terça-feira, 3 de julho de 2012

1 A CULTURA COMO IDENTIDADE E CRIAÇÃO DO SER HUMANO

        A cultura é reveladora da identidade do ser humano. Trata-se de uma característica que lhe é realmente fundamental. É inconcebível o ser humano fora da cultura, pois esta é um modo específico de ser do homem e da mulher. A culturalidade está entranhada em seu ser. São características fortes da cultura: “a comunhão, a unidade, a diversidade, a intersubjetividade e o caráter social da existência humana”[1]. De uma forma mais concreta, ela pode ser definida como “a maneira de pensar, a mentalidade de um grupo humano, e que explica as maneiras de proceder (modo de vida) desse grupo”[2]. É aí que se compreende a riqueza da diversidade cultural e o quanto se ganha quando essa diversidade é valorizada e promovida.
        Além da identidade e mentalidade, a cultura tem muito a ver com tarefa, missão, responsabilidade, perpetuidade. O ser humano, quando cria, revela o transbordamento do seu interior criativo, mas visa também uma contribuição, enquanto legado, para as futuras gerações[3]. Compreendemos esta riqueza interior criativa e inesgotável em relação ao próprio Criador, que dotou o ser humano com as faculdades necessárias para tal fim.
        Neste sentido, ele é cultura e faz cultura. Segundo o autor angolano, J. M. Imbamba, a cultura não é obra de Deus nem da natureza e muito menos do acaso; ela é obra do ser humano; é fruto do seu gênio, da sua fantasia e criatividade, da sua inteligência e vontade; é tudo aquilo que o ser humano cria, graças às faculdades privilegiadas que possui[4]. Isto de modo algum deve nos levar a “pensar que as obras do engenho e poder humano se opõem ao poder de Deus, ou de considerar a criatura racional como rival do Criador” (GS 34). No entanto, ao afirmarmos que o ser humano é criador da cultura, não pretendemos dizer que a cria do nada (atividade exclusiva de Deus, por isso é o Ser Supremo), pois, neste caso, o ser humano não passa duma ‘causa instrumental livre’ com o mandato divino de dominar e administrar as coisas deste mundo. Eis porque é que a cultura é a resposta do ser humano ao querer (providencial) divino; eis porque é que, além de humanizar, o ser humano, através da cultura, deva também glorificar o seu criador”.[5]
          É, portanto, vontade divina que o ser humano seja criativo culturalmente e é assim que ele se define em meio aos demais seres criados. Mas, segundo J. M. Imbamba, o processo não é automático, pois, para que o ser humano possa produzir cultura, requer que haja uma aprendizagem, uma educação, enfim, um empenho constante. E ainda assim será passível de contradições por causa das limitações próprias do ser homem e mulher[6]. Isso não impede a caminhada insistente e perseverante em vista do prolongamento e aperfeiçoamento da obra do seu Criador[7]. Assim, o ser humano é capaz de criar, porque uma força maior o impulsiona para isso. Ele vai, então, tomando consciência de que há uma força onipotente que o torna criativo e, ao mesmo tempo, o supera[8].  Esta força é o próprio Deus, fazendo-se presente na ação humana, tornando a cultura um ‘lugar teológico’, ou seja, Deus se manifesta na e pela cultura.

Axé!
Pe. Degaaxé


[1] IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos, p. 27s.
[2] LANGA, Adriano. A oração cristã e exigências da inculturação, p. 78.  Outra definição bem sintética, nesta mesma direção, temos com R. J. Schreiter: “Composição de elementos ideacionais (visão de mundo, valores, regras de comportamento), elementos operacionais (rituais e papéis) e elementos materiais (língua, símbolos, comida, roupas, residências e outros artefatos). (SCHREITER, Robert J. A nova catolicidade, p. 89).
[3]  (...) quanto mais aumenta o poder dos seres humanos, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária” (GS 34).
[4] Cf. IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p. 32.
[5] Ibid., p. 33. Em sintonia com esta ideia, citamos um trecho da constituição pastoral Gaudium et Spes, que diz: “A atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os seres humanos, no decurso dos séculos, tentam melhorar as condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus. Pois o ser humano, criado à imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus como Criador universal, orientar-se a si e ao universo para ele; de maneira que, estando todas as coisas sujeitas ao ser humano, seja glorificado em toda a terra o nome de Deus” (GS 34).
[6] Cf. IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p. 33. 
[7] Os seres humanos “prestam conveniente serviço à sociedade, com razão podem considerar que prolongam com o seu trabalho a obra do Criador, ajudam os seus irmãos e dão uma contribuição pessoal para a realização dos desígnios de Deus na história” (GS 34).
[8] Cf. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa, p. 55.

Nenhum comentário: