segunda-feira, 6 de abril de 2020

O SENTIDO DA DOR HUMANA



Reflexão sobre Mt 21,1-11; Is 50,4-7; Fil 2,6-11; Mt 26,14-27,66



            Estamos iniciando a semana mais importante para as Comunidades cristãs. É a semana que reúne os eventos centrais da nossa fé, narrando com muito simbolismo e profundidade os últimos momentos de Jesus em sua existência terrena e convidando ao silencio e a contemplação. É uma oportunidade também para revermos toda a nossa caminhada de compromisso com o Senhor e deixar-nos renovar pelo seu exemplo de fidelidade e decisão.
Somos convidados a acompanhar Jesus que entra vitorioso em Jerusalém para concluir a sua obra de amor. De fato, ele não vem montado a cavalo com arrogância e com um exército poderoso como faziam os generais ao entrarem nas cidades, mas vem montado num jegue, cheio de bondade e misericórdia assim como tem sido toda a sua vida. Jesus é muito consciente do que está para lhe acontecer, mas não se deixa abater. Pelo contrário, demonstra liberdade de Filho muito amado e enviado para salvar a humanidade. Enquanto recordamos sua entrada solene na cidade da paz, recordamos também a sua paixão e morte nesta cidade que tem também a fama de agir de forma violenta contra os enviados de Deus. Portanto, sua morte não é uma fatalidade, mas o resultado de uma missão profética vivida com fidelidade até as últimas consequências.
Como sabemos, o profeta Isaias apresenta quatro cânticos para falar da identidade missão do Povo de Deus, que é também chamado “Servo do Senhor”. Estes cânticos foram compostos durante o exílio na Babilônia e podemos encontrá-los na segunda parte do Livro de Isaias[1]. O texto que estamos usando nesta reflexão é o ‘terceiro cântico’ e segundo este, o Servo vive a sua vocação como um dom de Deus para dar nova vida aos seus irmãos/irmãs. Por causa de sua fidelidade, enfrenta muitas humilhações, rejeição e sofrimento, mas não desanima, pois se sente acompanhado e ajudado por Deus.
As Comunidades cristãs aplicam a figura deste Servo ao próprio Jesus. Ele, segundo São Paulo, em sua identificação com a condição humana, se humilha, aceita ser ultrajado e morto por causa de sua fidelidade a Deus. A sua confiança filial em Deus é a razão de sua fidelidade. Pela humilhação ele encontrou o caminho de sua glorificação. O caminho da humildade, dos pequenos gestos e da opção pelo que é mais insignificante aos olhos da sociedade serão os autênticos sinais que identificarão os que continuarão a sua obra.  
Segundo a narração de Mateus, Jesus considera que a sua prisão, paixão e morte será motivo de escândalo para os seus discípulos, pois eles ainda tinham a mentalidade triunfalista de messias e Jesus sabia disso muito bem. No entanto, ele completa o discurso - como sempre - falando da ressurreição e do encontro que terá com eles a partir de onde tudo começou, da Galileia. Para Jesus não existe expressão de amor maior que a de doar a vida pelos amigos, mesmo que estes tenham fugido (exceto as mulheres e o discípulo amado, segundo o evangelho de João).
Em seu grito: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”?, Jesus expressou a dor que realmente sentiu como ser humano, isto é, a dor do abandono, a dor dos ultrajes, a dor dos pecados da humanidade, etc. E no momento em que tudo parecia ter sido feito em vão, temos a grande profissão de fé vinda da boca de pessoas que ninguém podia imaginar, ou seja, do centurião e seus companheiros: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus”.
Jesus foi abandonado por seus amigos, mas não estava sozinho na cruz nem nunca esteve só em sua missão. Das suas próprias palavras temos este entusiasta testemunho: “Aquele que me enviou está comigo, não me deixou sozinho, pois faço tudo aquilo que lhe agrada” (Jo 8,30). Por isso o “grito” que Mateus coloca na boca de Jesus[2] deve ser refletido sempre em conexão com a sua confiança filial expressa na versão de Lucas, pois assim aconteceu durante toda a sua vida: “Pai, em tuas mãos entrego meu espirito” (Lc 23,46). Caso contrário, negaríamos não somente a sua intima comunhão com o Pai, mas também a fidelidade deste Pai.
O mistério da paixão e morte de Jesus não tem como primeira referência a dor e sofrimento que ele passou, mas o seu grande amor até as últimas consequências. A morte não foi uma imposição, mas uma aceitação voluntária, isto é, livre. Jesus estava consciente de que estava fazendo a coisa certa e por isso a sua paixão é o começo de sua vitória sobre a morte e o pecado, reavivando todas as esperanças dos pobres e de toda a humanidade.
O sofrimento do Filho de Deus nos convida a refletir sobre a dura realidade do sofrimento humano. Assim como Deus respondeu com a ressurreição diante da morte do Filho, podemos concluir que Deus não quer o sofrimento nem a dor para as pessoas. Ele não se “nutre” dessas coisas. Ele não abandona a quem sofre e nem se cala diante do seu sofrimento. Cristo fez suas as dores de todas as pessoas todos os tempos. Ele continua sofrendo em nós quando experimentamos dores e provações da nossa caminhada e nos diz como aos primeiros discípulos: “Alegrai-vos e exultai...” (Mt 5, 12a). Ele sofre com nòs e por nòs para que experimentar a sua alegria.
Portanto, existe dor, mas é uma dor redimida. São João Paulo II dizia: “Não se pode entender a dor humana a não ser no contexto de uma felicidade perdida e não tem sentido a dor a não ser em vista de uma felicidade prometida”. O exemplo de Cristo nos motiva a ser presença eficaz na vida dos que sofrem mais que nós. As cruzes da solidariedade e da compaixão que somos chamados a carregar a cada dia como ele fez, torna o nosso sacrifício também um gesto de amor como participação em sua paixão pela salvação de toda a humanidade.

Fr Ndega


[1] Podemos encontrar os quatro cânticos do Servo do Senhor nas seguintes passagens: o Primeiro cântico está no cap. 42,1-7; o Segundo, no cap. 49, 1-6; o Terceiro, no cap. 50, 4-7; o Quarto no cap. 52,13-53,12.
[2] “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? Este é o versículo 2 do salmo 22. Este não é um grito de desespero, mas uma súplica confiante a Aquele que tem o poder de salvar da morte.

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