“O povo negro não forjou
vários argumentos filosóficos para provar a existência de Deus, porque o Deus
da experiência dos negros não era uma ideia metafísica. Ele era o Deus da
história, o libertador dos oprimidos da escravidão. Jesus não era uma abstrata
Palavra de Deus, mas a Palavra de Deus feita carne, que veio dar liberdade ao
prisioneiro”[1].
Com
desenrolar da reflexão, a experiência do Deus da vida, do Deus que liberta e
salva, anteriormente descrita, encontra em Jesus Cristo o seu ponto culminante.
O trecho acima explicita o jeito particular do povo negro conceber o mistério
do Deus revelado em Jesus, o que permite uma releitura da caminhada e novas descobertas,
numa perspectiva libertadora e escatológica. Enquanto nas pregações e catequese
se insistia somente em definir Jesus como Salvador espiritual e libertador das
pessoas do pecado e da culpa, nada mudava na vida dos negros e negras
escravizados, pois toda tentativa de fuga e desobediência era agir contra os
ensinamentos de Jesus[2].
Mas quando acontece a descoberta de Jesus como Libertador na história, aliado
daqueles que lutam contra as forças de morte e contra as estruturas injustas
que escravizam as pessoas, tudo muda:
“Desde cedo, os negros
perceberam a singularidade de Jesus, a sua mística divino-humana, a sua
solidariedade com os pobres, e o seu projeto de libertação-salvação. Em outros
termos, os negros perceberam que a Igreja católica, no Sul, e as Igrejas
protestantes, no Norte, embora vivendo em meio à escravidão e contaminando-se
com ela, eram, entretanto, portadoras de uma grande mensagem, à qual elas
mesmas eram devedoras. Uma mensagem que as superava enquanto entidades de fé:
‘santas e pecadoras’[3].
Essa
identificação com os oprimidos, levada tão a sério por Jesus, permite
considerar que nele Deus mesmo é o oprimido. Ele se envolve de tal forma com
esta causa que, assumindo a história, a humanidade, quis experimentar na própria
pele a dor, a angústia, e a situação de “menos vida”, pela qual passam os oprimidos
de todos os tempos[4]. “Na
verdade, é porque Deus se revelou como o oprimido em Jesus, que os oprimidos
sabem agora que o seu sofrimento não é apenas errado, mas também superado”[5].
[1] CONE, James H. O Deus dos oprimidos, p. 66.
[2] “Muitas vezes,
pastoralmente, insistiu-se numa figura de Jesus Cristo melancólica,
excessivamente doce, que acabava por impingir à Comunidade Negra atitudes de
conformação com sua situação de escravidão. Em certos ambientes católicos,
dizia-se que os negros refugiados nos quilombos, pelo fato de terem fugido do
domínio dos seus senhores, estavam em oposição aos ensinamentos de Jesus
Cristo, por isso mesmo impedidos de recebê-lo na Eucaristia” (SILVA,
Antônio Aparecido da. Jesus Cristo luz e libertador do povo afro-americano. In:
SILVA, Antônio Aparecido da (Org.). Existe um pensar teológico negro?, p. 38).
[3] SILVA, Antônio Aparecido da. Jesus Cristo luz e
libertador do povo afro-americano. In: SILVA, Antônio
Aparecido da (Org.). Existe um
pensar teológico negro?, p. 39.
[4] "O
envolvimento divino no sofrimento, radicalmente revelado na cruz de Jesus, pesa
decisivamente contra qualquer sugestão de que Deus é indiferente à dor
humana" (CONE, J. Op. cit., p.
191).
[5] Ibid., p. 198.
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