quarta-feira, 21 de março de 2012

SÍNTESE DO 7º CONGRESSO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS CATÓLICAS - CONENC

             Peço permissão aos amigos e leitores para interromper nossa reflexão sistemática sobre a existência do mal para que eu possa blogar esta síntese que acabo de fazer sobre o sétimo CONENC. Um evento organizado pela CNBB, que acontece a cada dois anos e que reúne grupos de pastoral afro de todo o Brasil. Estivemos por três dias em formação intensiva e daquilo que conseguir acompanhar, apresento para todos e todas agora a riqueza de reflexão que foi o VII CONENC, acontecido em Londrina, entre os dias 09 e 12 de fevereiro:
A minha participação no VII CONENC foi mais do que a de um observador; foi a de um militante da Causa. Poder conviver com agentes da pastoral afro de todo o país e perceber o desejo de dar o melhor de si em vista da vida e da saúde do povo negro, foi contagiante e emocionante, simplesmente espetacular. Como agentes, somos convidados a atuar em vista da transformação das diversas realidades onde se encontra o nosso Povo. Para isso, o CONENC nos dirigiu o forte convite de resgatarmos a ousadia profética, nos empenharmos na conversão pastoral a partir da renovação das nossas estruturas. Parafraseando Aparecida, é preciso abandonar as antigas estruturas, linguagens e estratégias, se elas não correspondem mais.
            A memória dos Ancestrais foi uma constante no encontro, tendo presente que um povo sem memória perde sua identidade. Estávamos conscientes de que sem o resgate da auto-estima da população negra não se pode dar visibilidade a nenhuma ação pastoral neste campo. O testemunho dos que nos antecederam nos ensinou a resistir. Neste sentido, sinto que enquanto agentes, não podemos ter medo de fazer denúncias, sob pena de faltarmos gravemente com o compromisso profético da nossa Igreja. Um dos assessores, o antropólogo Altair, lembrava que a autoestima da nossa gente está massacrada e que, muitas vezes, nossas estruturas acabam se calando ou caminhando lado a lado com esta situação. É preciso ter coragem de propor ações afirmativas e avalia-las constantemente, participando nos programas de políticas públicas para interferir nos programas sociais e no rumo das decisões.
            A minha impressão é de que havia e há uma preocupação muito grande em manter a comunhão eclesial, em tornar conhecidos documentos da Igreja que dão orientações para a ação que traduz um cuidado pastoral que já vem de muito tempo. Temos uma história riquíssima que é preciso resgatar e valorizar, pois assim estaremos ajudando sempre mais a Igreja a cumprir sua finalidade como continuadora da missão de Cristo. Dentre tantas coisas que o brilhante Oscar Beozo nos falou, quero resgatar esta coragem profética da Igreja, que se diz Católica por ter assumido o compromisso de acolher a diferença, a diversidade. Estamos ajudando a Igreja a se tornar verdadeiramente católica, a acolher toda a diversidade com otimismo e alegria. Sem isso estamos mutilando a Igreja. Deus se revela na riqueza da diversidade e quando suprimimos a diversidade estamos suprimindo um pedaço de Deus.
            O assessor para a liturgia, Hernaldo Farias, nos ajudou a aprofundar o sentido da liturgia da Igreja, lembrando que é na liturgia que os membros da Igreja se tornam Corpo de Cristo. Quanto mais buscamos conhecer o que celebramos mais a nossa participação será plena, consciente, ativa e frutuosa. Quem transforma a liturgia em fonte e cume de sua vida é estimulado a viver a caridade do próprio Cristo, transformando sua vida e o seu cotidiano. Quem celebra o mistério de Cristo não retorna ao cotidiano da mesma forma. No espírito da Sacrossanto Concilium (SC 37-40), a liturgia deve ser feita segundo o espírito, as tradições, mentalidade, costumes e necessidades de cada povo. Temos todo o direito de ter uma liturgia afro-brasileira. Salvo o rito romano, rufem-se todos os tambores. Tem denuncia maior do que fazemos da morte do inocente Jesus condenado? Perguntava o Beozo. Em última análise, podemos utilizar elementos da cultura afro sem destituir a liturgia do seu essencial.
             Este CONENC trouxe muitos elementos para que nós, agentes de pastoral, possamos levar adiante a missão com um maior entusiasmo, certos de que não estamos sozinhos e que podemos contar com uma Igreja que, em muitos espaços, já se revelou comprometida com a Causa da Comunidade negra. A partir de realidades apresentadas pelo antropólogo Altair e pelas intervenções dos (das) agentes, percebemos a necessidade de combater o racismo institucionalizado; auxiliar na consolidação dos direitos adquiridos pela população negra; conscientizar os negros e negras de sua identidade e os não-negros, da validade das reivindicações da população negra; ampliar a ação social no interior da própria Igreja, fazendo com que os avanços da esfera civil ressoem nas comunidades; Estabelecer parcerias com demais organismos que são solidários na luta; Os quilombolas estão sendo cada vez mais perseguidos e isso causa preocupação. Precisamos estar atentos a esta realidade e ser voz dos que não tem voz e nem vez.
E como foi próprio do tema do CONENC, o Pe. Ari nos fez refletir sobre os desafios emergentes para a nossa caminhada pastoral:
1º Desafio – disposição de enfrentar uma realidade considerada provocativa ao sujeito. Entender a nossa identidade enquanto agentes de pastoral e a identidade da nossa missão implica em nos compreendermos como referenciais na sociedade e na Igreja. Fazer da questão da identidade como nossa ferramenta de luta;
2º defafio - Aprofundar o diálogo com o movimento social negro, buscando descobrir dimensões que poderiam enriquecer nossos processos. Compreende também aproximação da literatura, dos processos e metodologias consolidados que pode enriquecer a caminhada. O diálogo pode ser permanente, envolvendo as estruturas/instituições. Pode ser a partir de uma situação específica. É uma troca;
3º desafio - Apoio às lutas de outros irmãos e irmãs que vivem situações de exclusão e violência. Implica em formar uma rede solidária, pois temos muitas situações que nos unem. Temos uma palavra a dar para a sociedade – resgate da ação solidária;
4º desafio - Buscar a formação–excelência. A conjuntura exige agentes bem preparados. A preparação vai além do discurso, mas exige metodologia conteúdos, diálogo;
5º desafio - Formação de novas lideranças nos diversos campos da atuação. O processo formativo deverá ser permanente. Compreende também uma revisão metodológica permanente. Permanente diálogo e constante presença na missão da Igreja;
6 desafio - Sentido da eclesialidade. Estamos ligados a uma igreja e somos responsáveis por ela;
7º desafio - Ter sempre presente a mística e a espiritualidade que nos caracterizam;
8º desafio - Não esquecer as demandas históricas e esquecidas pela sociedade e pelo Estado: quilombolas, moradia, saúde da população negra;
9º desafio - Atuação em redes e aprender a utilizar os recursos das mídias sociais.
            Como se vê, não são poucos os desafios que nos inquietam. Diante disso, enquanto agentes, representando os diversos regionais, elegemos prioridades que devemos levar adiante segundo as realidades onde atuamos. São elas: 1. A necessidade de articulação nos regionais. Para isso, encontro nos regionais; 2. formação integral do agente de pastoral; 2.1 Em termos de conteúdos e metodologia – preparar os agentes para a missão; 2.2 Formações específicas científicas, conhecimento de documentos; 2.3 Formação teológica litúrgica especifica; 2.4 Formação na linha da cultura e identidade negra; 3. Preparação de subsídios: bíblicos, metodológicos, conteúdos; 4. Articulação com outros organismos: pastorais sociais, entidades de Estado, movimento social; 5. Investir na comunicação: redes, banco de e-mails; 5.1 Circulação maior de notícias de eventos; 6. Rearticulação de grupos de trabalho: mulheres, educação, liturgia, formação permanente.
            Quero concluir, dizendo que valeu a experiência e que temos muito a construir, a superar, a descolonizar. Mas, acima de tudo, reconhecer que a nossa história é realmente rica e bela. Assim como a Igreja não existe para ela mesma e sim para ser presença no mundo, acolhemos a mensagem final do VII CONENC como um forte apelo a retomarmos nossas atividades com ousadia e profetismo, vivendo a espiritualidade da resistência junto a nossas comunidades, conhecendo melhor a liturgia da Igreja e ousar dinamizá-la com um estilo afrodescendente, evitando o sincretismo e a dupla pertença; descentralizando nossas atividades, através de uma articulação forte no Regional. Conscientizarmo-nos de que as parcerias são fundamentais para termos um maior alcance de nossas metas. Repensar nossas linguagens, políticas e estratégias, com relação ao Povo negro e à própria sociedade. É preciso relevar as limitações próprias das pessoas envolvidas no processo e nos darmos conta de que somos mais fortes quando atuamos juntos. A graça de Deus nos ajude a viabilizar os compromissos assumidos em vista do bem do nosso Povo negro.

Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé

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