A cultura é
reveladora da identidade do ser humano. Trata-se de uma característica que lhe
é realmente fundamental. É inconcebível o ser humano fora da cultura, pois esta
é um modo específico de ser do homem e da mulher. A culturalidade está
entranhada em seu ser. São características fortes da cultura: “a comunhão, a
unidade, a diversidade, a intersubjetividade e o caráter social da existência
humana”[1].
De uma forma mais concreta, ela pode ser definida como “a maneira de pensar, a
mentalidade de um grupo humano, e que explica as maneiras de proceder (modo de
vida) desse grupo”[2]. É
aí que se compreende a riqueza da diversidade cultural e o quanto se ganha
quando essa diversidade é valorizada e promovida.
Além da identidade e mentalidade, a
cultura tem muito a ver com tarefa, missão, responsabilidade, perpetuidade. O
ser humano, quando cria, revela o transbordamento do seu interior criativo, mas
visa também uma contribuição, enquanto legado, para as futuras gerações[3].
Compreendemos esta riqueza interior criativa e inesgotável em relação ao
próprio Criador, que dotou o ser humano com as faculdades necessárias para tal
fim.
Neste sentido, ele é cultura e faz cultura.
Segundo o autor angolano, J. M. Imbamba, a cultura não é obra de Deus nem da
natureza e muito menos do acaso; ela é obra do ser humano; é fruto do seu
gênio, da sua fantasia e criatividade, da sua inteligência e vontade; é tudo
aquilo que o ser humano cria, graças às faculdades privilegiadas que possui[4].
Isto de modo algum deve nos levar a “pensar que
as obras do engenho e poder humano se opõem ao poder de Deus, ou de considerar
a criatura racional como rival do Criador” (GS 34). No entanto, “ao afirmarmos que o
ser humano é criador da cultura, não pretendemos dizer que a cria do nada
(atividade exclusiva de Deus, por isso é o Ser Supremo), pois, neste caso, o
ser humano não passa duma ‘causa instrumental livre’ com o mandato divino de
dominar e administrar as coisas deste mundo. Eis porque é que a cultura é a
resposta do ser humano ao querer (providencial) divino; eis porque é que, além
de humanizar, o ser humano, através da cultura, deva também glorificar o seu
criador”.[5]
É, portanto, vontade divina que o
ser humano seja criativo culturalmente e é assim que ele se define em meio aos
demais seres criados. Mas, segundo J. M. Imbamba, o processo não é automático,
pois, para que o ser humano possa produzir cultura, requer que haja uma
aprendizagem, uma educação, enfim, um empenho constante. E ainda assim será
passível de contradições por causa das limitações próprias do ser homem e
mulher[6].
Isso não impede a caminhada insistente e perseverante em vista do prolongamento
e aperfeiçoamento da obra do seu Criador[7].
Assim, o ser humano é capaz de criar, porque uma força maior o impulsiona para
isso. Ele vai, então, tomando consciência de que há uma força onipotente que o
torna criativo e, ao mesmo tempo, o supera[8].
Esta força é o próprio Deus, fazendo-se
presente na ação humana, tornando a cultura um ‘lugar teológico’, ou seja, Deus
se manifesta na e pela cultura.
Axé!
Pe. Degaaxé
[1]
IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura
para mulheres e homens novos, p. 27s.
[2] LANGA, Adriano. A
oração cristã e exigências da inculturação, p. 78. Outra definição bem sintética, nesta mesma
direção, temos com R. J. Schreiter: “Composição de elementos ideacionais (visão de mundo, valores,
regras de comportamento), elementos operacionais
(rituais e papéis) e elementos materiais
(língua, símbolos, comida, roupas, residências e outros artefatos).
(SCHREITER, Robert J. A nova
catolicidade, p. 89).
[3] “(...) quanto
mais aumenta o poder dos seres humanos, tanto mais cresce a sua
responsabilidade, pessoal e comunitária” (GS 34).
[4]
Cf. IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p.
32.
[5]
Ibid., p. 33. Em sintonia com esta
ideia, citamos um trecho da constituição pastoral Gaudium et Spes, que diz: “A
atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os seres
humanos, no decurso dos séculos, tentam melhorar as condições de vida,
considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus. Pois o ser humano,
criado à imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que
ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus
como Criador universal, orientar-se a si e ao universo para ele; de maneira
que, estando todas as coisas sujeitas ao ser humano, seja glorificado em toda a
terra o nome de Deus” (GS 34).
[6]
Cf. IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p.
33.
[7]
Os seres humanos “prestam conveniente serviço à
sociedade, com razão podem considerar que prolongam com o seu trabalho a obra
do Criador, ajudam os seus irmãos e dão uma contribuição pessoal para a
realização dos desígnios de Deus na história” (GS 34).
[8]
Cf. DURKHEIM, Émile. As formas
elementares da vida religiosa, p. 55.
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