sexta-feira, 3 de março de 2023

O CAMINHO DA REALIZAÇÃO AUTÊNTICA

 

Reflexão sobre Gênesis 12, 1-4a; 2Tm 1, 8b-10; Mateus 17: 1-9




 

    A caminhada daqueles que creem em Deus é plena de sentido, porque caminham na esperança da vida eterna[1]. O ser humano é um “buscador de Deus” desde o seu nascimento. Após cada passo, somos convidados a dar o seguinte, pois existe dentro de nós uma força que nos empurra para frente, dizendo-nos que o “horizonte ainda não chegou”, mas que é preciso continuar caminhando. Ao longo do caminho há muitas “coisas” a serem deixadas, pois cada nova fase da nossa vida nos leva a encontrar “coisas” novas.

    Para alcançar a plena finalidade de nossas vidas, não precisamos de pressa, mas de decisão que acompanhada pela fé, encontra sua correta direção em Deus mesmo que nos atrai a si, de acordo com o teólogo Agostinho, que disse: “Ó Deus, tu nos fizeste para Ti e o nosso coração vive inquieto até repousar em ti”. Fixando nosso olhar em Jesus, que se transfigura, é fácil entender o verdadeiro sentido de nossa vida e também do universo inteiro conosco[2]. É nesta perspectiva que somos convidados a refletir sobre o convite que Deus faz a Abraão, o convite de Jesus aos seus discípulos de andarem junto com ele ao “topo da montanha” e o convite à santitade feito a Timoteo.

    Abraão é conhecido como o “nosso pai na fé”, porque ele foi a primeira pessoa que acreditou contra toda humana expectativa. Ele foi convidado a iniciar uma viagem. Ele não sabia onde devia chegar, mas ele escolheu acreditar em Deus e aceitar a sua promessa como garantia para a viagem. Todas as coisas ditas por Deus se tornaram realidade, porque é fiel Aquele que promete. Abraão não estava caminhando somente em busca da realização de um projeto pessoal de vida, mas - e principalmente - para fazer a vontade daquele que o chamou. Pois é, nossa caminhada não tão é diferente daquela de Abraão. Talvez nos falta uma fé como a sua para sonhar com Deus.

    O evento da transfiguração de Jesus ocorreu seis dias após ele ter revelado que devia sofrer, morrer e ressuscitar. Ao mesmo tempo, ele convidou os seus discípulos a se juntarem a ele nesta causa através do “negar-se a si mesmo, carregar a própria cruz e segui-lo”. Verdadeiramente isto foi contra todas as expectativas deles sobre o homem que eles tinham reconhecido como o Cristo de Deus. Estão desiludidos e se perguntam se ainda vale a pena seguir um mestre que não tem mais nada a oferecer do que a morte numa cruz. Embora Jesus tinha falado também sobre o tema “ressurreição”, seus corações já estavam abalados e não conseguiram entender muito bem.  

    Então, Jesus tomou consigo alguns deles, Pedro, Tiago e João, para acompanhá-lo ao topo do Monte Tabor. Lá na montanha, Jesus foi transfigurado diante deles. Esta foi uma experiência de transfiguração também para eles. Ele mostrou um pouco de sua glória e a realidade futura daqueles que o seguem fielmente. Jesus os convida a fazer a experiência do “alto” para que passam enxergar melhor, entender o sentido da sua entrega e o sentido da participação deles na sua missão. Com isso, o evangelista quer mostrar que esse mesmo Jesus que caminha para a cruz, é o Filho amado do Pai, a revelação maxima de Deus. Ninguém mais pode revelar Deus como ele faz.   

    A presença de Moisés e Elias recorda a referência da revelação no Antigo Testamento. Ambos falavam com Jesus mostrando que não há ruptura entre o ensinamento deles e o de Jesus, mas conexão e continuidade. Todavia, segundo a voz do Pai, é Jesus quem tem a autoridade de ensinar e interpretar corretamente o que foi dito aos Ancestrais: “Este é o meu Filho amado, escutai-o”. Todos estão convidados a escutá-lo[3]. Escutar é um verbo muito significativo na experiência bíblica. Indica a atitude correta do judeu fiel diante da Palavra de Deus, assumindo o compromisso de praticar o que ele ouviu. Então, escutar a Palavra està correlacionado com a sua prática.

    Os discipulos haviam o desejo “de permanecer na montanha, mas uma voz do céu os convidou a ouvir e obedecer Jesus.” Muitas vezes Deus nos convida a fazer experiência de Sua presença como aconteceu com Abraão, como aqueles na montanha ou como Timoteo, isto é, a sofrer pelo evangelho. Este evangelho acolhido com uma escuta atenta nos faz entender quem é Deus e quem somos nòs. Ele nos faz entender que “uma existência feita doação nao é fracassada, mesmo se termina na cruz”. A prova disso é a vida que resplandece da cruz de Jesus mostrando o verdadeiro senso de uma vida comprometida no serviço dos irmãos e irmãs. 

    Segundo o Papa Francisco, “a vida cristã é um caminhada, non triste mas alegre” porque não conduz à morte mas à verdadeira vida. Esta caminhada é feita de “escalar a montanha”, para a experiência intima e pessoal com Deus e “descer da montanha” para doar a vida na experiência fraterna e solidaria. Como os discípulos, também nós às vezes somos tentados à desilusão porque não compreendemos a lógica de Deus e o seu desígnio de bondade e sabedoria. A resposta aos nossos medos e desilusões vem do alto da montanha onde Jesus mostra que "a autêntica realização de uma pessoa acontece com a doação da própria vida". Que sua escolha nos motive a viver como filhos amados como ele, a amar até o fim e a celebrar a vitória da vida sobre a morte.


Fr Ndega

[1] Faço aqui uma referência ao autor L. Wittgenstein em sua reflexão sobre o fator místico e religioso no ser humano. Segundo ele, “crer em Deus é compreender a questão do sentido da vida. Crer em Deus é afirmar que a vida tem sentido. Sobre Deus, que está mais além deste mundo, não podemos falar. E sobre o que não podemos falar, devemos calar” (Tractatus,7). E se completa na afirmação de Ernest Bloch, citado por LB em seu artigo La religión como fuente de utopías salvadoras, que diz: “Onde há religião, há esperança”.

[2] É oportuno citar aqui um fragmento de um grande teólogo que continua a nos ajudar com suas profundas reflexões em setores não eclesiais: “Jesus é apenas o primeiro de muitos irmãos e irmãs; também a humanidade, a terra e o próprio universo serão transfigurados para ser o Corpo de Deus. Portanto, nosso futuro é a transfiguração do universo e tudo o que ele contém, especialmente a vida humana... Talvez seja esta nossa grande esperança, nosso futuro absoluto”. (LB)

[3] Jesus é a máxima revelação de Deus. Não há outro que possa fazer como ele faz. De fato, Deus falou aos nossos Ancestrais no passado. Mas “nestes dias”, tudo o que Deus continua a revelar as pessoas ele o faz através do seu Filho Jesus. Até aqueles que não conhecem Jesus recebem a revelação de Deus através dele. No irmão/ã que são capazes de ajudar, em nome de Cristo, eles podem encontrar com Cristo que se identificou com os necessitados de todos os tempos (cf. Mt 25, 31-46). O critério é o amor/compaixão. Seus atos de compaixão falam de Cristo Jesus.

Nenhum comentário: