Reflexão sobre Gênesis
12: 1-4a; Mateus 17: 1-9
A caminhada
daqueles que creem em Deus é plena de sentido, porque caminham na esperança da
vida eterna[1].
O ser humano é um “buscador de Deus” desde o seu nascimento. Após cada passo,
somos convidados a dar o seguinte, pois existe dentro de nós uma força que nos
empurra para frente, dizendo-nos que o “horizonte ainda não chegou”, mas que é
preciso continuar caminhando. Ao longo do caminho há muitas “coisas” a serem deixadas,
pois cada nova fase da nossa vida nos leva a encontrar “coisas” novas.
Para
alcançar a plena finalidade de nossas vidas, não precisamos de pressa, mas de
decisão que acompanhada pela fé, encontra sua correta direção, pois aquele que
nos convida a iniciar a grande “aventura do viver”, na verdade, está nos
atraindo a si mesmo, de acordo com o teólogo Agostinho, que disse: “Ó Deus, tu
nos fizeste para Ti e o nosso coração vive inquieto até repousar em ti”. Fixando
nosso olhar em Jesus, que se transfigura, é fácil entender o verdadeiro sentido
de nossa vida e também do universo inteiro conosco[2]. É nesta perspectiva que somos
convidados a refletir sobre o convite que Deus faz a Abraão para que vá a uma “terra
desconhecida” e o convite de Jesus aos seus discípulos de andarem junto com ele
ao “topo da montanha”.
Abraão é
conhecido como o “nosso pai na fé”, porque ele foi a primeira pessoa que
acreditou contra toda humana expectativa. Ele foi convidado a iniciar uma
viagem. Ele não sabia onde devia chegar, mas ele escolheu acreditar em Deus e
aceitar a sua promessa como garantia para “carregar” na viagem. Todas as coisas
ditas por Deus se tornaram realidade, porque é fiel Aquele que promete. Abraão
não estava caminhando somente em busca da realização de um projeto pessoal de
vida, mas - e principalmente - para fazer a vontade daquele que o chamou. Esta
realidade nos faz recordar o refrão de um canto muito bonito composto no
Brasil, que diz assim: “Feliz é quem parte, quem anda e quem vai; certeza na
frente e história nas mãos. Feliz é quem crer nas promessas do Pai e consagra
sua vida em favor dos irmãos”. Pois é, nossa caminhada não tão é diferente
daquela de Abraão. Talvez o que esteja nos faltando é aquela fé que ele teve.
O evento da
transfiguração de Jesus ocorreu seis dias após ele ter revelado que devia
sofrer, morrer e ressuscitar. Ao mesmo tempo, ele convidou os seus discípulos a
se juntarem a ele nesta causa através do “negar-se a si mesmo, carregar a
própria cruz e segui-lo”. Verdadeiramente isto foi contra todas as suas
expectativas sobre o homem que eles tinham reconhecido como o Cristo de Deus. Embora
Jesus tinha falado também sobre o tema “ressurreição”, seus corações já estavam
abalados pela terrível notícia da sua morte e não conseguiram entender muito
bem.
Então, Jesus
decidiu convidar alguns para acompanhá-lo ao topo do Monte Tabor. Esta
caminhada “transfigurou” a visão deles. Lá na montanha, Jesus foi transfigurado
diante deles. Ele mostrou um pouco de sua glória e a realidade futura daqueles que
o seguem fielmente. Jesus os convida a fazer a experiência do “alto” para que
passem a ver a partir do “alto” e poderem assimilar o sentido da sua entrega e
a realidade que são chamados a assumir em identificação com o Mestre. Na
verdade, “Jesus não precisou mudar em nada; o que mudou foi a visão deles sobre
Jesus”.
A presença
de Moisés e Elias recorda a referência da revelação no Antigo Testamento. Ambos
falavam com Jesus mostrando que não há ruptura entre o ensinamento deles e o de
Jesus, mas conexão e continuidade. Todavia, embora o ensinamento de Jesus seja
continuidade, a voz vinda da nuvem testemunhou que é ele quem tem a autoridade
de ensinar e interpretar corretamente o que foi dito pelos “Ancestrais”. Assim,
o Pai testemunhou sobre o seu Filho, apresentando-o como referência em nossa
vida, isto é, “Este é o meu Filho amado, escutai-o”. Todos estão convidados a
escutá-lo[3]. Escutar é um verbo muito
significativo na experiência bíblica. Esta é a atitude correta do judeu fiel
diante da Palavra de Deus, assumindo o compromisso de praticar o que ele ouviu.
Então, escutar tem tudo a ver com viver.
“Eles
desejam permanecer na montanha, mas uma voz do céu os convidou a ouvi-lo e
obedecê-lo”. Muitas vezes Deus nos convida a fazer experiência de Sua presença
como aconteceu com Abraão, ou como aqueles na montanha, por exemplo, participar
nas Celebrações, em momentos de oração, retiros, etc. Experiências como estas
fortalecem a nossa fé e o nosso zelo pela Obra de Deus. Naturalmente nós não
queremos que essas experiências cheguem ao fim. Porém a nossa caminhada de fé não
é feita somente de “escalar montanha” (experiência espiritual pessoal) mas
também de “descer da montanha” (experiência fraterna). Todos os dias somos
convidados a fazer “experiência de transfiguração” através da escuta e prática
da Palavra de Jesus. Essa experiência nos ajuda a percebermos os rostos
desfigurados de muitos irmãos/ãs ao nosso redor e termos para com eles os
mesmos sentimentos e atitudes de Cristo. “Escutar sua Palavra nos dá força para
segui-lo até o fim”. Então, temos aqui o jeito certo de sermos e vivermos como
“filhos/as amados/as” de Deus.
Fr Ndega
[1] Faço aqui uma referência ao autor
L. Wittgenstein em sua reflexão sobre o fator
místico e religioso no ser humano. Segundo ele, “crer em Deus é compreender
a questão do sentido da vida. Crer em Deus é afirmar que a vida tem sentido.
Sobre Deus, que está mais além deste mundo, não podemos falar. E sobre o que
não podemos falar, devemos calar” (Tractatus,7). E se completa na afirmação de
Ernest Bloch, citado por LB em seu artigo La
religión como fuente de utopías salvadoras, que diz: “Onde há religião, há esperança”.
[2] É oportuno citar aqui um fragmento
de um grande teólogo que continua a nos ajudar com suas profundas reflexões em
setores não eclesiais: “Jesus é apenas o primeiro de muitos irmãos e irmãs;
também a humanidade, a terra e o próprio universo serão transfigurados para ser
o Corpo de Deus. Portanto, nosso futuro é a transfiguração do universo e tudo o
que ele contém, especialmente a vida humana... Talvez seja esta nossa grande
esperança, nosso futuro absoluto”. (LB)
[3] Jesus é a máxima revelação de Deus.
Não há outro que possa fazer como ele faz. De fato, Deus falou aos nossos
Ancestrais no passado. Mas “nestes dias”, tudo o que Deus continua a revelar as
pessoas ele o faz através do seu Filho Jesus. Até aqueles que não conhecem Jesus
recebem a revelação de Deus através dele. No irmão/ã que são capazes de ajudar,
eles podem encontrar com Cristo que se identificou com os necessitados de todos
os tempos (cf. Mt 25, 31-46). O critério é o amor/compaixão. Seus atos de
compaixão falam de Cristo Jesus.
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