Para quem está nos acompanhando, esta é a terceira parte da nossa reflexão sobre a existência do mal. Neste item, queremos ter presente que o único princípio que existe no universo é Deus e este princípio é infinitamente bom. Todas as coisas que existem estão numa situação de níveis de bondade, ou seja, tem uma bondade ontológica intrínseca – faz parte interna do ser. Todas as coisas são feitas do não ser (Deus fez tudo do nada) e todas as coisas são boas. Se Deus quis fazer o mundo e o ser humano com livre arbítrio, a liberdade é inevitável e o mal é possível. A causa do mal é a vontade e o livre arbítrio. O ser humano se afasta de Deus porque ele quis. O mal existe porque o ser humano quis. O ser humano, sendo feito com capacidade de amar, é capaz de amar também aquilo que o afasta de Deus: a soberba. Para Agostinho, o mal não é querido nem criado por Deus, mas é real e deve ser considerado. Mas permanece a grande interrogação: se Deus não quer o mal, por que ele permite que o mal exista?[1] Não é uma pergunta tão fácil de responder, mas que precisa de uma solução.
Num primeiro momento, interessa-nos aquilo que a formulação teológica sempre tematizou: a ideia de Deus como ‘Antimal’, e mostrou-se no esforço por manter a coerência de um Deus que, criando por amor, de nenhum modo poderia ser cúmplice do mal[2]. “Deus criou boas todas, mas permite o mal, porque em seu poder infinito ele sempre poderia criar algo melhor”[3] e também porque respeita as decisões humanas. Embora se reconheça que nem todos os males dependem das decisões humanas, como: tempestades, furacões, enchentes, etc. Mas queremos fixar nossa atenção sobre o mal moral, aquele que, para o cristianismo, tem raiz na experiência do pecado. E o ser humano só percebe a sua gravidade porque Deus se revelou em sua bondade, como bem expressa C. I. Gonzalez:
‘Esta experiência negativa só é conhecível em si e na sua profundidade à luz da experiência positiva do Deus que se revela. O cristão só compreende em profundidade a raiz do pecado quando experimentou em Cristo, pela ação do Espírito, a salvação que vem de Deus. O pecado é um fato decorrente do uso irresponsável da liberdade humana’[4].
Em seu livro intitulado De libero arbítrio, ao qual acrescentou mais tarde a expressão voluntatis, Santo Agostinho tem muito presente o que foi afirmado acima e reforça dizendo que a liberdade de escolha constitui o pressuposto para o agir moral, assim para o bem como para o mal, para a responsabilidade do ser humano e a recompensa divina. A vontade boa obtém a coroa; a má o castigo[5]. Comunga com esta ideia também J. Hich quando afirma que
‘O pensamento cristão sempre considerou o mal moral em sua relação com a liberdade humana e a responsabilidade. Ser pessoa é ser um centro finito de liberdade, um agente (relativamente) livre e autocontrolado responsável por sua própria decisão. Isso envolve ser livre para agir tanto erradamente quanto para agir corretamente’[6].
Poder decidir é característica fundamental de pessoas livres. No entanto, esta característica traz também à pessoa a possibilidade de agir errado, ou seja, de pecar, pois é livre, limitada e finita. Portanto, em se tratando de pessoas, é impossível a possibilidade do não erro ou do não pecado em seu agir. Uma enorme quantidade de dor humana surge da desumanidade ou da incompetência culpável da humanidade. Na medida em que todos esses males são oriundos das falhas humanas e do seu mal agir, a sua possibilidade é inerente à criação de pessoas, habitando um mundo que as apresenta com escolhas reais, seguidas por consequências reais[7]. Mas voltando à questão do Deus que é bom e, ao mesmo tempo, permite o mal, o autor R. A. Ullmann responde que este Deus pode perfeitamente permitir o pecado. Nada mais. O pecado não faz parte integrante da vontade humana criada por Deus. A vontade é uma faculdade capaz de produzir uma ação; sendo livre, pode igualmente não produzi-la. A escolha do bem ou do mal é somente do ser humano. Excluído fica Deus como cúmplice do mal[8]. Portanto, “a origem do mal moral repousa para sempre encerrada no mistério da liberdade humana”[9]. Mas sabemos que é possível a superação do que chamamos mal, pois enquanto cristãos, temos as armas adequadas. É o que veremos no próximo item. Até lá!
Modjumbá axé!
Pe. Degaaxé
[1] HICH, J. In: BONJOUR, L. & BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. p. 691.
[2] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Repensar o mal. p. 11.
[3] Trecho do material para o exame De universa sobre a Criação e o problema do mal.
[4] GONZÁLEZ, Carlos Ignacio. Ele é a nossa salvação, p. 37.
[5] ULLMANN, R. A., Op. cit. p. 17.
[6] HICH, J. Op. cit., p. 692.
[7] Cf. HICH, J. Op. cit., p. 693.
[8] Cf. ULLMANN, R. A. Op. cit. p. 26.
[9] HICH, J. Op. cit., p. 693.
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