Aproxima-se a data comemorativa
do treze de maio e é necessário
refletir profundamente sobre o assunto, pois muitas coisas não estão bem
esclarecidas. Inclusive existe, no Vaticano, um processo de beatificação da
princesa Isabel pelos seus feitos com relação a negros e negras. Quem teve esta
iniciativa tinha lá suas razões, que não vem ao caso agora, mas não podemos
deixar de perguntar: quando serão beatificados os que contribuíram na formação
de comunidades alternativas quilombolas? E os que participavam do movimento
abolicionista? E os inúmeros negros e negras que lutaram e morreram nas
insurreições pela libertação dos seus irmãos e irmãs? E... Nossa, foram tantos!
Quando serão reconhecidos? Zumbi, por exemplo, só é herói nacional porque o
Movimento Negro o fez herói, mas a sociedade, em geral, ainda não engoliu. Bom,
quero resgatar, neste artigo, alguns aspectos marcantes o em torno da data treze de maio e que – acredito – pode servir de ficha de leitura para a reflexão
em grupos de base e auxílio para um repensar as comemorações nesta ‘data’.
Convido, primeiramente a lançarmos
um olhar para Brasil internamente, ou seja, nas Pressões Internas: a) as lutas por libertação: Os Quilombos eram sociedades alternativas,
espaço de liberdade, reconstituição da África no Brasil. O maior deles foi
Palmares, destruído em 1695, mas outros tantos permaneceram. Por todo o
território brasileiro, havia revoluções e
insurreições - revoltas armadas – nas quais havia participação de escravos
fugidios. Destaco a Guerra dos Alfaiates, ocorrida em 1798, na Bahia, que, dentre
tantas exigências, havia a abolição da escravatura. b) O processo
abolicionista: muitos intelectuais colocaram seus conhecimentos a serviço da
libertação. A favor da abolição havia: Luís Gama (em 1861 com Boditude),
Joaquim Nambuco, José do Patrocínio, Antonio Bento, José Bonifácio e muitos
outros. Assim como havia gente a favor, havia também muita gente contra a
abolição, por exemplo: José de Alencar, Machado de Assis – que mantinham em
suas obras o negro como escravo. Os obstáculos principais para o processo
abolicionista eram: A ideia de que a agricultura entraria em colapso e,
portanto, a abolição deveria ser gradual; a ideia de que o escravo era
propriedade privada e, então, não se aceitava abolição sem indenização.
Dirijamos o olhar, agora, para
fora do Brasil e percebamos que os ventos estavam favoráveis, ou seja, havia Pressões Externas: trata-se de uma
pressão internacional, especialmente da Inglaterra, para aumentar o mercado
consumidor no Brasil, através do trabalho assalariado e a continuidade da
escravidão atrapalhava os planos ingleses. É bom recordar também que o Brasil
era o último país da América que ainda levantava a bandeira da escravidão, contrariando
os ideais da Revolução francesa, tão difundidos em nosso continente: liberdade,
igualdade e fraternidade. Isso fazia com que mais nações exercessem influência
a favor da abolição.
Não havendo mais como manter este
estado de coisas e, como só havia 5% de negros ainda escravos, conforme
historiadores, vamos então resgatar as Leis que antecederam a Lei Áurea: a primeira delas foi a Lei Eusébio de Queirós, em 1856, através
da qual apenas houve a diminuição do trafico de escravos. Em 1871, a Lei do Ventre Livre, pelo então ministro
Visconde do Rio Branco, que preconizava que todos os nascidos de escravos
estariam livres a partir da data da lei, sendo que, se o dono quisesse podia
utilizá-los até completar 21 anos. Em 1875, a Lei do Sexagenário, assassinada pelos ministros Saraiva e Cotegipe,
a qual dava liberdade a todos os escravos com mais de 65 anos de idade. Muitos
morriam antes, pois o tempo de vida era muito curto, devido ao excesso de
trabalho, que deixava suas forças debilitadas. E enfim, em 13 de maio de 1888, Lei Áurea, assinada pela Princesa
Isabel. Esta Lei declarava livre todos os escravos e extinguia a escravidão no
Brasil.
Tá e daí? Os negros e negras ficaram
livres de que? Apenas das chibatadas nos troncos, em praças publicas e dos serviços pesados
dos engenhos e das senzalas. Ficaram livres no papel, mas estavam escravos de fato: analfabetos,
sem profissão, sem terras, marginalizados. Quem assinou a Lei de Ouro, esqueceu
de assassinar a carteira de trabalho dos que deveriam receber algum benefício e
recompensa por terem construído este país. O próprio sistema social capitalista fez com que
se agravasse a situação dos negros e negras, pois nas cidades, não tinham para
onde ir. Como no centro não era permitido, foram forçados a morar em palafitas
e cortiços, às margens da sociedade, dando origem ao que chamamos de favelas
hoje. No campo, sem terra, os negros e negras eram obrigados a trabalhar nas
fazendas em troca do que comer; não produziam porque não tinham os meios de
produção. No meio rural, as coisas foram piores: o governo não ofereceu terras
nem subsídios e nem meios agrícolas para os negros e negras se auto-sustentarem.
No campo, a preferência foi para os imigrantes
europeus, pois a ideologia que
predominava era de que era preciso embranquecer o país para salvá-lo da grande
vergonha da escravidão. O próprio ministro Rui Barbosa mandou queimar, na
alfândega do Rio de Janeiro, todos os registros que havia sobre a escravidão no
Brasil. Que grande perda para a nossa memória histórica! Não tivemos direito
nem de saber os detalhes do que se passou com nossos antepassados. Muitos negros e negras, até hoje, não
conseguem assumir sua identidade, levados a isso, inclusive pelos estereótipos
que mantém a realidade do racismo, perpetuando a realidade de escravidão.
Diante de tudo isso, o que
precisava ter sido feito para um treze de maio efetivo e eficaz? Primeiramente,
uma
estrutura de acolhida dos afro-brasileiros que estavam saindo das senzalas para
as cidades; uma política de acolhida destes, no momento em que eles ganhassem a
liberdade; uma política voltada para o social em que o povo negro tivesse
oportunidades iguais de salários, direito a moradias boas, a educação digna,
uma atenção à saúde publica, já que a saúde do povo negro exige cuidados mais
específicos, por exemplo: hiper-tensão, anemia falciforme e outros; políticas
públicas de valorização de sua cultura, resgatando fragmentos culturais que se
perderam ao longo da história; e tantas outras coisas podiam ter sido feitas...
Como não podemos ficar olhando
para o alto, esperando que caia do céu aquilo que achamos importante para o
nosso Povo negro viver dignamente, passo a elencar algumas bandeiras levantadas
pelo Movimento negro social e eclesial, reivindicando uma reparação do treze de maio mal feito: a bandeira por uma
sociedade menos preconceituosa; por uma política agrária de reconhecimento das
terras dos remanescentes de quilombos, pois a cultura afro é fruto da terra, a
qual é expressão de sua identidade. Por mais respeito às manifestações
religiosas afro; por uma política pública de valorização das diferenças
étnicas; por Políticas
e ações afirmativas: ‘para corrigir as desigualdades sociais e efetivar
direitos sociais historicamente negados. Assim, visando eliminar as
desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de
oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas por
discriminação e marginalização. Um exemplo disso são as cotas, recentemente
aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal. Por um Descolonizar as mentes, o
conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e
relacionamentos inter-culturais... (DAp., 96). E nós, afrodescendentes, resgatarmos a nossa
dignidade, não de descendentes escravos, mais de um povo que tem uma cultura
milenar de reis, e rainhas, guerreiros e homens e mulheres que sempre
cultivaram a liberdade, a fraternidade e a solidariedade como valores primordiais.
Muito axé!
Pe. Degaaxé
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