sábado, 26 de maio de 2012

A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM – “LÍNUGUAS” - NA COMUNICAÇÃO (DA FÉ)

Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus ultimamente, nestes nossos dias, por meio de seu Filho (Hb 1,1-2)

            O nosso Deus é especialista em comunicação e quando fala, facilmente, cria (Gn 1-2) chama e elege (Gn 12), liberta e salva (Ex 3), enfim, Sua Palavra, uma vez proferida, não volta para ele vazia (Cf Isaías 55). Ele é o Deus da Palavra. Ele utiliza muitas linguagens para comunicar-se com os seres humanos e revelar o seu imenso amor de ‘Pai/Mãe’. Aquela insuperável e de fácil compreensão, aconteceu quando Jesus assumiu nossa humanidade, com todos os seus limites, e não se sentiu diminuído ou envergonhado por isso. Pelo contrário, a levou consigo, quando subiu ao céu. Jesus ‘desce’ apenas com a divindade e sobe com a divindade e a humanidade. A nossa humanidade adquire, assim, o mais alto grau de dignidade. Esta situação até nos deveria ser ‘familiar’, pois a nossa fé nos diz que saímos de Deus e pertencemos a ele, por Jesus, o Deus humano. “Tão humano assim, só podia ser Deus”, diriam os antigos Padres da Igreja. Isso faz do ser humano um “lugar teológico”: nele Deus se manifesta. Portanto, o desrespeito ao ser humano atinge, de alguma forma, o próprio Deus que nele se faz presente. É por aí que queremos caminhar em nossa reflexão sobre a linguagem que está por trás do ‘desaparecimento’ de Jesus e a comunicação do Espírito Santo aos seus seguidores seguidoras.
           Antes de tudo, como dizer que Alguém vai embora, mas não se afasta? Numa linguagem afro, se a vida de alguém valeu a pena, ele ou ela nunca se afasta, pelo contrário, estará sempre presente: pelo sangue que corre nas veias dos seus descendentes, pelos ensinamentos – sabedoria - transmitidos durante sua existência física e por ser integrante da comunidade. Quem vive integrado à comunidade, jamais se ausentará e jamais será esquecido (a). Todos o (a) sentem. É isso que acontece com Jesus: ele ‘desaparece’ da vista, mas não se afasta da vida. Ele continua presente de diferentes formas e nos educa a captarmos a linguagem de sua presença: na Eucaristia, na Palavra - rezada, proclamada e vivida -, nos gestos libertadores dos seus seguidores e seguidoras e na ação do seu Espírito no mundo, renovando toda a criação e a história dos seres humanos. Este Espírito nos faz experimentar uma linguagem diferente daquilo que foi experimentado em Babel. Lá era só confusão; ninguém se entendia. O Espírito forja no coração das pessoas, de todas as culturas, uma linguagem de fácil compreensão e que favorece a comunhão. De muitas línguas, uma só linguagem: a linguagem do amor. Exporei agora algo sobre a teologia da linguagem para compreendermos melhor o efeito da comunicação proporcionada pelo Espírito.
Enquanto ser cultural, o ser humano serve-se da linguagem para manifestar seu jeito de ser e pensar.  Ela envolve todo o ser humano e, ao mesmo tempo, espelha a visão de mundo de determinada cultura. Segundo o teólogo U. Zilles, “a linguagem está ligada à experiência. A experiência acontece num lugar e num tempo, envolve pessoas, gestos, atitudes e objetos.  Como eu vou explicar sobre o sabor da laranja para alguém que nunca teve o gosto da laranja?”[1]. Dizemos, portanto, que o ser humano é um ser de linguagem por ser um ser que fala, que comunica e exterioriza o que pensa e o que experimenta. O autor angolano M. Imbamba, citando Mondin, assim se expressa: “A linguagem denota a função, a capacidade de que o ser humano é naturalmente dotado (...) de exprimir-se e comunicar com os semelhantes mediante a palavra. Trata-se de uma capacidade inata que convém, do mesmo modo, a todos os seres humanos, independentemente da nação e da cultura a que pertencem”[2]. Assim, nossas experiências são valorizadas quando buscamos transformá-las em alguma linguagem. Esta é uma situação fundamental para que estas experiências não se percam no tempo. Trata-se de uma forma de resgatar a memória para não perder a identidade. Sobre isso afirma também o autor L. C. Susin: “Se nossas experiências mais íntimas não se transformam em alguma linguagem, estão fadadas a se perder e a desaparecer. O que não se exterioriza não existe. Pela linguagem nós nos comunicamos, comungamos, amamos”[3].
           O ser humano é feito na linguagem e faz a linguagem. Por ela expressa seus anseios mais profundos, mas também suas experiências mais significativas. O próprio Deus serviu-se dela para manifestar seu mistério mais profundo: o amor. Quando o Espírito é enviado como dom, traz a plenitude de dons ao coração humano aberto ao mistério divino. Convida, assim, todas as pessoas à comunhão e à fraternidade. A linguagem humana e o amor de Deus se fundem para que surja, de todas as culturas, um só povo: um povo totalmente renovado, que proclame, de modo diversificado, as maravilhas do Senhor. Mesmo, através da frágil condição de nossos gestos e das nossas palavras, pode-se contemplar e experimentar tão precioso dom: a força e a grandeza divina, que derruba as barreiras que dividem os povos.
           Para que esta experiência não se torne pura teoria, é importante continuar a missão do Filho de Deus, acolhendo sempre a inspiração do seu Espírito. O caráter universal da missão de Cristo deve nos levar a utilizar uma linguagem que todos entendam, de forma a contagiar não somente a vida das pessoas, mas impregnar todos os ambientes. A situação nova que a criação deve experimentar é reflexo do quanto os seguidores e seguidoras de Jesus, animados pelo seu Espírito, se deixaram transformar, assimilando o seu jeito de ser e de viver. A missão é de Cristo, mas também é nossa por participação. Sigamos, portanto, na força do seu Espírito e digamos: Vinde, Espírito Santo, Linguagem de Deus, e renova a face da terra!

Axé!
Pe. Degaaxé







[1] Durante as aulas de Teologia e Linguagem no Mestrado em Teologia Sistemática da Faculdade de Teologia da PUCRS, em 2011.
[2] MONDIN, J. B. apud IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos, p. 40.
[3] SUSIN, L. C. Os salmos na vida cristã. p. 14s.

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