberam que a Igreja católica, no Sul, e as Igrejas protestantes, no Norte, embora vivendo em meio à escravidão e contaminando-se com ela, eram, entretanto, portadoras de uma grande mensagem, à qual elas mesmas eram devedoras. Uma mensagem que as superava enquanto entidades de fé: ‘santas e pecadoras’[3].
            Essa identificação com os oprimidos, levada tão a sério por Jesus, permite considerar que nele Deus mesmo é o oprimido. Ele se envolve de tal forma com esta causa que, assumindo a história, a humanidade, quis experimentar na própria pele a dor, a angústia, e a situação de “menos vida”, pela qual passam os oprimidos de todos os tempos[4]. “Na verdade, é porque Deus se revelou como o oprimido em Jesus, que os oprimidos sabem agora que o seu sofrimento não é apenas errado, mas também superado”[5].
Axé!
Pe. Degaaxé


[1] CONE, James H. O Deus dos oprimidos, p. 66.
[2] “Muitas vezes, pastoralmente, insistiu-se numa figura de Jesus Cristo melancólica, excessivamente doce, que acabava por impingir à Comunidade Negra atitudes de conformação com sua situação de escravidão. Em certos ambientes católicos, dizia-se que os negros refugiados nos quilombos, pelo fato de terem fugido do domínio dos seus senhores, estavam em oposição aos ensinamentos de Jesus Cristo, por isso mesmo impedidos de recebê-lo na Eucaristia” (SILVA, Antônio Aparecido da. Jesus Cristo luz e libertador do povo afro-americano. In: SILVA, Antônio Aparecido da (Org.). Existe um pensar teológico negro?,  p. 38).
[3] SILVA, Antônio Aparecido da. Jesus Cristo luz e libertador do povo afro-americano. In: SILVA, Antônio Aparecido da (Org.). Existe um pensar teológico negro?,  p. 39.
[4]  "O envolvimento divino no sofrimento, radicalmente revelado na cruz de Jesus, pesa decisivamente contra qualquer sugestão de que Deus é indiferente à dor humana" (CONE, J. Op. cit., p. 191).
[5] Ibid., p. 198.

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