terça-feira, 8 de maio de 2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TREZE DE MAIO

           Aproxima-se a data comemorativa do treze de maio e é necessário refletir profundamente sobre o assunto, pois muitas coisas não estão bem esclarecidas. Inclusive existe, no Vaticano, um processo de beatificação da princesa Isabel pelos seus feitos com relação a negros e negras. Quem teve esta iniciativa tinha lá suas razões, que não vem ao caso agora, mas não podemos deixar de perguntar: quando serão beatificados os que contribuíram na formação de comunidades alternativas quilombolas? E os que participavam do movimento abolicionista? E os inúmeros negros e negras que lutaram e morreram nas insurreições pela libertação dos seus irmãos e irmãs? E... Nossa, foram tantos! Quando serão reconhecidos? Zumbi, por exemplo, só é herói nacional porque o Movimento Negro o fez herói, mas a sociedade, em geral, ainda não engoliu. Bom, quero resgatar, neste artigo, alguns aspectos marcantes o em torno da data treze de maio e que – acredito – pode servir de ficha de leitura para a reflexão em grupos de base e auxílio para um repensar as comemorações nesta ‘data’.
Convido, primeiramente a lançarmos um olhar para Brasil internamente, ou seja, nas Pressões Internas: a) as lutas por libertação: Os Quilombos eram sociedades alternativas, espaço de liberdade, reconstituição da África no Brasil. O maior deles foi Palmares, destruído em 1695, mas outros tantos permaneceram. Por todo o território brasileiro, havia revoluções e insurreições - revoltas armadas – nas quais havia participação de escravos fugidios. Destaco a Guerra dos Alfaiates, ocorrida em 1798, na Bahia, que, dentre tantas exigências, havia a abolição da escravatura. b) O processo abolicionista: muitos intelectuais colocaram seus conhecimentos a serviço da libertação. A favor da abolição havia: Luís Gama (em 1861 com Boditude), Joaquim Nambuco, José do Patrocínio, Antonio Bento, José Bonifácio e muitos outros. Assim como havia gente a favor, havia também muita gente contra a abolição, por exemplo: José de Alencar, Machado de Assis – que mantinham em suas obras o negro como escravo. Os obstáculos principais para o processo abolicionista eram: A ideia de que a agricultura entraria em colapso e, portanto, a abolição deveria ser gradual; a ideia de que o escravo era propriedade privada e, então, não se aceitava abolição sem indenização.
            Dirijamos o olhar, agora, para fora do Brasil e percebamos que os ventos estavam favoráveis, ou seja, havia Pressões Externas: trata-se de uma pressão internacional, especialmente da Inglaterra, para aumentar o mercado consumidor no Brasil, através do trabalho assalariado e a continuidade da escravidão atrapalhava os planos ingleses. É bom recordar também que o Brasil era o último país da América que ainda levantava a bandeira da escravidão, contrariando os ideais da Revolução francesa, tão difundidos em nosso continente: liberdade, igualdade e fraternidade. Isso fazia com que mais nações exercessem influência a favor da abolição.
Não havendo mais como manter este estado de coisas e, como só havia 5% de negros ainda escravos, conforme historiadores, vamos então resgatar as Leis que antecederam a Lei Áurea: a primeira delas foi a Lei Eusébio de Queirós, em 1856, através da qual apenas houve a diminuição do trafico de escravos. Em 1871, a Lei do Ventre Livre, pelo então ministro Visconde do Rio Branco, que preconizava que todos os nascidos de escravos estariam livres a partir da data da lei, sendo que, se o dono quisesse podia utilizá-los até completar 21 anos. Em 1875, a Lei do Sexagenário, assassinada pelos ministros Saraiva e Cotegipe, a qual dava liberdade a todos os escravos com mais de 65 anos de idade. Muitos morriam antes, pois o tempo de vida era muito curto, devido ao excesso de trabalho, que deixava suas forças debilitadas. E enfim, em 13 de maio de 1888, Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Esta Lei declarava livre todos os escravos e extinguia a escravidão no Brasil.
Tá e daí? Os negros e negras ficaram livres de que? Apenas das chibatadas nos troncos, em praças publicas e dos serviços pesados dos engenhos e das senzalas. Ficaram livres no papel, mas estavam escravos de fato: analfabetos, sem profissão, sem terras, marginalizados. Quem assinou a Lei de Ouro, esqueceu de assassinar a carteira de trabalho dos que deveriam receber algum benefício e recompensa por terem construído este país. O próprio sistema social capitalista fez com que se agravasse a situação dos negros e negras, pois nas cidades, não tinham para onde ir. Como no centro não era permitido, foram forçados a morar em palafitas e cortiços, às margens da sociedade, dando origem ao que chamamos de favelas hoje. No campo, sem terra, os negros e negras eram obrigados a trabalhar nas fazendas em troca do que comer; não produziam porque não tinham os meios de produção. No meio rural, as coisas foram piores: o governo não ofereceu terras nem subsídios e nem meios agrícolas para os negros e negras se auto-sustentarem.  No campo, a preferência foi para os imigrantes europeus, pois  a ideologia que predominava era de que era preciso embranquecer o país para salvá-lo da grande vergonha da escravidão. O próprio ministro Rui Barbosa mandou queimar, na alfândega do Rio de Janeiro, todos os registros que havia sobre a escravidão no Brasil. Que grande perda para a nossa memória histórica! Não tivemos direito nem de saber os detalhes do que se passou com nossos antepassados. Muitos negros e negras, até hoje, não conseguem assumir sua identidade, levados a isso, inclusive pelos estereótipos que mantém a realidade do racismo, perpetuando a realidade de escravidão.
Diante de tudo isso, o que precisava ter sido feito para um treze de maio efetivo e eficaz? Primeiramente, uma estrutura de acolhida dos afro-brasileiros que estavam saindo das senzalas para as cidades; uma política de acolhida destes, no momento em que eles ganhassem a liberdade; uma política voltada para o social em que o povo negro tivesse oportunidades iguais de salários, direito a moradias boas, a educação digna, uma atenção à saúde publica, já que a saúde do povo negro exige cuidados mais específicos, por exemplo: hiper-tensão, anemia falciforme e outros; políticas públicas de valorização de sua cultura, resgatando fragmentos culturais que se perderam ao longo da história; e tantas outras coisas podiam ter sido feitas...
           Como não podemos ficar olhando para o alto, esperando que caia do céu aquilo que achamos importante para o nosso Povo negro viver dignamente, passo a elencar algumas bandeiras levantadas pelo Movimento negro social e eclesial, reivindicando uma reparação do treze de maio mal feito: a bandeira por uma sociedade menos preconceituosa; por uma política agrária de reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos, pois a cultura afro é fruto da terra, a qual é expressão de sua identidade. Por mais respeito às manifestações religiosas afro; por uma política pública de valorização das diferenças étnicas; por Políticas e ações afirmativas: ‘para corrigir as desigualdades sociais e efetivar direitos sociais historicamente negados. Assim, visando eliminar as desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas por discriminação e marginalização. Um exemplo disso são as cotas, recentemente aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal. Por um Descolonizar as mentes, o conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais... (DAp., 96). E nós, afrodescendentes, resgatarmos a nossa dignidade, não de descendentes escravos, mais de um povo que tem uma cultura milenar de reis, e rainhas, guerreiros e homens e mulheres que sempre cultivaram a liberdade, a fraternidade e a solidariedade como valores primordiais.

Muito axé!
Pe. Degaaxé

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