domingo, 26 de julho de 2015

COMPAIXÃO E PARTILHA: A “OUTRA MARGEM” DO DISCIPULADO

Refletindo Jo 6, 1-15

       Não poucas vezes os evangelhos narram que Jesus passa para a ‘outra margem’ ou para o ‘outro lado’ do lago. Se não fosse significativo e até determinante, os evangelistas não salientariam tanto. Este movimento traduz um estilo de vida próprio de Jesus e aqueles que estão com ele automaticamente sentem-se convidados a fazer o mesmo. É por isso que se diz que estar com Jesus é andar na contramão do que se pensa na sociedade. Esta reflexão quer, portanto, aprofundar os desafios desta travessia e as surpresas encontradas nessa outra margem.

      Antes de tudo, nessa outra margem ele se depara com numerosa multidão - os pobres - que já tem feito a experiência de sua misericórdia em favor dos seus doentes e que percebeu nele uma característica singular de humanidade que só pode vir de Deus. Jesus toma a opção pela outra margem ou pelo outro lado porque lá estão os pobres, os doentes, os explorados, os famintos. Jesus não foge deles, mas vai ao seu encontro, possibilitando também o movimento dos pobres até ele.

      Jesus sobe o monte com os seus discípulos. O monte na Sagrada Escritura está sempre relacionado a experiência da manifestação divina. Esta situação nos faz lembrar Moises quando subia o monte para falar com Deus. Os montes mais conhecidos na Bibli são Horebe, chamado “Monte de Deus”; Sinai, onde Deus fez alianza com o seu Povo; e o Tabor, onde Jesus se transfigurou diante dos seus discipulos. Para revelar o projeto de amor e libertação do Pai, Jesus buscava manter sempre comunhão orante com ele. A partir do monte e do encontro com Deus ele enxerga melhor as necessidades das pessoas que estão diante de si e à sua volta. O povo sente fome e isso atrai a compaixão de Jesus. Ele não fica só para si, mas partilha com seus discípulos, incluindo no processo de formação para o discipulado. Tudo o que Jesus realiza em favor das pessoas é também parte de um aprendizado para os seus discípulos.

       Na “comunidade” de Jesus, encontramos diversos tipos de pessoas e estilos diferentes de seguir o Mestre. Há discípulos que como Filipe acha que precisa estar primeiro estabilizado economicamente para depois ajudar a quem necessita. Há discípulos que como André, acreditam que os pequenos gestos, as pequenas iniciativas são bem-vindos, mas não tem força suficiente para dar nova vida a quem não vê mais horizontes para as suas vidas. Há discípulos que seguindo fielmente o mestre pede o povo para sentar, ou seja, aprendeu que o povo não é escravo de ninguém e que merece vida digna, sinal da plenitude escatológica. Este tipo de discípulo aprendeu a servir verdadeiramente e contribui com algo muito valioso para outra sociedade possível.

      A partilha parece ser central em todo este processo, pois sacia a todos e todas, evitando acúmulo e desperdício. Anuncia uma grande verdade: os bens da criação fazem parte da generosidade divina; foram feitos para todos e devem estar à disposição de todos. Se há gente passando fome é porque há gente que acumula. Todos nós temos um dedo no sofrimento do pobre, do faminto. A solução para a crise econômica em muitos lugares do mundo não está em comprar ou vender mais ou menos, mas em distribuir mais. Alguns exemplos entre nós testemunham que é possível uma melhor situação quando cada um dá de sua pobreza. Alguns documentos da Igreja, chamando a atenção sobre a perversidade das estruturas injustas, denunciam o modelo de desenvolvimento adotado nos paises pobres, que vem gerando “ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres” (Puebla n. 30). 

      Neste contexto, como comunidade cristã, temos a tarefa de um testemunho mais autêntico, que esteja de acordo com as opções de Jesus, ou seja, o nosso testemunho deve ser uma denúncia profética, reveladora da realidade, tantas vezes escondida e mascarada. O medo de perder a amizade e privilégios, muitas vezes, nos deixa de mãos atadas e voz abafada. Se não conseguimos mais ser voz dos que não tem voz e nem vez, para que serve a vida cristã, então!? Um terço da humanidade passa fome. Se isso não nos leva a sentir compaixão-indignação, qual o sentido da nossa missão? O centro da nossa vida cristã é a eucaristia, em que recebemos Jesus, o Pão da vida. Através dela, saciamos nossa fome de Deus e nos responsabilizamos com a fome das pessoas. O grande questionamento que brota desta situação é: Que sentido tem a eucaristia partilhada na Igreja se não conseguimos partilhar o que temos com quem mais precisa? Enquanto houver, ao menos, uma pessoa que passe fome, não estará realizado plenamente o ideal da eucaristia. Hoje, mais do que nunca, é preciso, passar para a outra margem, se quisermos andar com Jesus fazendo a differença na vida das pessoas.


Fr Ndega

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