terça-feira, 13 de março de 2012

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS CONCEPÇÕES DE MAL

             Na continuidade do nosso tema, quero analisar concepções de alguns autores e suas implicações. O problema do mal sempre inquietou as gerações de todos os tempos por se tratar de um mistério e, portanto, há sempre o que dizer e o que pesquisar. O mal é sempre algo não-positivo, que todos querem evitar, mas que nem sempre conseguem. Trata-se de uma deficiência, uma privação e uma desordem de algo originalmente harmonioso e bom. Muitos autores se ocuparam deste assunto e queremos agora analisar alguns, brevemente.
 Os escolásticos definiam o mal como um parasita do bem. Entre os medievais, tratava-se de ausência de uma perfeição que deveria estar presente na natureza, em determinado ser ou faculdade de um ser. Na verdade o mal é aquilo que contraria um plano determinado ou desarruma uma ordem estabelecida de coisas a que estamos habituados. Assim sendo, o mal é o oposto do bem[1].  O autor G. Büchner, citado por Torres Queiruga, diz que “pode-se negar o mal, porém não o sofrimento”[2].  Esta colocação acentua que não se pensa o mal como algo abstrato ou distante, mas muito concreto e existencial que, mesmo que não se queira chamar de mal, nem por isso ele deixa de existir. Reforçando esta ideia, o autor A. Torres Queiruga continua: “O ‘mal’ é, em seu significado mais elementar e em sua mais inegável realidade, aquilo que experimentamos como o que subjetivamente ‘não queremos’ e do que objetivamente pensamos que ‘não deveria ser’, e que, bem por isso, rejeitamos e procuramos eliminar ou, pelo menos, suavizar”[3]. Este mesmo autor cita Pierre Bayle, referindo-se ao escândalo do mal. Para ele, “é absolutamente irreconciliável no nível da razão. Ele percebe com acuidade os dois extremos em disputa. Por um lado, a onipotência e (ainda menos) a bondade de Deus. Por outro, a miséria humana: ‘o homem é mau e infeliz’”[4]. E, como se percebe, este autor não vê bondade no ser humano, mesmo relacionando-o com Deus, seu criador. Ele também não vê expectativa na luta contra o mal e no esforço para se evita-lo.
A nossa reflexão continua e agora citamos o autor Leibniz, comentado por R. Ullmann e por A. Torres Queiruga, o qual propõe uma tríplice divisão de mal: o mal físico, o mal moral e o mal metafísico. O mal físico refere-se à ausência daquilo que pertence à integridade natural do ser. Mas por mal físico entendem-se não somente os males materiais, mas também os males que afetam o espírito, como as decepções, a dúvida, a desonra, o remorso. O mal moral reside no desvio voluntário da norma de moralidade, que é a razão, nas ações livremente opostas. Já O mal metafísico, significa a finitude, a limitação da criatura. Em outras palavras, esse mal é a imperfeição original da criatura, que a torna sujeita ao erro, à falta, ao pecado. Nenhuma criatura comporta a plenitude do ser própria de Deus. De acordo com esta ideia, está também o autor Pomponácio, segundo o qual o mal metafísico ou o mal da natureza é inerente ao ser finito e não representa nenhuma injustiça da parte de Deus. Não é possível existirem dois infinitos[5]. É possível refutar em muitos pontos, a opinião destes autores, visto que este ser finito criado por Deus tem sua origem em Alguém bom, ou seja, o ser criado é bom em sua raiz. No caso da finitude, o autor e prof. R. Pich assim afirma: “A finitude implica um espaço lógico para o mal. No entanto, não há uma relação direta entre finitude e maldade. A finitude da nossa vontade não implica que estamos condenados a uma má vontade. A criação só pode ser finita e mesmo finita ela é boa”[6].
Para finalizar este item, não podia faltar também a visão judaico-cristã que, já foi antecedida pelo posicionamento acima do prof. Roberto Pich, totalmente contrária à de Leibniz, Pomponácio, Bayle e outros. Segundo esta visão, o mal, originalmente, não faz parte integrante do mundo, mas é a consequência da autonomia criatural, ou seja, o mal surgiu, historicamente, pelo pecado original. Aqui, é importante citarmos Santo Agostinho, que distingue duas formas de mal: o pecado e o sofrimento. O sofrimento é o justo castigo do pecado cometido pelo ser humano no Éden. O pecado representa o mau uso da vontade livre. Para Santo Agostinho, o mal representa o desencaminhamento de alguma coisa que é boa em si mesma. O universo é bom por ser criação de um Deus bom para um bom propósito. Neste sentido, tudo o que tem ser é bom no seu próprio modo e grau, exceto na medida em que pode ter se estragado ou corrompido. O mal não foi estabelecido ali por Deus, mas representa a distorção de algo que é inerentemente valioso[7]. O prof. Rich recorda, em seu comentário sobre A. Agostinho, que a palavra chave na hermenêutica agostiniana é privação. Uma privação é uma ausência ou uma não realização de um bem que se espera que aconteça em alguma coisa que existe. O ser humano é bom enquanto criado por Deus; não há nada nele que seja ruim. Mas existem bens que podem ser mal utilizados: o mal são aquelas ações nas quais o ser humano se deixa levar e controlar[8].
            Modjumbá axé!
            Pe. Degaaxé





[1] Cf. ULLMANN, R. A. O mal. p. 6.
[2] BÜCHNER, B. apud TORRES QUEIRUGA, A. Repensar o mal. p. 16.
[3] TORRES QUEIRUGA, A. Ibid. p. 16.
[4] Id., Ibid., p. 41.
[5] Cf. ULLMANN, R. A. Op. cit. p. 8s.  
[6] Palavras do Professor Doutor Roberto Pich, durante as aulas da disciplina Questões atuais de História da Igreja à turma do mestrado em Teologia Sistemática.
[7] Cf. ULLMANN, R. A. Op. cit. p. 17.
[8] Professor Roberto Pich, durante as aulas. 

Nenhum comentário: