Depois de ter
falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus
ultimamente, nestes nossos dias, por meio de seu Filho (Hb 1,1-2)
O nosso Deus é especialista em comunicação e quando fala,
facilmente, cria (Gn 1-2) chama e elege (Gn 12),
liberta e salva (Ex 3), enfim, Sua Palavra, uma vez proferida, não volta
para ele vazia (Cf Isaías 55). Ele é o Deus da Palavra. Ele utiliza muitas
linguagens para comunicar-se com os seres humanos e revelar o seu imenso amor
de ‘Pai/Mãe’. Aquela insuperável e de fácil compreensão, aconteceu quando Jesus
assumiu nossa humanidade, com todos os seus limites, e não se sentiu diminuído
ou envergonhado por isso. Pelo contrário, a levou consigo, quando subiu ao céu.
Jesus ‘desce’ apenas com a divindade e sobe com a divindade e a humanidade. A
nossa humanidade adquire, assim, o mais alto grau de dignidade. Esta situação até
nos deveria ser ‘familiar’, pois a nossa fé nos diz que saímos de Deus e
pertencemos a ele, por Jesus, o Deus humano. “Tão humano assim, só podia ser
Deus”, diriam os antigos Padres da Igreja. Isso faz do ser humano um “lugar
teológico”: nele Deus se manifesta. Portanto, o desrespeito ao ser humano
atinge, de alguma forma, o próprio Deus que nele se faz presente. É por aí que
queremos caminhar em nossa reflexão sobre a linguagem que está por trás do ‘desaparecimento’
de Jesus e a comunicação do Espírito Santo aos seus seguidores seguidoras.
Antes de tudo, como dizer que Alguém vai embora, mas não se
afasta? Numa linguagem afro, se a vida de alguém valeu a pena, ele ou ela nunca
se afasta, pelo contrário, estará sempre presente: pelo sangue que corre nas veias
dos seus descendentes, pelos ensinamentos – sabedoria - transmitidos durante
sua existência física e por ser integrante da comunidade. Quem vive integrado à
comunidade, jamais se ausentará e jamais será esquecido (a). Todos o (a)
sentem. É isso que acontece com Jesus: ele ‘desaparece’ da vista, mas não se
afasta da vida. Ele continua presente de diferentes formas e nos educa a captarmos
a linguagem de sua presença: na Eucaristia, na Palavra - rezada, proclamada e
vivida -, nos gestos libertadores dos seus seguidores e seguidoras e na ação do
seu Espírito no mundo, renovando toda a criação e a história dos seres humanos.
Este Espírito nos faz experimentar uma linguagem diferente daquilo que foi
experimentado em Babel. Lá era só confusão; ninguém se entendia. O Espírito
forja no coração das pessoas, de todas as culturas, uma linguagem de fácil
compreensão e que favorece a comunhão. De muitas línguas, uma só linguagem: a linguagem
do amor. Exporei agora algo sobre a teologia da linguagem para compreendermos melhor
o efeito da comunicação proporcionada pelo Espírito.
Enquanto ser cultural, o ser
humano serve-se da linguagem para manifestar seu jeito de ser e pensar. Ela envolve todo o ser humano e, ao mesmo
tempo, espelha a visão de mundo de determinada cultura. Segundo o teólogo U. Zilles,
“a linguagem está ligada à experiência. A experiência acontece num lugar e num
tempo, envolve pessoas, gestos, atitudes e objetos. Como eu vou explicar sobre o sabor da laranja
para alguém que nunca teve o gosto da laranja?”[1].
Dizemos, portanto, que o ser humano é um ser de linguagem por ser um ser que
fala, que comunica e exterioriza o que pensa e o que experimenta. O autor angolano
M. Imbamba, citando Mondin, assim se expressa: “A linguagem denota a função, a
capacidade de que o ser humano é naturalmente dotado (...) de exprimir-se e
comunicar com os semelhantes mediante a palavra. Trata-se de uma capacidade
inata que convém, do mesmo modo, a todos os seres humanos, independentemente da
nação e da cultura a que pertencem”[2].
Assim, nossas experiências são valorizadas quando buscamos transformá-las em
alguma linguagem. Esta é uma situação fundamental para que estas experiências
não se percam no tempo. Trata-se de uma forma de resgatar a memória para não
perder a identidade. Sobre isso afirma também o autor L. C. Susin: “Se nossas
experiências mais íntimas não se transformam em alguma linguagem, estão fadadas
a se perder e a desaparecer. O que não se exterioriza não existe. Pela
linguagem nós nos comunicamos, comungamos, amamos”[3].
O ser humano é feito na linguagem e faz a linguagem. Por ela
expressa seus anseios mais profundos, mas também suas experiências mais
significativas. O próprio Deus serviu-se dela para manifestar seu mistério mais
profundo: o amor. Quando o Espírito é enviado como dom, traz a plenitude de
dons ao coração humano aberto ao mistério divino. Convida, assim, todas as
pessoas à comunhão e à fraternidade. A linguagem humana e o amor de Deus se
fundem para que surja, de todas as culturas, um só povo: um povo totalmente
renovado, que proclame, de modo diversificado, as maravilhas do Senhor. Mesmo,
através da frágil condição de nossos gestos e das nossas palavras, pode-se
contemplar e experimentar tão precioso dom: a força e a grandeza divina, que
derruba as barreiras que dividem os povos.
Para que esta experiência não se torne pura teoria, é
importante continuar a missão do Filho de Deus, acolhendo sempre a inspiração
do seu Espírito. O caráter universal da missão de Cristo deve nos levar a
utilizar uma linguagem que todos entendam, de forma a contagiar não somente a
vida das pessoas, mas impregnar todos os ambientes. A situação nova que a
criação deve experimentar é reflexo do quanto os seguidores e seguidoras de
Jesus, animados pelo seu Espírito, se deixaram transformar, assimilando o seu
jeito de ser e de viver. A missão é de Cristo, mas também é nossa por
participação. Sigamos, portanto, na força do seu Espírito e digamos: Vinde,
Espírito Santo, Linguagem de Deus, e renova a face da terra!
Axé!
Pe. Degaaxé
[1] Durante as aulas de Teologia e
Linguagem no Mestrado em Teologia Sistemática da Faculdade de Teologia da
PUCRS, em 2011.
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